Terramay, comida para alimentar a alma
Na freguesia do Rosário, no Alandroal, mesmo em frente ao Guadiana, este projeto de agricultura regenerativa é a prova de que é possível aliar sustentabilidade e ativismo social com economia e empreendedorismo. Um conceito materializado no restaurante Raya, situado na praia fluvial das Azenhas d’El Rei, que no dia 5 de maio será também apresentado em Lisboa, no evento Soil to Soul.
Foram cerca de quatro de anos de busca, mas valeu bem a pena cada segundo despendido, conforme se comprova hoje, ao percorrermos na companhia de Anna e David Brito os vastos domínios da Terramay, uma herdade centenária com mais de 500 hectares e ribeirinha ao Guadiana, onde este casal luso-alemão, em conjunto com "o sócio e amigo" suíço Thomas Sterchi, está a desenvolver um projeto a 360 graus: agrícola, turístico e também social, que já dá emprego a 25 pessoas. "Dentro de mais ou menos três anos esperamos abrir um hotel, que pretendemos que venha a ser uma referência em termos de luxo e conforto, mas também de sustentabilidade", afirma Anna, enquanto caminhamos em direção à horta. Ou antes, "ao milagre" da Terramay, como a apresenta David, pois é no mínimo incomum encontrar-se uma horta assim tão frondosa num cume, em especial no território como este, com as terras tão secas empobrecidas. "A solução encontrada foi plantar em pequenas caixas elevadas a algumas dezenas de centímetros do solo", explica Márcio, o hortelão responsável por este pequeno pedaço de paraíso. "A dificuldade diferencia o produto, que devido a estas caraterísticas consegue ter uma qualidade e uma micro-sazonalidade rara de encontrar", acrescenta David, enquanto nos dá a provar uma suculenta e saborosa flor de rúcula. Entre os clientes encontram-se já restaurantes como o da Herdade do Esporão, o Feitoria ou Casa do Gadanha, entre outros, mas na verdade qualquer pessoa pode sê-lo, basta para isso comprar os cabazes Terramay no site da herdade, também eles sempre preparados consoante o que a terra dá nesse preciso momento. O que não é vendido fresco, é cozinhado e transformado em sumos, pesto, pickles, chutneys ou compotas, confecionados artesanalmente e muitas vezes também incluídos nos cabazes.
O casal chegou aqui há pouco mais de quatro anos, com os dois filhos pequenos – um terceiro já nasceu alentejano – e apesar de não terem qualquer formação agrícola (antes trabalharam em startups nas áreas da hotelaria, turismo e gastronomia, ele também foi estratega digital em empresas de publicidade e comunicação e ela chegou a ser atriz) meteram mãos à obra, nesta espécie de utopia que, aos poucos, se vai tornando realidade. "Apenas sabíamos que queríamos fazê-lo num zona de baixa densidade populacional e em risco de desertificação, tal como está grande parte do Alentejo", sublinha David.
Partilhar a herdade com os outros
Na horta, de permacultura, as hortícolas e aromáticas crescem assim naturalmente: "sem sementes geneticamente manipuladas e sem químicos". Em toda a herdade, só são utilizadas práticas que combatem a desertificação, visam revitalizar os solos erodidos e adaptar a vida selvagem à nova realidade climática. Num terreno adjacente à horta está entretanto a nascer uma "agro-floresta", alimentada com um sistema de rega gota a gota, que pretende mimetizar um ecossistema florestal, mas neste caso com árvores de frutos - "romã, pêssego, citrinos, ameixas" - e outras, "como freixos e choupos, à mistura com espécies silvestres como medronheiros e ainda com algumas aromáticas e hortícolas lá pelo meio". Também produzem azeite e mel e num futuro próximo querem também começar a cultivar vinha e cereal, para fazerem vinho e pão, neste caso numa padaria própria, a abrir na vizinha aldeia do Rosário.
"Queremos tornar o monte auto-sustentável, como o foi no passado, e nesse sentido a agricultura regenerativa é o coração do projeto", sustenta Anna. Isso passa também por melhorar as pastagens, a biodiversidade do solo e a recuperação dos recursos hídricos. "É muito importante para nós criar um ambiente de trabalho saudável e seguro, bem como deixar que os nossos animais cresçam em liberdade, sem antibióticos e outros químicos." No que à criação de gado diz respeito, apenas trabalham com raças autóctones do Alentejo: porco preto alimentado a bolota, vacas mertolengas, ovelhas merino de pasto e cabras serpentinas, com cujo leite se confeciona o queijo fresco. E acima de tudo querem partilhar todo este trabalho com os outros. Mediante marcação organizam-se farm tours, que incluem um delicioso snack com produtos da herdade (como o que nos espera junto à horta) e podem ser associadas a atividades equestres, uma vez que também fazem criação de cavalos lusitanos, ou a passeios de barco pelo Grande Lago de Alqueva – o tour mais simples tem um custo de €100 por carro, independentemente do número de pessoas, mas "tudo pode ser ajustado aos desejos de cada cliente".
Da quinta para a praia
É de barco que o passeio continua, agora em direção na praia fluvial das Azenhas d’El Rei, onde há pouco menos de um ano abriram o restaurante Raya, a cargo do chefe Diogo Pereira. Fica situado num bonito edifício de madeira, com vista para a a água e a poucos metros do areal, ao qual presta apoio. Logo à chegada, num quadro de ardózia, o conceito do estabelecimento é explicado de forma bastante simples e direta: "Da quinta para a praia. Microsazonal, biológico e local". Ou seja, quase tudo o que aqui é servido vem da quinta. "Trabalhamos só com os ingredientes sazonais que a natureza nos oferece e, como tal, o nosso menu muda diariamente. O que é colhido na quinta pela manhã, é aqui servido à hora de almoço. E todas as refeições são cozinhadas no momento, para que além de saborosas, sejam saudáveis e amigas do ambiente", explica Anna. Depois de um gin com funcho e limão ou da opção não alcoólica de limonada de perpétua roxa, comoçam a desfilar pela mesa alguns dos pratos da nova carta de primavera do Raya: Tacos de peixe do rio, pakoda com agridoce de cenoura e de couve roxa, ceviche de peixe do rio ou tártaro de mertolenga com flor de rúcula e pickles caseiros. E para quem está na praia há, também, opções saudáveis de fast-food, como o hambúrguer Terramay, de carne mertolenga, ou os chips de couve. E apesar de por lá não entrarem refrigerantes, não faltam opções de bebidas, entre chás, sumos naturais, cocktails, sodas portuguesas e, claro, uma extensa carta de vinhos biológicos.
Um conceito a que chamaram Soil to Soul, um movimento nascido na Suíça, pelas mãos do também cofundador da Terramay Thomas Sterchi, tendo como âncora um evento culinário, este ano pela primeira vez replicado também em Lisboa. Será no dia 5 de maio, no espaço Manja, em Marvila, onde, das 11h às 15h, contará com diversos oradores, e com a mestria de vários chefes de cozinha, que vão preparar um almoço volante com os produtos da Terramay. Promovido pelas equipas "Soil to Soul" de Zurique e de Lisboa, o evento tem como objetivo promover a importância da regeneração dos solos para uma alimentação saudável, como base para um futuro sustentável. "O objetivo é traduzir a ecologia no prato, porque sabemos o importante que é garantir a saúde de todos para as gerações vindouras", refere David.
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