Van Zellers & Co: o primeiro vinho do Porto envelhecido numa adega submarina
Francisca Van Zeller mergulhou para ir buscar as primeiras garrafas de um Porto que estagiou no mar. Trata-se de uma das grandes tendências mundiais do vinho, e o preço deste Vintage diz muito sobre o interesse que está a gerar.
O Van Zellers & Co Vintage Port 2020 Ocean Aged é o primeiro vinho do Porto a estagiar numa adega submarina: 102 garrafas passaram um ano nas águas de Sines, a dez metros de profundidade, até serem retiradas no passado dia 16 de novembro, Dia Nacional do Mar. Cada uma custa mil euros e já estão todas vendidas.
O envelhecimento subaquático é um fenómeno ainda recente no mundo do vinho, mas é cada vez mais procurado por produtores porque o mar parece exercer um efeito muito particular, "amaciando os taninos e abrindo os aromas de uma forma muito mais rápida e complexa", explica Francisca Van Zeller, representante da 15º geração da família há mais tempo ligada ao vinho em Portugal, e a mentora desta ideia. "As provas mostram como estes vinhos marítimos acabam por estar mais evoluídos do que o mesmo vinho que nunca saiu da adega."
O porquê de Sines, e não mais a norte, em Gaia por exemplo, também é fácil de explicar: é em Sines que Joaquim Parrinha, "biólogo marinho, instrutor de mergulho, apaixonado por vinhos e a pessoa mais calma do mundo", como o descreve Francisca, criou a Adega do Mar, onde oferece todas as condições para os vinhos estagiaram. "Ali tínhamos a certeza de que as garrafas iriam estar vigiadas e que não iriam desaparecer." Além disso, "a água a sul de Lisboa, tem a temperatura mais estável ao longo do ano e é muito fresca, a rondar os 15 graus. Ideal para o estágio". O Instituto do Vinho do Porto também esteve sempre presente, para selar o vinho e garantir que não era adulterado. "Há todo um processo burocrático e a Adega do Mar tem essa infraestrutura montada", conclui.
Um mergulho no mar
Foi há perto de um ano, numa "fria manhã de dezembro", que as 102 garrafas foram para o fundo do mar. "O número tem a ver com a capacidade dos cestos", explica Francisca, acrescentando que se tratava do Vintage de 2020, "um ano muito especial para nós, porque celebramos 400 anos de história ligada ao vinho" [os primeiros Van Zeller chegaram a Portugal em 1620, vindos dos Países Baixos, estabelecendo-se como mercadores de vinho no Porto].
Embora nunca tivesse feito mergulho, Francisca estava lá para supervisionar a imersão. "Meti-me dentro de água literalmente durante 15 minutos, só para testar o ambiente e perceber como tudo funcionava. Depois mergulhei com o cesto para o fundo. Foi mais fácil porque o próprio cesto puxava-me para baixo." Um batismo muito especial, que a fez recordar os verões de criança, quando tentava imitar o pai, Cristiano Van Zeller – um dos nomes maiores do vinho no Douro –, que fazia caça submarina em apneia.
Este ano, em maio, Francisca voltou ao local do crime, para verificar as garrafas e retirar algumas amostras, que serviram para confirmar o efeito positivo do mar: "era muito evidente. Os taninos estavam muito mais abertos e macios". Um vinho do Porto Vintage é engarrafado numa fase muito precoce da sua evolução, "precisamente para ter muita vida em garrafa", e o que este mergulho fez foi uma evolução em fast forward. "O interessante, para mim, será guardar umas garrafas e abri-las daqui por 50 anos" para perceber a evolução. O caminho normal que o vinho ia fazer foi alterado, por isso será uma incógnita."
A experiência dos vinhos de Mar
Um dos pioneiros do envelhecimento subaquático foi o espanhol Raúl Pérez, que começou a mergulhar garrafas do seu Albariño das Rías Baixas no oceano, ainda em 2003. Francisca recorda-se bem do produtor que era amigo dos pais e visita habitual de casa, "na altura ainda no Vale Dona Maria". Mas recorda-se sobretudo dos vinhos, que "nunca me saíram da cabeça, apesar de eu ser ainda muito nova". Pouco depois, em 2007, outro produtor, Pierro Lugano, italiano da Ligúria, repete a experiência. No seu caso, por falta de espaço na adega para envelhecer os espumantes. Decide, assim, colocá-los no mar. Mas a moda só pegou em 2010, quando foi encontrado um barco naufragado no Mar Báltico com perto de 150 garrafas de champanhe ainda intactas a bordo, datadas de 1839 a 1841. Uma análise posterior concluiu que dezenas dessas garrafas não só estavam aptas para consumo como, surpreendentemente, particularmente jovens. Algumas Veuve Cliquot desse lote viriam a atingir preços astronómicos em leilão e, desde então, surgiram vários produtores do Velho e do Novo Mundo a repetir a experiência. A Mira Winery, de Napa Valley, chamou-lhes mesmo de "aquaoir", num trocadilho com "terroir" e garante que um vinho assim envelhecido por três meses tem o mesmo efeito de dois anos cá fora. A própria Veuve Cliquot criou uma Cellar in the Sea onde pretende estagiar champanhes, alguns até aos 50 anos.
Uma concha ambiental
"É impossível assistir a todas as notícias sobre a poluição marítima e ficar indiferente. Por isso quisemos trazer o problema literalmente para cima da mesa". Assim, mal tiveram o OK do IVDP, Francisca ligou à Zouri para ajudar a criar uma embalagem que transmitisse essa mensagem. A Zouri organiza ações de limpeza nas praias e produz todas as solas das suas sapatilhas com os plásticos apanhados nessas limpezas. "Estivemos quase um ano a estudar a caixa, em forma de concha, e inicialmente parecia que não iríamos conseguir produzi-la apenas com os plásticos, e que teríamos de usar algum tipo de borracha para ligar. Afinal conseguimos mesmo fazer uma caixa 100% reciclada a partir de plásticos apanhados nas praias do norte." A reação foi muito positiva: "O formato sai completamente fora da caixa, e surpreendeu muita gente, por isso foi mais uma boa surpresa. Significa que a mensagem passou."
Um vinho generoso
"Um ano na adega subaquática tem evidentemente custos acrescidos", e este processo "é muito mais exigente em tudo", mas mesmo assim Francisca tem perfeita consciência de que "mil euros a garrafa é um custo elevado", razão pela qual se sente especialmente orgulhosa por todos os vinhos estarem vendidos, "e pagos. Isto é muito importante. Não estamos a falar de reservas". Foi o que permitiu à Van Zellers & Co pagar o curso Planeta Oceano, dado pelo Oceanário de Lisboa, a todos os alunos das escolas de São João da Pesqueira. "O meu pai fez questão de envolver todas as crianças da região neste projeto".
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