4 vinhos e as suas histórias: vinho da talha, um rosé, um natural do Douro e uma experiência improvável
Maio, ou na versão endeusada dos romanos, Maya, é geralmente um mês de muito trabalho na vinha. Aqui segue-se a rota do românico no Alentejo, ouve-se um grito de liberdade no Douro e percebe-se a cor rosada de dois durienses.
Tinto revisitado: Vinho da Talha Moreto 2021
Apesar do vinho de talha remontar aos romanos, ainda hoje no Alentejo se utiliza o mesmo método. A enóloga Joana Roque do Vale explica que este tinto alentejano da Redondo Winery "surgiu da vontade de reativar as talhas existentes na adega em exposição há mais de duas décadas, e onde há 30 anos foi vinificado um dos primeiros vinhos deste tipo na região, engarrafado e comercializado como o ‘Tinto da Talha’".
Desde 1995 que Joana é responsável pela enologia da adega, na altura Roquevale, agora Ségur Estates – Redondo Winery. Orgulha-se de ter feito este vinho em 2021 utilizando as mesmas talhas e o método ancestral. O monocasta Moreto foi vinificado numa talha de barro de 1000 litros e a maior dificuldade foi, segundo a responsável, "conseguir pessoal para apanhar a uva do talhão selecionado, uma vez que toda a restante uva daquela vinha tinha já sido vindimada mecanicamente". O esforço foi da adega que "em jeito de adiafa", acrescenta, vindimou 980 kg de uva.
Joana Roque do Vale explica que a uva fermentou na talha "onde permaneceu durante cerca de 50 dias, com as massas e engaço, período durante o qual ocorreu a fermentação malolática". Por razões legais, o vinho de talha tem de permanecer desta forma pelo menos até ao dia 15 de novembro do ano de colheita. Assim, o tinto foi retirado da talha a 19 de novembro e colocado em quatro barricas usadas de 225 litros. Joana salienta que estagiou durante 11 meses antes de se engarrafarem 900 litros a 20 de outubro de 2022. A escolha da casta Moreto deveu-se à sua pouca representatividade, por ser de maturação tardia, e ter baixo teor de açúcar, o que resulta em vinhos menos alcoólicos. A enóloga aponta temperaturas entre os 16 e 18 graus para o consumir e a harmonização com "qualquer prato de carne grelhada". Joana Roque do Vale justifica os 80 euros recomendados por ser um vinho único, de uma única talha e ainda "dos poucos Moreto existentes e um vinho icónico". A enóloga, responsável da casa há quase 30 anos, garante que dá "um enorme prazer ser bebido já", mas pode esperar dois a cinco anos.
Porta para o Douro: Azul de Ventozelo Rosé 2022
O enólogo responsável pelos vinhos da Quinta de Ventozelo, José Manuel Sousa Soares, explica que o azul é a cor das portadas dos armazéns da propriedade construídos em 1840. Segundo o responsável, o nome surgiu "associado à tranquilidade, o azul que se destaca na paisagem, sendo um dos elementos inspiradores da criação deste vinho, que reflete a qualidade do ecossistema, das uvas e o respeito das pessoas que as produziram e pelo meio ambiente". José Manuel salienta que a gama Azul de Ventozelo "é a porta de entrada para os vinhos da quinta". Porém, acrescenta que "são vinhos feitos das castas mais nobres da região, introduzindo de forma leve e genuína, o espírito da gama de vinhos de Ventozelo".
Relativamente à vinificação, o enólogo refere que é feito depois de uma vindima manual, "com uma escolha criteriosa das uvas, prensagem direta inerte, fermentação a 15 graus, sem malolática". O responsável garante que as castas, Tinta Roriz e Tinta Amarela, foram variedades que em 2022 "se comportaram de uma forma ideal para que os mostos tivessem as características desejadas para este vinho, completando-se".
Ainda para José Manuel Sousa Soares, a temperatura ideal para o servir é de 12 graus e, quanto à maridagem, "excelente como aperitivo ou para acompanhar pratos leves de peixe ou carne branca e saladas ou, por exemplo, peixe assado na brasa". O preço de 6,99 euros foi definido dentro da gama do Azul e a indicação é para o beber brevemente, ou seja, nos próximos dois anos.
O enólogo salienta que o rosé é "um vinho fresco e equilibrado, devido à sua boa acidez, muito elegante e com boa boca, marcado pelo Douro, mas também pelo trabalho do viticultor que, aproveitando as características edafoclimáticas da Quinta de Ventozelo, seleciona as melhores uvas para dar origem a um vinho com caráter e harmonioso". O mercado, refere, "ainda está muito identificado com os consumidores mais jovens e mulheres" e José Manuel Sousa Soares conclui que o Azul rosé não é exceção. Todavia, "o seu carácter distinto tem por objetivo alcançar os consumidores de vinho habituais, que procuram sobretudo um consumo descontraído e mais frequente".
