O sonho americano na cozinha portuguesa de David Costa, chef sensação na Califórnia
O chef David Costa está à frente do Adega em San José, na Califórnia, o primeiro restaurante na zona, e o único português, a receber uma estrela Michelin. A Must foi conhecê-lo melhor.
Não é para qualquer um abrir um restaurante no coração de Silicon Valley, mas David Costa habituou-se cedo aos desafios. Fez escola no fine dinning depois de concluir o curso de culinária na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, vindo de Santarém e arregaçou as mangas nas melhores cozinhas da capital, começou pela do Hotel Ritz, seguiu-se o Eleven, liderado por Joachim Koerper, e o Assinatura, por Henrique Mouro. E depois fez as malas e voou para a Califórnia.
O seu Adega quis elevar e reinterpretar as receitas portuguesas no país onde cabe o mundo inteiro, e foi um sucesso. Apenas dez meses depois de abrir, em 2016, recebe uma estrela Michelin, a primeira para San José e para um chef português, a trabalhar a cozinha portuguesa, nos Estados Unidos da América. Um reconhecimento que lhe deu o balanço para abrir, na baixa daquela cidade, uma pastelaria típica portuguesa, a San Jose, três anos depois, e inaugurar o recente Petiscos, um espaço para partilhar os petiscos tradicionais do nosso país.
Em outubro, veio a Lisboa preparar - a quatro mãos com o chef Daniel Schlaipfer do Matiz Lisboa, um alemão também ele apaixonado, há 20 anos, pela gastronomia portuguesa - um dos Les Dîners no Sofitel da Avenida da Liberdade, a propósito das celebrações do Fashion Art Food & Wine Festival, e a Must entrevistou-o.
Conte-nos como foi a experiência com o chef Daniel Schlaipfer?
Foi uma excelente experiência. O chef Daniel Schlaipfer foi fantástico e gostei muito de trabalhar com ele. Somos ambos apaixonados pela comida portuguesa e temos algo em comum, a tranquilidade e a descontração no trabalho, sempre com muito profissionalismo, seriedade e perfecionismo.
Enquanto estudava para ser chef, o que o desafiava mais como criativo dentro de uma cozinha?
Na verdade, eu não estudei para ser chef, estudei para ser cozinheiro, tal como sou hoje - e sempre serei. Para mim, chef é só um posto dentro da cozinha. Na cozinha, gosto de trabalhar todos os produtos, mas prefiro sobretudo o peixe e o marisco, ainda que o maior desafio, e o que mais me apraz, seja, sem dúvida, transformar pratos portugueses sem destruir o sabor original e a sua base.
Qual a sua ligação aos Estados Unidos? E porque escolheu a Califórnia?
Eu não tinha nenhuma ligação, em especial, com esta região. Recebi o desafio de "agarrar" o último restaurante português da Califórnia, por parte dos proprietários Fernanda e Carlos Carreira e da Jessica, e foi o que eu fiz. Arrisquei, reformulei-o e correu bem. Hoje em dia, tenho o restaurante Adega, o Petiscos e a pastelaria San José, todos na Califórnia. Muitas pessoas não sabem, mas é aqui que se encontra a segunda maior comunidade de emigrantes portugueses nos Estados Unidos e, por isso, fazia todo o sentido apostar num restaurante com sabores bem portugueses neste lado do Atlântico.
O Adega está no coração de Silicon Valley, uma zona dada à inovação, isso motivou-o?
A localização do Adega foi bastante ponderada, mas o facto de ser no chamado "little Portugal", e no espaço do último restaurante português da cidade, foi decisivo na tomada de decisão. O objetivo foi essencialmente dar continuidade a este projeto marcante na comunidade portuguesa, ainda que com um conceito diferente, com uma nova decoração e mais trabalhado em termos de cozinha e serviço. Já o Petiscos e a pastelaria San José estão localizados na baixa da cidade e são espaços mais acessíveis em termos de preços e, por isso, havia toda a lógica de os situar numa zona mais movimentada.
Porque escolheu chamar-lhe Adega?
O nome foi escolhido a pensar nas adegas das casas rurais, onde se come bem e se bebe bom vinho na companhia de amigos, com momentos de partilha e boa conversa. Essencialmente, a ideia era ter boa comida, trabalhada, com muita qualidade e bem apresentada, acompanhada por uma vasta garrafeira, com mais de 500 vinhos diferentes. Este sempre foi o objetivo principal, ter um bom restaurante português que fosse uma montra da nossa cultura e das minhas raízes.
A chegada da estrela Michelin mudou a sua vida?
