Herdade das Três Marias: uma casa no coração do sudoeste
Com um pé no litoral e outro no interior, este encantador alojamento é a base perfeita para partir à descoberta do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Os fãs de cinema e literatura decerto reconhecerão o nome Três Marias, que também era o da propriedade onde se desenrola o romance A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende, cuja adaptação cinematográfica, a cargo do realizador dinamarquês Bille August e com interpretações de Jeremy Irons, Meryl Streep, Glenn Close, Winona Ryder e Antonio Banderas, foi em parte feita aqui, num terreno vizinho a estas outras Três Marias, onde ainda permanece parte do cenário. Não é por isso de admirar que, quando chegou a hora de arranjar um nome para a herdade, tenha sido este o escolhido, como recorda à Must, sentado na sala de estar com vista panorâmica para o montado, o proprietário Balthasar Trueb. Luso-suíço com raízes na região, este antigo eletricista chegou ao sudoeste alentejano também nos anos 90, pouco tempo depois da constelação de estrelas hollywoodescas. Nessa altura, porém, ainda não havia estas Três Marias, que só surgem depois da propriedade ter servido para criação de avestruzes. "Vivia-se a crise das vacas loucas e o mercado estava ávido por alternativas à carne bovina, enquanto hoje a procura é cada vez mais por alternativas a toda a carne", assinala divertido.
E foi para dar escoamento ao produto que a inicial exploração pecuária foi aos poucos transformando-se num projeto turístico. Primeiro como restaurante e depois, a partir de 2004, também como unidade de alojamento, "à época apenas com dois quartos", situados na casa principal deste típico monte alentejano, que serve hoje de habitação a Balthazar.
Sustentável e local
Quase sem se aperceber, Balthazar descobria uma nova vocação e aos, poucos, as então já Três Marias começavam a ganhar a forma que têm hoje, uma casa de campo única, a meio caminho entre Porto Covo e Vila Nova de Milfontes e com um pé no litoral e outro no interior, literalmente onde o melhor de dois mundos (ou antes de muitos mundos) se encontram. As habitações, todas com terraços e alpendres privativos, são agora 15, não faltando sequer uma casa na árvore, edificada no topo de um velho e sólido pinheiro-manso, que, como é de prever, "é sempre uma das mais solicitadas". E - um pormenor importante -, um dos quartos, com terraço interior, pode receber animais de estimação.
Embora não falte wi-fi, não há televisão em nenhum dos espaços e, acrescente-se, não faz falta nenhuma, tal o muito que há para ver e fazer, embora o contrário, apenas estar, também seja uma opção bastante válida por aqui – mediante marcação prévia estão disponíveis workshops de cerâmica (numa oficina situada na antiga escola da aldeia vizinha de Ribeira da Azenha), aulas de ioga ou de surf, canoagem ou passeios de barco, tudo com parceiros locais.
Os restantes quartos estão distribuídos por dois edifícios complementares, já mais afastados da casa principal e ligados entre si pelas áreas comuns: sala de estar, sala de refeições e um simpático honesty-bar. E um pouco mais além, fica a piscina infinita, com vista para o terreiro onde três simpáticas avestruzes e outros tantos não menos afáveis burros vivem. A piscina, de água salgada, é outro exemplo da filosofia de sustentabilidade que norteia o projeto, como se comprova pelos azulejos negros, de modo a manter a água aquecida sem recurso a qualquer tipo de energia que não seja o próprio calor do sol. Tal como as refeições, como se comprova logo no colorido e substancial pequeno-almoço, reservado no dia anterior para evitar desperdícios e que conta com "pão feito numa aldeia vizinha" e "queijos frescos de cabra, de um queijeiro da região".
Sabores sazonais com toque de autor
Os jantares, disponíveis apenas para os hóspedes, estão este ano a cargo de David Coimbra, filho de Balthazar e antigo responsável pelo restaurante O Jardineiro do Rei, em Milfontes. Sempre fiel ao princípio dos "ingredientes locais e sazonais", o modo imaginativo como reinterpreta alguns dos pratos típicos da região é digno de registo, como fomos aliás testemunha e (em boa hora) cobaia durante duas refeições. Em termos de criatividade, a lista dos pratos servidos fala por si, mas a melhor prova do talento de David foi mesmo o sabor dos ditos.
A primeira noite teve como entradas "tomate cherry e melancia grelhada com dashi de tomilho", "meloa em pickle de kombu com pepino e lima" e "grão-de-bico BIO com caldo de presunto e cogumelos frescos" – a fazer lembrar os tradicionais cozidos de grão alentejanos. Já nos principais, brilhou a carne, tendo sido servidas umas "moelas de galinha com pickle de batata doce e tempura de salvia" e uma "entremeada de porco preto com molho de alperce e mostarda com nabiças". Para sobremesa, "nuvens alentejanas com bela-luísa", nada mais nada menos que uma reinterpretação das populares farófias. Já o segundo repasto, dedicado aos sabores do mar, começou com "pão torrado com filete de carapau e lardo", "tomate com granita de lúcia-lima e amêndoas" e "abóbora, manteiga torrada, pickles de cebola e flores", entradas que antecederam outros tantos pratos principais, compostos por "xerem com amêijoas e lingueirão", "filete de peixe da lota de Sines com bagos e tomate" e "arroz de forno com polvo e chouriça de carne". Para finalizar veio também uma sobremesa em dose dupla: "ananás dos Açores caramelizado, creme de laranja, natas fumadas, pólen e óleo de eucalipto" e "morangos macerados, sabayon de Porto branco com gelado de tangerina".
Entre o mar e a serra
Como seria de esperar, um dos grandes atrativos das Três Marias é a proximidade das praias, como a dos Aivados ou a do Malhão, ambas a pouco mais de quatro quilómetros, e que podem ser acedidas, por exemplo, de bicicleta – existem várias à disposição dos hóspedes. Mas também não será má ideia seguir em sentido contrário, ou seja, em direção ao interior, para explorar esta paisagem única, onde a típica planície do montado se encontra com os cerros da Serra do Cercal. De preferência a pé, pelos muitos trilhos que cruzam esta área, tanto os oficiais, da rede de percursos da Rota Vicentina, bem sinalizados no terreno, como alguns, digamos, mais oficiosos, apenas conhecidos pelos locais, como aquele que conduz até um marco geodésico próximo, onde se pode apreciar uma espetacular vista panorâmica, tanto para o mar como para a serra. É um segredo, é certo, mas que Balthasar não se importa de partilhar com os seus hóspedes, ou melhor, "com os amigos", como o próprio faz questão de sublinhar. Por vezes até se oferece como guia, surpreendendo os companheiros, na chegada ao topo, com uma garrafa de vinho, para brindarem à vida e aos diversos caminhos que a todos levou até ali.Onde? Ribeira da Azenha, Vila Nova de Milfontes, Odemira. Reservas: 964360448, 965 666 231 ou tresmarias.pt. Quartos de €120 a €210.
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