António Pinto, de empresário a produtor de vinhos: “Prefiro pagar o preço pela minha independência”
O empresário transmontano que fez carreira no Porto lançou-se como produtor de vinhos verdes há 18 anos. Devagar, sem se render às grandes superfícies, conquistou um lugar no mundo dos vinhos portugueses.
A Quinta de Santa Cristina em Celorico de Basto foi a única casa portuguesa a ganhar recentemente no Reino Unido uma medalha de prata no concurso mais prestigiado do mundo – Champagne and Sparkling Wine World Championships – com um espumante 100% Arinto. De Mogadouro a Inglaterra foram anos de um caminho escolhido por António José Gonçalves Pinto.
Mogadouro foi como tudo começou?
Mogadouro é a minha raiz. Nasci em 1943, no pós-guerra, por isso sou um indivíduo conflituoso [risos]. [Naquela altura], quem era pai após a guerra tinha objetivos para os seus filhos e os meus pais não eram exceção. Queria-se ter um ou dois filhos, porque ao contrário do que muita gente pensa, não havia economia que resistisse a famílias numerosas a não ser as pessoas mais ricas. Ainda assim somos quatro irmãos. Havia em Trás-os-Montes, em Mogadouro, muitas famílias, advogados, médicos, com fortunas, mas eram uma pequena parte da população.
O que fazia o seu pai?
O meu pai era um pouco avançado para a época. Fazia um misto agricultura e negócio: além dos campos, comprava castanha, batata, azeitona, bagaço de azeitona e, enfim, fazia os seus negócios.
Moravam fora de Mogadouro…
Morávamos em Vila de Ala, uma aldeiazinha no planalto transmontano onde a estação de Mogadouro estava instalada, em terrenos que eram dos meus avós.
E esteve quase a ser padre…
Na minha família havia o desejo de haver um filho que fosse estudar e por isso trabalharam para que eu fosse para um colégio de padres. Estava destinado a ser padre, mas simplesmente houve alguma coisa que não correu bem.
O que não correu bem?
Estive dois anos no colégio em Bragança e não fui um exemplo. Se calhar a rebeldia, possivelmente não era aquilo que eu queria. O meu pai tolerou e conseguiu que eu fizesse mais dois anos de estudos já fora do colégio.
Essa disponibilidade do seu pai não durou sempre…
Na Páscoa vieram as notas do quarto ano, que até chegaram primeiro do que eu. À noite o meu pai chamou o empregado e disse-lhe que no dia seguinte haveria 20 carros de estrume para espalhar na horta do Cabanal. E concluiu: O António às seis da manhã vai contigo. Fiquei com as mãos rebentadas, mas fiz o que ele mandou e prometi não falhar mais.
Chegou a estar no negócio do seu pai?
Fui perceber o negócio e fiz um contrato com ele. Passei a ser intermediário. Ia comprar as batatas e a diferença entre o que eu pagasse e o que desse a balança era para mim. Devo dizer que era o homem mais rico de Mogadouro… no bom sentido.
A tropa interrompeu-lhe a vida?
Com 19 anos fui para a tropa e para o Ultramar. Estive em Angola, Carmona, mas não tive problemas. Passei lá alguns anos e, quando voltei a Portugal, pensei que regressaria a Angola. Se quisesse trabalhar e ganhar dinheiro havia possibilidades tremendas. Mas quando a ter de tomar essa decisão, um dos meus irmãos foi para a Guiné e a minha mãe pediu-me que não fosse. Acedi e fui para o Porto.
O que fez quando foi para a cidade?
Com 24 anos fui para a Pensão Bragança na Travessa dos Clérigos que era de um professor bragantino. Ao fim de oito dias tinha emprego como vendedor e, passados dois anos, já tinha comprado um Volkswagen. Primeiro um 1300 e depois o 1500. Quando cheguei à terra o meu pai perguntou-me como é que eu tinha um segundo carro quando, um ano antes, eu tinha comprado o Volkswagen com o aval dele. Disse-lhe para não se preocupar que eu já tinha pagado a diferença.
Começou como vendedor de brinquedos.
Iniciei a minha atividade como vendedor de bonecos. No final de oito ou nove meses, cansado de andar nos bazares, porque só se vendiam naqueles estabelecimentos, resolvi que aquilo não era a minha vida. Fui vender eletrodomésticos e acabei por abrir a minha própria empresa em 1979, a AJ Pinto.
As vendas eram bem diferentes na altura?
Quando comecei quase não havia frigoríficos nem fogões. Os que existiam eram fabricados em Portugal. Havia os Meireles e os fogões Leão, que era a marca mais famosa. Fui trabalhar com uma empresa de Lisboa que importava os fogões Balay da família Bayona de Saragoça que conheci.
E foi mais longe no negócio?
Convenci-os a importar fornos e placas, uma vez que nessa altura só a Miele tinha esse equipamento. Era uma novidade e percebi que era uma possibilidade interessante. Antes, o negócio estava baseado nos carteiros e nos funcionários que contavam a luz na cidade do Porto e na província.
Como assim?
