Também tu, Bru... Mercedes?
Ainda os ecos da profissão de fé da Stellantis não se tinham dissipado e já a poderosa Mercedes-Benz vinha a terreiro comprometer-se a ser um fabricante completamente eletrificado. E, tal como JFK havia prometido ir à Lua antes do final da década, também a marca alemã aponta 2030 como o limiar da sua nova existência 100% elétrica. Naqueles mercados em que as condições o permitam, claro.
Um simbolismo histórico
De todos os fabricantes automóveis que pudessem vir manifestar o seu interesse na mobilidade sustentada e elétrica – e muitos deles já o fizeram ou virão a fazer num futuro muito breve – esta tomada de posição por parte do grupo Daimler AG reveste-se de particular simbolismo. Afinal, os alemães são o "pai" do automóvel, aquele meio de transporte movido por um motor de combustão interna e que Carl Benz patenteou em julho de 1886. Passados 135 anos, esse motor que queima no seu interior derivados de combustíveis fósseis parece ter os dias contados – ainda que não se saiba ao certo a extensão da contagem – e prepara-se para passar a outro tipo de motorização o ceptro da mobilidade no planeta Terra.
2030: Mercedes-Benz 100% elétrica... mas ver-se-á caso a caso
De Estugarda para o Mundo, o desafio ficou lançado: a Mercedes-Benz, já suficientemente envolvida na moda da tração elétrica, quer com modelos híbridos, quer com EVs (veículos elétricos ‘strictu sensu’, movidos 100% a eletricidade), declarou através do seu CEO, Ola Källenius, que daqui até ao final da presente década passará da atual fase "electric-first", na qual dá prioridade à motorização elétrica, para a fase "electric-only", altura em que todos os motores de combustão serão definitivamente abandonados. Todos? Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Tal como uma aldeia de irredutíveis gauleses, também os blocos a gasolina e a gasóleo fabricados pelo gigante alemão resistirão ainda e sempre, pelo menos naqueles mercados em que a transição energética se faça com menor brevidade. Ou maior dificuldade (riscar o que não interessa).
E é aqui que a porca torce o rabo: quando Herr Källenius anunciou ‘urbi et orbi’ a boa nova do compromisso energético da Mercedes, o sueco de 52 anos foi muito claro ao impor a condição "onde as condições de mercado o permitam" (sic). E também quando referiu que a Mercedes-Benz manterá sempre o seu compromisso para com os seus ‘shareholders’ no que respeita às margens operacionais, mesmo num mundo de BEVs (veículos elétricos movidos a bateria) – sim, senhores acionistas, descansai: mobilidade elétrica é uma coisa, perder dinheiro é outra.
Em traços gerais, de que consta o plano da Mercedes?
- A partir de 2025, ano em que lançará três novas plataformas exclusivas para veículos elétricos (EV), todas as novas plataformas para o fabrico de modelos Mercedes serão 100% EV.
- Novas parcerias europeias para o desenvolvimento e fabrico de baterias, planeando-se instalar oito fábricas que produzirão uma capacidade total de mais de 200 gigawatt-hora (GWh).
- Aquisição da YASA, um fabricante britânico especializado em motores elétricos de alta performance, para melhorar o desempenho dos grupos propulsores de todos os modelos.
- Capacidade de carregamento facilitada, sem a existência de passos extra de autenticação e pagamento, que provocariam demoras, e com a aplicação ‘Mercedes me Charge’ a oferecer mais de 530 mil postos de carregamento AC e DC em todo o mundo.
- Mudança radical na alocação de capital, para beneficiar o processo de eletrificação da marca.
E quanto vai a Mercedes investir neste plano?
Tema importante, ao ponto de justificar o seu próprio parágrafo: cerca de 40 mil milhões de euros até ao final da década – "outros" vão investir 30 mil milhões, a Mercedes acompanha e sobe para 40 mil milhões.
VISION EQXX, o que é?
Trata-se de um EV paralelo ao plano de eletrificação da marca, mas intensamente ligado a ele. A apresentar em 2022, terá uma autonomia real superior a 1000 (mil) km e consumos em autoestrada, a velocidades "normais", abaixo dos 10 kWh aos 100 km – apenas como guia, a atual oferta da indústria rondará os 20 kWh/100 a velocidades bastante abaixo do que na Alemanha se considera "normal" para uma autoestrada.
Alterações de monta na estrutura produtiva, financeira e humana
Roma e Pavia não se fizeram num dia, mas talvez isso tivesse sido possível se à frente dos respetivos projetos tivessem estado gestores alemães. Do lado da produção, em 2022, oito modelos elétricos irão ser produzidos em sete fábricas de três continentes, ano em que todas as fábricas de produção de veículos de passageiros e de montagem de baterias atingirão a neutralidade carbónica.
Também as folhas de cálculo da Mercedes-Benz irão refletir a gestão financeira necessária para um plano deste calibre. Decidida a cumprir as metas traçadas em finais do ano passado, a direção chefiada por Ola Källenius aposta num crescimento do mercado de EVs que, em 2025, representará 50% das vendas, e que em 2030 mostrará uma transferência total a favor dos veículos 100% elétricos.
Os recursos humanos são particularmente importantes num fabricante que se prepara para uma mudança tão radical. Através de uma política de transformação e redireção da sua força de trabalho, já em curso, a Mercedes-Benz conseguiu em 2020 que cerca de 20 mil funcionários na Alemanha recebessem formação em diversos aspectos de e-mobilidade, e que 3000 novos postos de trabalho tenham sido criados na área da engenharia de software.
E em 2030, como vai ser?
Só lá chegados poderemos saber. Muitíssimos factores estão em cima da mesa e variáveis tão importantes como os ciclos políticos podem contribuir para o sucesso ou insucesso deste plano: a chanceler Merkel irá ceder o lugar a quem saia vencedor das próximas eleições e, a julgar pelas sondagens, os Verdes poderão vir a ter papel preponderante em Berlim. Resultado? Maior pressão para Bruxelas acelerar a sua política ambiental, mais apoio para a Mercedes seguir o seu plano do "tudo elétrico", mais achas para a fogueira onde parecem vir a arder os motores de combustão.
Está na hora do tudo elétrico? Ou será que é no meio que está a virtude? - parte 2
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Está na hora do tudo elétrico? – parte 1
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