Grito de liberdade: Pragmático Moscatel Galego Branco 2019
O enólogo Luís Soares Duarte, aka LSD, garante que a história por trás deste vinho tem a ver com "a vontade de querer mudar de vida, simplificando e relativizando tudo". Em 2019 LSD completou 50 anos e esse foi o ponto de partida para produzir e criar o primeiro vinho natural. A definição de natural é explicada pela opção de "não adicionar absolutamente nada a não ser muito amor e uvas e, também, porque foi criado do modo mais artesanal possível". A maior dificuldade, refere LSD, "foi conseguir pessoal para cortar as uvas na altura certa, para a frescura e potencial ácido ser o elemento de vida e sobrevivência para este nosso vinho natural".
Quanto ao processo de produção, Luís Soares Duarte conta que as uvas são esmagadas para uma pequena prensa onde se obtém "um mosto super cristalino", enquanto espera que "as leveduras acordem para se alimentarem dos açucares e se vão multiplicando", num processo que demorou quase 11 meses. O Pragmático fez a fermentação malolática e, em agosto de 2020, depois da homogeneização da cuba, levantando todas as borras finas que tinha, o vinho foi engarrafado. Luís acrescenta que por estar turvo/opalino, o vinho não pode ser certificado como DOC Douro. Relativamente à casta, Moscatel Galego Branco, LSD considera a variedade "com mais acidez e a mais vibrante, também porque, quando vindimada entre os 10,5 e os 12 graus, traz uma componente vegetal".
O enólogo sugere que seja bebido, sozinho ou acompanhado, por exemplo, com "favas piladas escaldadas com ovos mexidos, ou uns espargos grelhados, flor de sal e lima". As recomendações passam pelo preço, entre os 13 e os 17 euros, e pelo consumo nos próximos dois anos. Luís garante que a casta tem a particularidade de ter "uma excelente capacidade de envelhecimento em garrafa", e destaca o branco como "diferente e único", uma vez que não conhece nenhum Moscatel Galego Branco sem sulfitos adicionados. Conclui que a mensagem do Pragmático é para si mesmo, "um pequeno grito de liberdade, poder fazer tudo o que se quer e sentir que existem cada vez mais pessoas que partilham destas preocupações e maluqueiras".
Blanc de noir orangée: Fusion 2021
A definição do próprio enólogo, Paulo Coutinho, relativamente a este Fusion é "blanc de noir orangée", ou seja, um branco de uvas tintas alaranjado (natural). O vinho, com cor de rosé, foi feito da mistura entre uvas brancas e tintas de duas vinhas em locais diferentes. Paulo explica que o vinho "nasce naturalmente da filosofia do dia a dia: reduzir, reutilizar e reciclar". Conta que durante a vindima de 2020, após a fermentação em curtimenta de uva branca, não quis desperdiçar as massas vínicas. Como estava a receber uva tinta, ocorreu-lhe usar o mosto de sangria, "o chamado vinho escorrido ou mosto de gota, para continuar a fermentação dessas massas de uva branca, e assim fazer um rosado de curtimenta dando uma outra vida às massas vínicas".
Como o nome indica, a fusão implicou juntar uvas das duas propriedades de Paulo Coutinho, Vinha do Borrajo, em São Martinho de Anta, com três castas: Viosinho, Gouveio e Encruzado. E a Vinha da Fonte, em Celeirós do Douro, com 14 variedades. No que diz respeito à temperatura ideal para degustar o Fusion, o enólogo indica os 12 graus e a harmonização "com algo leve, com um peixe ou um prato de carne". Com um preço de 36 euros, este vinho rosado tem capacidade de envelhecer, mas Paulo Coutinho deixa a pergunta: "Pelo prazer que nos dá enquanto jovem, desperdiçar para quê?"
O responsável compara o Fusion com os blanc de noir, "menos fresco, mas uma paleta de aromas mais extensa", e com os vinhos laranja, "mais focado no fruto, ao contrário dos laranja que têm muita influência da parte vegetal e tânica". O que o leva a definir este vinho como um "blanc de noir orangée".
Paulo Coutinho recorda que ambas as vinhas foram plantadas por si. A Vinha da Fonte em 1992, o primeiro projeto ainda no decorrer da licenciatura, que a partir de 2012 passou a incluir a filosofia de agricultura biológica. O enólogo destaca que atualmente desenvolve "uma viticultura regenerativa e práticas alternativas como a preparação de macerados e fermentados vegetais no tratamento da vinha e do solo". Plantou a Vinha do Borrajo em 2016, que nasceu da "necessidade de complementar a produção de tinto".
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