Prazeres / Lugares

Mesa de Lemos. Fomos ver como se faz cozinha do outro mundo

Se há boa resolução para o novo ano é investir em viagens cá dentro, só para conhecer as melhores cozinhas do país. Se nos perguntarem por onde começar no fine dining, respondemos sem pestanejar: Mesa de Lemos.

Foto: Jorge Simão
17 de janeiro de 2024 | Patrícia Barnabé

Só o cenário já nos faz levantar voo, e não é só porque a zona de Viseu é muito charmosa, com os seus montes de xisto e verdes frondosos, os seus rios escondidos e uma história de coragem. A Quinta de Lemos, em Passos de Silgueiros, tem uma graça especial, algures entre a velha boa tradição do Dão, e a arquitectura moderna, tudo o que apetece nestes tempos voláteis e sem horizonte imediato é este bom gosto sem tempo. O restaurante tem uma escala e uma respiração raras, próximas de ideia épica de espaço, a sala de jantar é espaçosa, mas acolhedora, graças aos detalhes orgânicos do seu interior. É como se estivéssemos num ambiente industrial ou num espaço lunar, onde se sente a leveza e descanso do vazio. Ou até dentro de uma nave envidraçada, que pousou aqui por acaso. Mas a sensação que temos sempre é de estar de pés bem enraizados na Terra.

O restaurante tem uma escala e uma respiração raras, próximas de ideia épica de espaço, a sala de jantar é espaçosa, mas acolhedora, graças aos detalhes orgânicos do seu interior.
O restaurante tem uma escala e uma respiração raras, próximas de ideia épica de espaço, a sala de jantar é espaçosa, mas acolhedora, graças aos detalhes orgânicos do seu interior. Foto: Jorge Simão

As mesas são poucas, um sonho, e poderiam parecer perdidas no espaço se não fossem grandes e maciças. Ali não se ouvem as conversas da mesa do lado, mesmo que se quisesse, Nini Andrade Silva arriscou numa decoração austera, perfeita. As paredes são rasgadas pela presença de uma grande pedra natural que ninguém quis partir, por um lado, e janelas generosas sobre o vale, para onde todos os olhares se evadem. Ficámos a saber depois, e faz sentido, que o edifício foi desenhado pelo arquitecto Carvalho de Araújo, construído com materiais que respeitam o ambiente e foi finalista, em 2014, dos prémios internacionais do prestigiado site ArchDaily.

Janelas generosas sobre o vale, para onde todos os olhares se evadem.
Janelas generosas sobre o vale, para onde todos os olhares se evadem. Foto: Jorge Simão

Ao fundo, a cozinha exibe-se magnífica no seu formigueiro aromático e, claro, o chef Diogo Rocha, tão generoso na sua arte como nas palavras. Conversador nato, está longe da imagem do bicho do mato fechado no seu laboratório e da estrela rock que conquistou as redes sociais, gosta mesmo de conversar sobre o que faz e o que o rodeia, é visivelmente feliz. Assim, metade do nosso jantar foi sabor e sensorialidade, a outra metade foi conversa boa acompanhada dos ótimos vinhos Mesa de Lemos servidos pelo jovem sommelier que rondou a nossa mesa todo o jantar. São pensados pelo enólogo Hugo Chaves, também ele um homem de Viseu com um fraquinho por encorpados e alguma intensidade, tão característicos das Beiras, e tem recebido reconhecimento dos seus pares.

As vinhas da Quinta de Lemos desenham geometrias que entram por aquelas grandes janelas. São 50 hectares de quinta no vale do Dão, e 25 hectares de vinha escondida numa altitude de 340 metros, tão bem protegida por quatro grandes serras representadas no logotipo da Quinta de Lemos: Estrela, Caramulo, Buçaco e Nave. Na mais antiga zona demarcada de vinha portuguesa, abençoada pelo clima e terroir muito próprios, pelo granito e solo arenoso tão característicos, os vinhos que Celso de Lemos aqui desenvolveu, ainda na década de 90, quando comprou esta vinha, começaram a brilhar em 2005.

O chef Diogo Rocha.
O chef Diogo Rocha. Foto: DR

Celso Lemos é o ideólogo de tudo isto, um empresário têxtil que se destacou pela excelência internacional da sua Abyss & Habidecor, atoalhados made in Portugal, mas do outro mundo, um negócio que a sua mãe começou numa garagem exígua e ele levou às casas e hotéis mais luxuosos do planeta. Os vinhos foram o seu primeiro amor, e aqui brilham honrosamente as quatro castas autóctones: Alfrocheiro, Jaen, Touriga Nacional e Tinta Roriz. Só 20% das uvas colhidas são aproveitadas, apenas as que condizem com padrões de alta qualidade para os monocasta, mas também tem excelentes blends, que homenageiam as mulheres da família: Dona Georgina, a mãe de Celso de Lemos, o vinho mais premiado até hoje da Quinta de Lemos, Dona Santana, Dona Louise, Dona Paulette, Geraldine e Manuela.

