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Van Zellers & Co: o primeiro vinho do Porto envelhecido numa adega submarina

Francisca Van Zeller mergulhou para ir buscar as primeiras garrafas de um Porto que estagiou no mar. Trata-se de uma das grandes tendências mundiais do vinho, e o preço deste Vintage diz muito sobre o interesse que está a gerar.

Foto: DR
27 de novembro de 2023 | Bruno Lobo

O Van Zellers & Co Vintage Port 2020 Ocean Aged é o primeiro vinho do Porto a estagiar numa adega submarina: 102 garrafas passaram um ano nas águas de Sines, a dez metros de profundidade, até serem retiradas no passado dia 16 de novembro, Dia Nacional do Mar. Cada uma custa mil euros e já estão todas vendidas.

O envelhecimento subaquático é um fenómeno ainda recente no mundo do vinho, mas é cada vez mais procurado por produtores porque o mar parece exercer um efeito muito particular, "amaciando os taninos e abrindo os aromas de uma forma muito mais rápida e complexa", explica Francisca Van Zeller, representante da 15º geração da família há mais tempo ligada ao vinho em Portugal, e a mentora desta ideia. "As provas mostram como estes vinhos marítimos acabam por estar mais evoluídos do que o mesmo vinho que nunca saiu da adega."

Van Zellers & Co Vintage Port 2020 Ocean Aged é o primeiro vinho do Porto a estagiar numa adega submarina
Van Zellers & Co Vintage Port 2020 Ocean Aged é o primeiro vinho do Porto a estagiar numa adega submarina Foto: DR

O porquê de Sines, e não mais a norte, em Gaia por exemplo, também é fácil de explicar: é em Sines que Joaquim Parrinha, "biólogo marinho, instrutor de mergulho, apaixonado por vinhos e a pessoa mais calma do mundo", como o descreve Francisca, criou a Adega do Mar, onde oferece todas as condições para os vinhos estagiaram. "Ali tínhamos a certeza de que as garrafas iriam estar vigiadas e que não iriam desaparecer." Além disso, "a água a sul de Lisboa, tem a temperatura mais estável ao longo do ano e é muito fresca, a rondar os 15 graus. Ideal para o estágio".  O Instituto do Vinho do Porto também esteve sempre presente, para selar o vinho e garantir que não era adulterado. "Há todo um processo burocrático e a Adega do Mar tem essa infraestrutura montada", conclui.

Um mergulho no mar

Foi há perto de um ano, numa "fria manhã de dezembro", que as 102 garrafas foram para o fundo do mar. "O número tem a ver com a capacidade dos cestos", explica Francisca, acrescentando que se tratava do Vintage de 2020, "um ano muito especial para nós, porque celebramos 400 anos de história ligada ao vinho" [os primeiros Van Zeller chegaram a Portugal em 1620, vindos dos Países Baixos, estabelecendo-se como mercadores de vinho no Porto].

Embora nunca tivesse feito mergulho, Francisca estava lá para supervisionar a imersão. "Meti-me dentro de água literalmente durante 15 minutos, só para testar o ambiente e perceber como tudo funcionava. Depois mergulhei com o cesto para o fundo. Foi mais fácil porque o próprio cesto puxava-me para baixo." Um batismo muito especial, que a fez recordar os verões de criança, quando tentava imitar o pai, Cristiano Van Zeller – um dos nomes maiores do vinho no Douro –, que fazia caça submarina em apneia.

Francisca Van Zeller
Francisca Van Zeller Foto: DR

Este ano, em maio, Francisca voltou ao local do crime, para verificar as garrafas e retirar algumas amostras, que serviram para confirmar o efeito positivo do mar: "era muito evidente. Os taninos estavam muito mais abertos e macios". Um vinho do Porto Vintage é engarrafado numa fase muito precoce da sua evolução, "precisamente para ter muita vida em garrafa", e o que este mergulho fez foi uma evolução em fast forward. "O interessante, para mim, será guardar umas garrafas e abri-las daqui por 50 anos" para perceber a evolução. O caminho normal que o vinho ia fazer foi alterado, por isso será uma incógnita."

A experiência dos vinhos de Mar

Um dos pioneiros do envelhecimento subaquático foi o espanhol Raúl Pérez, que começou a mergulhar garrafas do seu Albariño das Rías Baixas no oceano, ainda em 2003. Francisca recorda-se bem do produtor que era amigo dos pais e visita habitual de casa, "na altura ainda no Vale Dona Maria". Mas recorda-se sobretudo dos vinhos, que "nunca me saíram da cabeça, apesar de eu ser ainda muito nova". Pouco depois, em 2007, outro produtor, Pierro Lugano, italiano da Ligúria, repete a experiência. No seu caso, por falta de espaço na adega para envelhecer os espumantes. Decide, assim, colocá-los no mar. Mas a moda só pegou em 2010, quando foi encontrado um barco naufragado no Mar Báltico com perto de 150 garrafas de champanhe ainda intactas a bordo, datadas de 1839 a 1841. Uma análise posterior concluiu que dezenas dessas garrafas não só estavam aptas para consumo como, surpreendentemente, particularmente jovens. Algumas Veuve Cliquot desse lote viriam a atingir preços astronómicos em leilão e, desde então, surgiram vários produtores do Velho e do Novo Mundo a repetir a experiência. A Mira Winery, de Napa Valley, chamou-lhes mesmo de "aquaoir", num trocadilho com "terroir" e garante que um vinho assim envelhecido por três meses tem o mesmo efeito de dois anos cá fora. A própria Veuve Cliquot criou uma Cellar in the Sea onde pretende estagiar champanhes, alguns até aos 50 anos. 

Foto: DR

Uma concha ambiental

"É impossível assistir a todas as notícias sobre a poluição marítima e ficar indiferente. Por isso quisemos trazer o problema literalmente para cima da mesa".  Assim, mal tiveram o OK do IVDP, Francisca ligou à Zouri para ajudar a criar uma embalagem que transmitisse essa mensagem. A Zouri organiza ações de limpeza nas praias e produz todas as solas das suas sapatilhas com os plásticos apanhados nessas limpezas. "Estivemos quase um ano a estudar a caixa, em forma de concha, e inicialmente parecia que não iríamos conseguir produzi-la apenas com os plásticos, e que teríamos de usar algum tipo de borracha para ligar. Afinal conseguimos mesmo fazer uma caixa 100% reciclada a partir de plásticos apanhados nas praias do norte." A reação foi muito positiva: "O formato sai completamente fora da caixa, e surpreendeu muita gente, por isso foi mais uma boa surpresa. Significa que a mensagem passou."

A caixa 100% reciclada, em formato de conha, feita em parceria com a Zouri
A caixa 100% reciclada, em formato de conha, feita em parceria com a Zouri Foto: DR

Um vinho generoso

"Um ano na adega subaquática tem evidentemente custos acrescidos", e este processo "é muito mais exigente em tudo", mas mesmo assim Francisca tem perfeita consciência de que "mil euros a garrafa é um custo elevado", razão pela qual se sente especialmente orgulhosa por todos os vinhos estarem vendidos, "e pagos. Isto é muito importante. Não estamos a falar de reservas". Foi o que permitiu à Van Zellers & Co pagar o curso Planeta Oceano, dado pelo Oceanário de Lisboa, a todos os alunos das escolas de São João da Pesqueira. "O meu pai fez questão de envolver todas as crianças da região neste projeto".

Saiba mais Vinhos, Francisca Van Zeller, Adega Submarina, Sines, Van Zeller
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