Na Ajuda, há um hotel boutique cujo restaurante é um deleite. Eis a Tasca da Memória
O chef italiano com estrela Michelin Vittorio Colleoni estreia-se em Portugal e recebe-nos no restaurante do hotel Wine & Books Lisboa, do qual assumiu não só a nova carta como a reinvenção da típica tasca portuguesa.
Na freguesia da Ajuda, em plena capital, encontramos o boutique hotel Wine & Books Lisboa. Inusitado para aquela zona, encaixa-se curiosamente bem no bairro envolvente e seduz-nos desde logo. Inaugurado em 2021, recebe-nos pelo bonito átrio, com janelas rasgadas, tetos altos, candeeiro estilizado e claro, livros – todos provenientes da livraria Sá da Costa, como nos contam mais à frente. O caminho até ao restaurante Tasca da Memória, razão pela qual nos encontramos ali, é direto e curto. Lá dentro, tudo muito aconchegante, com sofás, detalhes em madeira, estantes e mais livros. Distintas zonas sobressaem: ora perto da cozinha aberta, ora em recantos mais privados e mesmo na zona exterior com vista para a imponente Igreja da Memória, que afinal lhe dá nome.
Viemos pela recente carta de primavera-verão, pensada e concretizada pelo novo chef do restaurante, Vittorio Colleoni. Com 38 anos e há seis meses a viver em Portugal, estreia-se na cozinha lusa com um currículo forte muito pautado pela estrela Michelin do San Martino, o restaurante da sua família na região da Lombardia mas também uma completa bagagem com passagens noutras cozinhas estreladas, do País Basco à Catalunha e mesmo Chicago e Nova Iorque. Agora começa uma nova fase como chef executivo dos restaurantes do Grupo de luxo PBH, no qual o Wine and Books Lisboa se insere.
Mostra-se bem-disposto e muito envolvido com a equipa que agora trabalha consigo, como se ali estivesse desde sempre. Mais do que uma nova carta, quis uma renovação da proposta gastronómica pré-existente, com uma reinvenção total do conceito de tasca até porque embora inserido num hotel de cinco estrelas, encontra-se aberto aos transeuntes. "Dediquei-me intensamente ao estudo da gastronomia tradicional portuguesa, investiguei os rituais típicos presentes nas tascas e criei a minha própria interpretação", havíamos lido previamente em comunicado. Em presença percebemos o que quer dizer: pretende-se um fine dining com um compromisso flexível entre o tradicional português e a sua bella Itália.
Nas entradas do novo menu há, pois, camarão à bulhão pato para partilhar, e legumes crocantes com maionese wasabi e molho ponzo para quem não dispensa uma boa tempura, uma invenção afinal muito portuguesa. Ceviche de garoupa e caldo verde, também os encontra. Depois, já nos principais, um favorito que levamos para casa com toda a certeza, o polvo apresentado em caneca sob espuma de batata fumada, croutons crocantes e tomate cherry confitado, um deleite a diferentes texturas e criatividade. Mais tradicional, apresenta-se o bacalhau confitado com legumes cozidos, com ingredientes de época como o aipo, a hortaliça e a beterraba, esta última em pequenas porções recortadas, mas a fazer toda a diferença naquela proposta. O respeito pela matéria-prima é algo que se evoca durante o almoço naquela quinta-feira, mas que vem sobretudo de uma filosofia maior "durante a confeção, valorizo a integridade dos alimentos e procuro extrair o máximo de sabor e expressão".
Mais à frente chega-nos um cremoso "Risotto a la Mister Carlos", onde a macia bochecha de porto preto casa inusitadamente com o cremoso risotto de camarão, quiçá o prato mais aconchegante da tarde, que já se avizinha longa. Magret de pato, lombo de novilho, ambos apreciados pelo típico cliente português, dizem-nos, ou mesmo peito de peru recheado com tâmaras e amêndoas torradas com puré de cherovia e bimis, que também se encontram na secção das carnes. Ficamos com a nítida sensação de que em cada prato, mesmo nos que não provámos, há um twist associado, uma surpresa ou brincadeira do chef.
Já no final, um Portamisú diz-nos isso mesmo, juntando o humor de Colleoni e os dois mundos gastronómicos que quer emparelhar, aqui numa variação do tiramisù com a singela bolacha Maria. A tarte de três maças com gelado e crumble de avelã e a textura de ananás com gelado de nata mostram-nos que fruta como sobremesa não tem de ter um cunho aborrecido ou sensaborão e deixam-nos o palato fresquíssimo.
Para quem decidir ficar, o aconchego continua. O bonito hotel boutique da Ajuda dispõe de 24 quartos requintados e dá-se a conhecer com poemas de Eugénio de Andrade no chão, referências a Pessoa, bonitas vistas e "talha" dourada nas paredes, muito à Lisboa barroca, a mostrar-nos constantemente porque amamos tanto a nossa capital. Para o mês que vem, um segundo Wine & Books Hotel e inaugura no Porto, a honrar os segredos de mais uma cidade-tesouro. Aguardamos.Memórias do Brasil. Ocean apresenta menu inspirado em sabores tropicais
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