No verão de 2023, o Mesa de Lemos lançou a nova carta, abriu uma esplanada e passou a organizar eventos gastronómicos, a acontecer todo o ano, incluindo o agosto em que dantes fechava. A nova carta tem a harmonia desses dias luminosos, é uma viagem pelo país, mas inspirada na floresta que se avista do restaurante. Inclui a enguia, do coração de Portugal, o besugo da costa, o cherne dos Açores e bacalhau vindo da Islândia, mas também há requeijão da Serra da Estrela e frutas da quinta. O seu lema é a simplicidade e a autenticidade, tão difíceis de atingir, ainda mais nos dias que correm: "A floresta tem características diferentes consoante as estações do ano e não é apenas no inverno que é fascinante. Nos meses de calor, reconforta-nos sobretudo com a fresquidão da sombra e a paz, longe do rebuliço da cidade. Também este menu é fresco e transporta-nos para uma zona de conforto que a vida simples do campo nos pode proporcionar", referiu o chef, na apresentação das suas novas criações, servidas nas belas loiças que pensou com a filha de Celso Lemos, Geraldine.

São 50 hectares de quinta no vale do Dão, e 25 hectares de vinha escondida numa altitude de 340 metros.
São 50 hectares de quinta no vale do Dão, e 25 hectares de vinha escondida numa altitude de 340 metros. Foto: DR

O ano de 2023 foi pródigo para Diogo Rocha. Não só viu renovada, e bem, pela quarta vez, a Estrela Michelin, conquistada em 2019, como agarrou a sua primeira estrela verde, uma distinção que premeia as melhores práticas de sustentabilidade na restauração, entregues, em Portugal, a apenas outros dois chefs: Carlos Teixeira, da Herdade do Esporão, no Alentejo, e Benoît Sinthon do Il Gallo d'Oro, na Madeira. Para ele, é fundamental trabalhar "em estreita ligação com o que a natureza nos dá", não se cansa de repetir. Um purista da qualidade dos produtos nacionais, e da época, como todos os chefs mais exigentes, quase tudo o que chega à sua bancada de serviço é plantado na quinta. Isto inclui o azeite virgem extra, de acidez bastante baixa, processado a frio no lagar da quinta, nem 24 horas depois de colhidas as azeitonas de cinco variedades (galega, cobrançosa, cornicabra, arbequina e verdial), nos seus sete hectares de olival. E consta que outro tanto de terreno está a ser dedicado à produção biodinâmica. A Quinta de Lemos tem ainda um pomar com 160 árvores de fruto, uma horta biológica de dois hectares e os animais são criados ao ar livre. Só se compra aos produtores locais o que não conseguem produzir.

Só 20% das uvas colhidas são aproveitadas, apenas as que condizem com padrões de alta qualidade para os monocasta.
Só 20% das uvas colhidas são aproveitadas, apenas as que condizem com padrões de alta qualidade para os monocasta. Foto: DR

Depois, minimiza-se qualquer desperdício, os seus extras são compostagem para fertilizar a terra. É preciso perceber que o chef Diogo Rocha estudou produção alimentar e restauração, mas fez mestrado em Sustentabilidade de Turismo na Escola Superior de Hotelaria do Estoril, antes de vir abrir o Mesa de Lemos, em 2013. Também antes de vir para aqui, fez parte das equipas do restaurante Terreiro do Paço, do excelente Valle Flor do Pestana Palace, em Lisboa, e da cozinha do hotel de super luxo Villa Joya, no Algarve. Em 2008, voltou para a sua zona de nascimento, onde dirigiu os restaurantes da Quinta de Cabriz e da Quinta do Encontro, assim como esteve no Paço dos Cunhas, na linda vila jardim que é Santar. Nomeado embaixador oficial de Viseu, em 2017, é especializado em produtos da Serra da Estrela, uma paixão que publicou em livro, um ano antes, assim como chegou a ser embaixador do bacalhau ou a lançar, em 2019, um livro sobre queijos portugueses. Não é de estranhar que o Mesa de Lemos já tenha arrecadado vários prémios do Guia Boa Cama Boa Mesa do Expresso, desde 2015, em 2017 foi o restaurante eleito pela Revista de vinhos e em 2019 chegou, então, o reconhecimento maior do Guia Michelin.

Não só viu renovada, e bem, pela quarta vez, a Estrela Michelin, conquistada em 2019, como agarrou a sua primeira estrela verde, uma distinção que premeia as melhores práticas de sustentabilidade na restauração.
Não só viu renovada, e bem, pela quarta vez, a Estrela Michelin, conquistada em 2019, como agarrou a sua primeira estrela verde, uma distinção que premeia as melhores práticas de sustentabilidade na restauração. Foto: DR

O Mesa de Lemos convida a vaguear nos prazeres da melhor gastronomia, pensada ao pormenor, subtil, sofisticada, sensorial, num menu de oito momentos (do chef, 145€, com harmonização de vinhos por 55€) ou de seis momentos (115€ e vinhos por 35€), e existe um só para os mais pequenos (45€). A cereja no topo do bolo é poder pernoitar nos quartos espaçosos e cheios de pinta que ficam mesmo ao lado do restaurante, toalhas e lençóis de sonho Abyss & Habidecor, uma janela que ocupa uma parede inteira e onde cabe (quase todo) o horizonte. Parece que se dorme numa nuvem, ao amanhecer, nem vai acreditar.

Onde? Mesa de Lemos, Passos de Silgueiros, 3500-541 Silgueiros, Viseu. Quando? Quarta e quinta das 19h às 22.30h, sexta e sábado das 12h às 15h e das 19h às 22.30h, domingos das 12h às 15h. Reservas? 961 158 503 ou reservas@mesadelemos.com.

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