Os refúgios dos playboys e dos magnatas
Paris, Cap d’Antibes, Veneza, Rio de Janeiro, Capri, Gstaad, Mustique, Saint-Tropez ou Acapulco eram alguns dos redutos ou refúgios de sonho de estrelas de cinema, de herdeiros, de magnatas, de aristocratas e de playboys, nas décadas de 1950 a 1970. A aviação comercial foi crucial para o desenvolvimento das viagens de luxo dos happy few, antes que esses lugares míticos tivessem ficado abarrotados de turistas e os aviões se tivessem transformado em meros autocarros aéreos.
"Come fly with me, let’s fly, let’s fly away/ If you can use some exotic booze, there’s a bar in far Bombay/ Come fly with me, let’s float down to Peru/ In llama land, there’s a one man band, and he’ll toot his flute for you/ Come on, fly with me, let’s take off in the blue."- Come fly with me, Frank Sinatra
Quando Frank Sinatra pediu a Jimmy van Heusen que escrevesse uma canção para ele e que Sammy Cahn a musicasse, não imaginava que a famosa dupla criasse Come Fly With Me, uma composição divertida, etérea e fascinante que passaria a fazer parte do repertório do Ol’Blue Eyes e que, então, elevava a imaginação dos americanos para destinos longínquos a que só o cinema e as revistas os poderiam levar. A canção integra o álbum homónimo de 1958, dez meses antes de a aviação comercial movida a jacto ter sido lançada, em 26 de Outubro desse ano, com o voo inaugural da Pan Am, entre Nova Iorque e Paris, num cintilante Boeing 707 que encurtava de 12 horas para sete horas o percurso de um lado ao outro do Atlântico realizado por um qualquer Constelation movido a hélices. Os EUA não escolheram o destino por acaso, já que Paris era o destino de sonho de quem quer que pudesse viajar na época e cujo encanto havia sido enaltecido por Casablanca, o soberbo filme de Michael Curtiz, de 1942, em que se vivem memórias de amor passadas na Cidade Luz entre Rick Blane (Humphrey Bogart) e a paixão deste, Ilsa Lund (Ingrid Bergman), e cujo final melodramático ficou marcado pela despedida de ambos com a frase de Blane: "We’ll always have Paris." A atracção dos norte-americanos por destinos longínquos era tal (até então, eles apenas saíam do país para combater em guerras distantes), que o álbum de Sinatra incluía, nas 15 faixas que o compõem, oito canções de vários autores com destinos desejados: Isle of Capri; Moonlight in Vermont; Autumn in New York; On the Road to Mandalay; April in Paris; London by Night; Brazil; e Blue Hawaii. As restantes incitavam às viagens, tais como Around the World, Let’s Get Away From it All, It’s Nice to Go Trav’ling. A capa era ilustrada, contra o estereótipo fotográfico da época, mostrando um Sinatra sorridente e sempre elegante num fato com gravata, sem faltar o ubíquo panamá, enquanto sustinha, na mão direita, uma delicada mão de mulher (que se presumia ser bela e jovem) e acenava para o consumidor com a mão esquerda num gesto que o convidava a acompanhá-los. Em fundo, o céu azul cerúleo e aviões ainda a hélices da TWA. Sabe-se que Sinatra mostrou um vivo desagrado pela capa quando viu o esboço por considerar que a mesma mais parecia um anúncio da dita companhia de aviação. Mas o álbum acabaria por tornar-se um hino a um modelo da vida sem cuidados da parte de ricos e de famosos e a canção Come Fly With Me um estandarte da arte de viajar em grande.
O lançamento do 17.º longa-duração daquele que fica na história da música popular com o cognome de A Voz coincidiu, curiosamente, com o início da era a jacto, nos finais dos anos 50, e, não muito mais tarde, com o começo do estilo de vida conhecido como jet set. A expressão foi criada por Igor Cassini, então colunista de factos mundanos do vespertino New York Journal American. Cassini quis identificar, acabando por definir, as pessoas que pertenciam a um estrato social e económico privilegiado e que utilizavam os voos a jacto com frequência para locais que ficariam na moda por causa da frequência dos glitterati. Entre esses, figuravam as celebridades dos mundos do espectáculo, a realeza de segundo plano, os aristocratas, os magnatas, os herdeiros, os socialites, as gold diggers e os playboys. Se todos os que voavam eram iguais, a verdade é que havia uns mais iguais do que outros e estes eram os poucos que se faziam transportar em primeira classe ou nos pequenos jactos privados da sua propriedade ou de aluguer. Isso permitiu uma movimentação, sem mês definido, para destinos cosmopolitas. O tom de pele bronzeado passou a ser popular por indicar um estilo de vida privilegiado em que se presumia que os ricos andariam atrás do sol ao longo do ano. Saint-Tropez, Marbella, Cap d’Antibes, Portofino, Cancun, Rio de Janeiro, Capri, Cannes, Antilhas, Bahamas, Hawai, Ibiza, Mustique ou Cannes eram lugares cheios de sol que mereciam os favores dos rich and famous, ainda que estâncias de esqui como Courchevel, Megève, Arvoriaz, St. Moritz ou Cortina d’Ampezzo também fossem sinónimo de distinção de classes, sendo frequentadas pelo Xá da Pérsia ou pelos Príncipes do Mónaco, entre outros.
Para que a nostalgia desse estilo de vida sofisticado, sexy e único (que nada tem a ver com as férias das Kardashians, Madonnas, Beyoncés, Abramovichs ou Ronaldos deste novo mundo que gira em torno de celebridades de aviário e do Instragram, e cujas movimentações são monótona, repetida e dolorosamente "documentadas" em milhões de sites) não resvale para a melancolia sem sentido, fique-se sabendo que há designers e marcas que se inspiraram nesses tempos e nas roupas, nos acessórios e nas jóias usados em todas essas paragens para criar as respectivas colecções para este Verão. Para mencionar uns quantos: Sara Battaglia, Mulo, Simon Miller, Aurélie Bidermann, Sensi Studio, Bottega Veneta ou Ahlem. Este revivalismo recupera a sofisticação, o cosmopolitismo, a novidade e a frescura dos jet setters adaptando tudo isso às novas gerações de consumidores com o intuito não de adoptar a imagem desses lugares de eleição mas de a adaptar aos novos tempos e reinventá-la num qualquer local. Fosse nas neves de Aspen ou nas águas cristalinas de St. Barth, o jet set ou o beautiful people tinha como reis e senhores desse tempo Elizabeth Taylor e Richard Burton, sempre a viajar de avião de um lado para o outro, e cuja escandalosa relação amorosa que eclodiu em 1962, durante a rodagem de Cleópatra, em Itália, fez vender toneladas de jornais e de revistas, graças, também, ao "trabalho" dos paparazzi que lançaram essa praga a partir das imagens tiradas, de muito longe, ao famoso casal de actores. As últimas linhas deste artigo dedicamo-las ao que escreveu Slim Aarons, que divulgou a vida do beautiful people para a Life, Holiday e Town & Country, na introdução do seu livro A Wonderful Time: An Intimate Portrait of the Good Life: "Hoje, os lugares que se notabilizaram pelo cosmopolitismo são devastados por hordas de turistas. Esse exclusivo e tremendamente rico estilo de vida para uns quantos, o qual tive a sorte suficiente de ver e de fotografar, está a desaparecer rapidamente." Basta olharmos para as fotografias que ilustram este artigo para entendermos o que Slim Aarons quis avisar.
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