“Boas uvas são a chave para um bom vinho”
Nascido na Noruega, Ole Martin Siem admite ser metade português, albergando uma enorme paixão pelas pessoas, gastronomia e clima do nosso país. Em entrevista, o fundador da marca 'Vicentino' contou à Must o processo que o levou até ao vinho e a razão de escolher Portugal para plantar a sua vinha.
O norueguês Ole Martin Siem ouviu falar de Portugal e de Espanha por causa da adesão à União Europeia. Esteve nos dois países ainda em 1984, mas apaixonou-se pelas pessoas, gastronomia, natureza e clima de Portugal. Em 1987 já estava a produzir hortícolas e plantas ornamentais e, em 2007, chegou o vinho. Criou a marca Vicentino em plena costa alentejana e foi dos primeiros produtores a provar que ali também se pode fazer vinho de qualidade. Não vive no país, mas todos os meses passa pela propriedade que mantém no Brejão.
Apesar da tradição familiar, seguiu um caminho diferente. Como aconteceu?
Nasci em Oslo, na Noruega, em abril de 1956. O meu pai, Martin Siem, era uma figura com uma forte posição na sociedade norueguesa, já que detinha a posição de diretor de uma empresa de construção de navios, uma das maiores empresas na Noruega, que empregava cerca de 20 mil pessoas na altura. Sou o mais novo de cinco irmãos, o que fez com que tivesse que testar-me perante "poderes mais fortes". A maioria dos meus irmãos seguiu os passos do nosso pai a nível profissional e, especificamente, na área de navegação e construção de navios. Eu, por outro lado, decidi seguir o meu próprio caminho e certificar-me de que conseguia provar o meu sucesso fora de algo que já havia sido criado. Foi assim que acabei por chegar à área da agricultura.
Depois dos meus primeiros 15 anos de idade vividos em Oslo, continuei a escola em Inglaterra e terminei o último ano de escolaridade na Califórnia. Já de regresso à Noruega cumpri o serviço militar que, na altura, era obrigatório e iniciei oficialmente os estudos sobre Agricultura. Mais tarde, o meu percurso académico passou novamente pela Inglaterra, onde fiz também uma licenciatura em "Agriculture Economics" e foi precisamente neste período que tive a ideia de investir em Portugal.
Porquê Portugal?
Naquela época, Portugal e Espanha, candidatavam-se para se tornarem membros da União Europeia e foi óbvio para mim entender a diferença nos valores das propriedades e nas vantagens da agricultura. Ambos os países têm um clima melhor do que o da Noruega e o potencial de valorização das terras era realmente uma oportunidade. Decidi, então, embarcar na minha primeira viagem ao país em 1984 – ainda estive por Espanha, mas apaixonei-me por Portugal por diferentes motivos: a valorização das propriedades e o clima. Possui um dos climas mais interessantes da zona Oeste da Europa e que me permite garantir produção fora de época. Mas a ideia não era de todo produzir vinho.
A escolha entre os dois países foi difícil?
Foi muito fácil escolher Portugal a favor da Espanha. Normalmente digo que sou meio português porque me dedico há muito tempo neste projeto que caminha para os 35 anos – é, de facto, uma grande parte de quem eu sou. Por isso, admito que o meu lado esquerdo é português porque é onde está o meu coração. Adoro Portugal e a sua gastronomia, as pessoas e a natureza.
Começou pelas hortícolas. Já vinha de trás?
O meu primeiro contacto com a produção de hortícolas aconteceu na minha quinta na Noruega. Tive também ligações muito fortes em Inglaterra, das quais ainda hoje aproveito para permitir a nossa operação em Portugal. Esta foi a minha base para entrar na produção de vinho. Aliás, a produção do vinho foi-me sugerida várias vezes e eu sempre considerei o mercado demasiado competitivo e muito diferente do que estávamos a fazer, até que percebi que um bom vinho está dependente da produção de boas uvas e de que éramos capazes de a produzir. Como produtores europeus de alta qualidade, acreditei que também podíamos produzir boas uvas. E este foi o primeiro passo. Comecei a ler sobre terroirs especiais e, mais tarde, decidi plantar as primeiras vinhas em 2007.
O vinho já fazia parte da sua vida? De que forma?
Primeiramente como consumidor. Começou com o meu pai que nos deixava provar um pouco de um copo de vinho. Lembro-me também de aos 18 anos ter comprado um livro sobre vinho na Califórnia e de em conversa ter deixado o meu pai impressionado. Mas o meu interesse na produção de vinho surgiu quando tive o entendimento de que a produção de boas uvas é a chave para um bom vinho.
O que gosta mais e menos no país?
Começando pelo que menos gosto, porque é o mais fácil de responder, diria que os aspetos negativos estão relacionados com a ineficiência e a corrupção. É um fardo enorme para o país e quanto mais depressa pudermos resolvê-lo melhor será para toda a população. Já do ponto de vista positivo, vivo fascinado pelo design, pela arquitetura portuguesa e pela ligação ao oceano.
O que achou dos portugueses quando os conheceu melhor?
Acho os portugueses muito amigáveis e muito abertos. Nunca me senti um estrangeiro em Portugal. Sempre fui incluído no círculo interno em que estou a operar, sempre fui tratado com muito respeito e todas as portas sempre estiveram abertas para mim, algo que aprecio muito.