Quando abrimos o restaurante Adega estava apenas focado em garantir um bom trabalho, que fosse fiel aos sabores portugueses e oferecesse um serviço de excelência aos clientes. Nunca pensei em obter uma estrela Michelin! Mas, apenas dez meses após a abertura, recebemos a inesperada estrela. Foi uma grande surpresa mas muito bem-vinda! De repente, o número de clientes aumentou imenso e o restaurante esteve cheio durante ano e meio, sem ter espaço para aceitar reservas. Isto acabou por ser muito exigente já que a equipa era a mesma, mas foi também muito gratificante.
O que torna o seu restaurante tão especial?
Penso que o que nos torna especiais e diferentes é o facto de sermos o único restaurante português nos EUA distinguido com uma estrela Michelin, na 10ª maior cidade norte-americana. Além da excelente qualidade dos produtos que utilizamos, grande parte deles portugueses, tudo isto só é possível com muito empenho e trabalho diário de toda uma equipa focada em superar constantemente os limites e ir mais além no patamar de excelência.
Porque escolheu a comida do seu país e que tipo twist gosta de dar à tradição?
Antes de tudo, é a cozinha que melhor conheço e domino. Sempre tentei defender e dar a conhecer a nossa gastronomia e cultura, e fazia todo o sentido ser neste grande país. Depois, havia também a questão da oportunidade de mercado, uma vez que era uma cozinha que já não existia na cidade. O twist que dou à comida tradicional portuguesa depende do que estou a cozinhar. Procuro aplicar técnicas e sabores que fui aprendendo e conhecendo, ao longo dos anos, que me permitem transformar sem destruir os sabores originais, concluindo com um empratamento de uma forma mais elegante.
Também abriu uma pastelaria típica portuguesa, porquê?
Inicialmente, produzíamos o pão no Adega. Mas, a certa altura, tínhamos tantos clientes a pedir o nosso pão e os pastéis de nata que nos levou a decidir criar uma forma alternativa para facilitar o trabalho no Adega e, ao mesmo tempo, satisfazer os pedidos. Esta foi também mais uma oportunidade para trazer um pouco da cultura portuguesa para os EUA, matar as saudades aos nossos imigrantes e despertar a curiosidade a outras nacionalidades. Esta é uma região com muita imigração oriunda de várias partes do mundo, com uma oferta gastronómica muito variada, e era uma lacuna não haver uma pastelaria típica portuguesa.
É um apreciador da doçaria nacional, presumo, que guloseimas queria que lá estivessem obrigatoriamente?
Sim! Gosto muito de pampilho e de celestes da minha terra, Santarém, sem esquecer os pastéis de nata, o doce de ovos, o bolo de arroz ou o pastel de feijão. Tudo isto está disponível na nossa pastelaria, tal como se fosse em Portugal. Também fazemos três tipos de pão: alentejano, integral e broa de milho.
Depois abriu um restaurante de petiscos na baixa da cidade, os americanos estão a aderir? De que gostam mais?
Está a correr muito bem. Quem vai ao Petiscos sai a adorar e normalmente volta para repetir. No Petiscos a oferta é muito mais tradicional e casual, onde se pode ir todos os dias. Há muitos clientes que vêm diariamente ao restaurante, grande parte estrangeiros que passaram a apreciar a nossa gastronomia. Os nossos best-sellers são os clássicos, é o bife à portuguesa, o polvo à lagareiro, o arroz de pato e o bacalhau com natas.
O que o desafia mais agora e qual vai ser a sua próxima aventura?
Cada dia é um novo desafio. No Adega renovamos o menu com muita frequência, o que me obriga a estar sempre a pensar no que vou fazer a seguir, tendo em conta o que está disponível no mercado, com a melhor qualidade. Como tenho três espaços, tenho de gerir a agenda de forma a conseguir estar em todos diariamente, ou seja, reservo as manhãs para o Petiscos e a pastelaria, já que estão muito próximos, e à noite estou no Adega. A próxima aventura vai ser a abertura de uma discoteca, por cima do Petiscos, com a inauguração prevista ainda para este mês [de outubro]. Este é um território novo, já que é a primeira vez que me aventuro neste conceito, mas a oportunidade surgiu e, como gosto de desafios, decidi arriscar. Futuramente estamos, também, a planear abrir mais restaurantes do Petiscos e pastelarias San José, ainda não estando certo se será noutras cidades perto de San José ou mais longe, em grandes cidades como Los Angeles.
Da sua experiência, que qualidades fazem um (mesmo) bom cozinheiro?
Ser honesto, humilde, profissional, ter espírito de equipa e de grupo e, estar disposto a ter muito, muito trabalho.
Vamos vê-lo, e prová-lo, mais vezes em Lisboa?
Se tiver essa oportunidade, claro que sim!
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