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Opinião. Deixem o Ronaldo em paz

A três dias do começo do Mundial do Catar e a uma semana da estreia de Portugal, frente ao Gana, a polémica está novamente instalada: Ronaldo é um ativo tóxico ou o ás de trunfo da Seleção?

Cristiano Ronaldo no treino da Seleção Nacional na Cidade do Futebol, em Oeiras, do último dia 14 de novembro
Cristiano Ronaldo no treino da Seleção Nacional na Cidade do Futebol, em Oeiras, do último dia 14 de novembro Foto: Getty images
17 de novembro de 2022 | Áureo Soares

Conta-se que Johan Cruijff, então treinador do FC Barcelona, acossado pela crítica à aparente falta de empenho do ponta-de-lança brasileiro Romário, terá certa vez afirmado que os seus avançados não tinham como missão cansar-se em sprints, mas sim introduzir a bola na baliza. À semelhança do agora senador Romário, o goleador Cristiano Ronaldo pretende provar, a dias do Mundial do Catar, que por muito que lhe seja exigido correr, aquilo em que ele é verdadeiramente bom, aos 37 anos, é a marcar golos.

Sem rodeios, numa longa entrevista ao jornalista e apresentador britânico Piers Morgan, Cristiano arrasou o Manchester United, o clube em que se sente mal-amado. Duas décadas depois de uma claque nacional ter literalmente reduzido as casas de banho do estádio Old Trafford a cacos, foi a vez de Ronaldo partir a loiça toda na casa do segundo melhor clube de Manchester.

A polémica resume-se facilmente. A 14 de novembro, a capa do jornal The Sun fazia o best of das declarações de Ronaldo a Piers Morgan: "Não respeito o treinador Ten Hag," "Não houve empatia pela doença da minha filha," "Fui transformado em ovelha negra." E, em parangonas, "O United traiu-me." A retaliação não se fez esperar e os britânicos, esquecendo por momentos o proverbial sentido de humor que os deve caracterizar e o facto de serem a nação que nos ofereceu o termo "fair play", retiraram o painel gigante com a imagem do craque português do estádio. Em terras portuguesas, e durante o estágio da Seleção na Cidade do Futebol, no Jamor, Oeiras, um jornalista inglês questionou a veracidade da gastrite de Ronaldo que o impedirá de subir esta quinta, 17, ao relvado do Estádio de Alvalade para o derradeiro jogo de preparação da Seleção Nacional, frente à Nigéria. Chegados a este ponto, ficamos a saber que mesmo em sociedades avançadas, com democracias consolidadas, há quem entenda que não temos todos os mesmos direitos e questione a legitimidade de um jogador de futebol fazer uso da sua liberdade de conceder uma entrevista e dizer abertamente o que lhe vai na alma sem ser acusado de ser deselegante ou mimado.

Preso por um contrato com um clube que não o valoriza, Ronaldo forçou a saída, mesmo que pela porta pequena. A verdade é que o divórcio entre CR7 e o Manchester United era uma tragédia anunciada. Na liga inglesa, o português disputou dez jogos, quase sempre saído do banco, num total de 520 minutos, e marcou apenas um golo. Na Liga Europa, uma competição abaixo das suas possibilidades, jogou as seis partidas da fase de grupos, com um score de duas assistências e dois golos. Dado como acabado para o futebol inglês, o astro madeirense inventou uma nova celebração que mostrou ao público de Manchester frente ao Sheriff Tiraspol, olhos fechados, corpo hirto, a simular o rigor mortis, e com os dedos entrelaçados junto ao peito, a provar que a ironia não só não é um exclusivo britânico como mesmo um futebolista pode ser um mestre nesta arte retórica.

Longe vão os tempos do Cristiano imberbe, cabelo descolorado e brinco de diamantes. O Mundial que agora começa será certamente o último para o capitão que, de enfant terrible, se transformou num homem de família que dá tudo dentro e fora de campo. Enquanto entender que pode jogar futebol, Cristiano Ronaldo será sempre a estrela da equipa portuguesa, o líder de uma Seleção feita de experiência, com companheiros de classe mundial, como Rúben Dias, Bernardo Silva ou Bruno Fernandes, e uma inspiração para os mais jovens Nuno Mendes, Vitinha ou o adolescente António Silva (19 anos), para quem futebol e Ronaldo são sinónimos.  

Assim, e voltando ao mandamento de Johan Cruijff, aos 37 anos Ronaldo pode não ter já a velocidade que mostrou aos 20, pode não ter fôlego para sprints de área a área, pode não saltar tão alto, mas enquanto puder mostrar o seu valor frente ao guarda-redes, deve ter lugar cativo na Seleção. E, mais do que isso, Cristiano tem toda a legitimidade para dar as entrevistas que entender, a quem entender, sobre o que entender. É que o respeitinho não é nada bonito. Deixem Ronaldo em paz.

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