Algumas das maiores casas do Porto e de Lisboa eram de antigos carteiros. Havia uma lógica. O dono da casa queixava-se e era o carteiro ou o funcionário da eletricidade que iam arranjar o que fosse preciso.
Teve sucesso com várias marcas?
Fui dos primeiros a afrontar a Miele. Encontrei uma marca, a Teca, que fui descobrir numa feira. Consegui ser distribuidor da Teca em Portugal antes de existir no país. Dos cerca de 90 milhões de euros que fatura por ano, em Portugal rondam os 30 milhões, dos quais dez são da AJ Pinto. Digamos um terço da faturação da Teca a nível nacional. Depois entrei com a marca De Dietrich, que foi o grande folgo da AJ Pinto.
Um crescimento que chegou onde?
Hoje somos das únicas empresas com capitais nacionais na distribuição de eletrodomésticos, com uma cota nos encastráveis na ordem dos 20 a 30 por cento.
Recuperou a Quinta de Santa Cristina onde a sua mulher Rosa Maria tinha as raízes. Quando fundou a empresa já era casado e com uma filha. Foi difícil?
Eu ganhava muito dinheiro quando era vendedor. Tinha um Mercedes 220 e tinha acabado de comprar uma casa em São Mamede de Infesta. Tive de ter em conta tudo isso para avançar.
E na quinta?
Na Quinta de Santa Cristina recuperámos um património. Mas curiosamente sou eu que mais gostaria de viver lá, apesar de ser o berço da família da minha mulher. Mas é a nossa casa, dos nossos amigos, de quem nós convidamos. Está montada com todas as condições, com piscina, jardins, etc.
Fez tudo desde o início? O que plantou?
Por ordem, foi o vinho e depois a adega e a transformação. Hoje temos Alvarinho, Avesso, Loureiro, Trajadura, Arinto, Batoca, Padeiro Basto, Fernão Pires, Espadeiro, Vinhão, Sauvignon Blanc e Chardonnay.
Também entraram no enoturismo?
Fomos das primeiras empresas a estar no enoturismo. Neste momento estamos a investir entre 300 e 400 mil euros num espaço com salas de provas profissionais ou para banquetes se for necessário. Pode servir para várias finalidades.
O enoturismo é importante?
Temos mais de 400 pessoas aprazadas para usufruir do espaço. O passo seguinte será dentro de dois anos e passa por três casas que temos nas quintas de Santa Cristina e Salgueiros, para sete ou oito suítes. Não queremos fazer um hotel, mas queremos ser um ponto de referência em Celorico de Basto. A nossa prioridade é fazer grandes vinhos e servir bem o turista.
Nunca pensou abrandar?
Nunca. Ainda faço todos dias uma hora de ginásio às seis horas da manhã. Chego à empresa por volta das 10h30. Tenho de ter corpo e mente bem preparados. À quinta vou dois dias por semana e, claro, acompanho as vindimas na sua totalidade.
E mercados internacionais?
O senhor Artur De Dietrich disse-me uma vez que uma marca, enquanto não for conhecida no seu país, não pode ser conhecida fora dele. Isto é, a Quinta Santa Cristina tomou como decisão definir bem o seu mercado nacional e que mercado queríamos.
E qual era?
Entre outros, estar na restauração, no canal Horeca e para isso é necessário ter muita qualidade.
Grandes superfícies, não?
Conhecendo-me, percebi desde cedo que nunca podia estar nas grandes superfícies. O caminho é mais difícil e mais lento, mas mais afirmativo. Prefiro pagar o preço pela minha independência. Pago para ser dono de mim próprio. Não é negócio quando alguém nos impõe a sua vontade e o seu poder. Essa foi a escolha que fiz.
Mas já estão no estrangeiro…
Era óbvio que tínhamos de ir para o mercado externo. Podíamos estar mais avançados, mas não nos correu bem porque no momento que estávamos a ganhar cota veio a pandemia. Mas temos hoje 40% do nosso engarrafamento na exportação.
Que países?
Não temos o mercado da saudade. Na Alemanha e Brasil é para o mercado alemão e brasileiro, e estávamos bem encaminhados nos Estados Unidos, mas na altura da pandemia a empresa fechou. Depois temos a Suíça, o Luxemburgo, a Bélgica e a Holanda, este último, de todos, o país mais fraco. E agora a possibilidade da Dinamarca e ainda o Reino Unido que está a trabalhar muito bem com vinhos caros. Outra possibilidade é o Chile.
Porquê o Chile?
Pode ser interessante. Não só o Chile. Se eu enviar uma garrafa para o Brasil pago 45% do valor da garrafa. Se for do Chile para o Brasil não se paga nada. Vamos ver.
Tem um ou vários distribuidores em Portugal?
Tenho um distribuidor aqui na região de Basto, fazemos algum mercado direto, a vinoteca no Porto, o mercado de Aveiro. Um distribuidor no Algarve e em Lisboa. Prefiro ter dez distribuidores bem definidos. Tenho de crescer na marca, na qualidade e no preço.
O que diria do seu percurso?
Tenho algum orgulho, não vou negar.
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