A sua família conhece o país?
Já estiveram em Portugal muitas vezes. Há 15 anos, construímos uma casa mais confortável e reunimos lá toda a família. Eles adoram Portugal, claro, pelo clima, pelo oceano e pelo espírito de férias. E, já agora, também gostam dos vinhos Vicentino.
Porquê o Alentejo? Como encontrou o terreno?
Na verdade, comecei a minha procura pelo Algarve e até comprei uma pequena propriedade perto de Lagos, mas o solo era mais pesado e mais difícil de operar com a chuva do Inverno. Além disso, a disponibilidade de água era uma limitação. Assim, depois de procurar um pouco por todo o Algarve, comecei a subir a costa oeste e rapidamente fui parar o Alentejo. E fiquei fascinado com o que encontrei, mas principalmente surpreendido por não haver atividade agrícola na altura. Foi uma decisão fácil para mim ficar no Brejão.
Foi dos primeiros produtores na costa alentejana?
Quando começámos a produzir as uvas, éramos os únicos produtores da região. Havia, claro, alguns produtores particulares com quintais, mas na produção de vinho éramos os únicos. Estávamos muito inseguros inicialmente e chegaram a dizer-nos que, se queríamos produzir vinho no Alentejo, que fechássemos a produção ali e encontrássemos uma propriedade no interior. Uma ideia completamente diferente daquilo que eu pensava na altura e do que promovemos atualmente.
Como surgiu a decisão de fazer vinho?
Foi um processo longo. Como referi antes, já éramos bons produtores de hortícolas, mas só avancei com o projeto quando entendi que seríamos capazes de produzir boas uvas e acreditei que talvez tivéssemos uma oportunidade de fazer algo especial e nos destacarmos no mercado dos vinhos.
Foi um começo difícil?
Quando comecei a produzir vinho na nossa região, apliquei muitos dos estudos que aprendi quando comecei a cultivar no Alentejo. As pessoas diziam que eu era louco por fazê-lo e que produzir vinho tão perto do mar era impossível, o que me deu um impulso extra para continuar e provar que realmente é possível e que a minha ideia não era louca.
Qual foi o seu primeiro vinho?
O primeiro vinho foi um Vicentino Sauvignon Blanc, produzido em 2014.
Quantos hectares tem a Vicentino e o que produz?
A nossa propriedade ocupa cerca de 60 hectares. 50% da produção é para castas brancas, entre elas, Sauvignon Blanc, Alvarinho, Arinto, Semillon e Chardonnay, e a outra metade da produção é de castas tintas como Pinot Noir – contra toda as recomendações, mas que tem sido um enorme sucesso –, Syrah, Touriga Nacional, Merlot e Aragonês. No total são cerca de 12 variedades de uva.
Que tipo de vinhos queria fazer?
Aquilo que eu procuro são vinhos brancos com acidez e vinhos tintos menos pesados, razão pela qual tanto insisti com a produção das castas Pinot Noir e Sauvignon Blanc, que originam vinhos mais elegantes. Acho que a tendência segue o gosto por vinhos tintos mais leves em comparação com os vinhos tintos mais fortes. Portanto, diria que estas duas escolhas estavam muito conscientes do meu lado. Depois, o nosso enólogo sugeriu adicionar mais castas para os "blends" e é por isso que temos tantas variedades.
Qual é o seu preferido?
Sempre adorei Pinot Noir. O da Borgonha é fantástico! Estou feliz por conseguirmos produzir Pinot Noir de boa qualidade. É uma uva difícil e delicada e eu gosto desse desafio e o gosto é maravilhoso se soubermos acertar.
Além da sua, gostaria de fazer vinho noutra região?
Adoro a Borgonha pelos mesmos motivos. A região produz um vinho extraordinário, mas é impossível fazer vinho lá porque os preços dos terrenos são proibitivos. Não daria para ter um projeto lucrativo. Mas se eu tivesse que escolher novamente, escolheria exatamente onde estamos: Brejão, em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Como se relaciona com a região? Como se protege das alterações climáticas?
Há desde sempre um compromisso ambiental e social. Sentimos que devemos ser uma parte ativa e marcante no que diz respeito a seguir um caminho sustentável e de melhoria de vida para a comunidade. Para isso, estamos a estudar e investir em formas de reduzir o impacto de todos os processos relacionados com a nossa atividade, mantendo boas práticas de agricultura, que nos permitem proteger e salvaguardar as terras para os desafios das alterações climáticas e as suas consequências para o meio ambiente em que nos inserimos.
Há algum plano de expansão?
Neste momento, estamos a trabalhar na construção de uma adega junto às vinhas e que deverá estar operacional na vindima de 2023. Acreditamos que esta nova adega irá reforçar ainda mais a qualidade dos nossos vinhos e a ambição por detrás do projeto. Prevemos ainda plantar alguma vinha no terreno da adega.
Quase 35 anos depois, foi uma aposta conseguida?
O caminho tem sido muito interessante. Provávamos que podemos produzir um bom vinho e um vinho diferente dos clássicos do Alentejo e até dos outros vinhos portugueses, o que penso ser um passo na direção certa.
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