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Um futuro sem e-mails de trabalho?

Executivos viram-se para as redes sociais com receio de que o pessoal mais jovem já não verifique o correio eletrónico. E isso pode mudar o mundo do trabalho para sempre.

Industry (2020).
Industry (2020). Foto: HBO
16 de fevereiro de 2023

Os chefes de equipa passaram a ter de recorrer ao envio de mensagens pelo Instagram porque um número crescente de jovens empregados ignoram por completo os e-mails de trabalho, de acordo com as conclusões de uma das maiores empresas de Tecnologias Informáticas (TI) do mundo.

Thierry Delaporte, director-executivo da Wipro, que emprega 4.500 pessoas no Reino Unido e 260 mil globalmente, disse que cerca de 10% do seu pessoal "nem sequer um e-mail por mês verifica".

Delaporte afirmou que, à medida que mais pessoas foram trabalhando a partir de casa e procurando reforçar o seu poder no local de trabalho, os empregadores tiveram de se adaptar a diferenças "desestabilizadoras" entre a forma como as corporações e o seu pessoal querem comunicar.

"Um exemplo simples, que é bastante básico e, no entanto, sempre desestabilizador para algumas chefias, é que os [empregados] mais jovens não leem e-mails", disse ele.

Falando à margem do Fórum Económico Mundial, em Davos, Thierry Delaporte revelou que já não usava o e-mail para enviar mensagens importantes ao seu pessoal porque sabia que uma proporção considerável não leria a mensagem.

Delaporte acrescentou: "Para falar com os meus empregados uso o Instagram ou o LinkedIn. Funciona melhor. Às vezes, eles nem sequer vão ver os e-mails. Temos cerca de 20 mil que nós sabemos que nem sequer um e-mail por mês verifica. Têm 25 anos, não querem saber. Não vão ao e-mail, andam no SnapChat e andam em todas essas coisas."

O director-executivo de 55 anos concordou que se trata de um "alerta" para os empregadores que estão com dificuldades em recrutar pessoal ao abordar o fenómeno da demissão silenciosa ou passiva (quiet quitting), em que os trabalhadores, já fartos, fazem o mínimo dos mínimos que lhes é exigível. O responsável disse que aumentou o trabalho remoto e que um maior desejo de equilíbrio entre a vida laboral e familiar obrigou os executivos a tornarem-se criativos. "Penso, muitas vezes, no empregado médio da Wipro de 31 anos, que é 20 e tal anos mais novo do que eu, e de como é que vamos assegurar que realmente compreendemos a forma como ele vê o mundo versus aquela como nós o vemos", acrescentou Delaporte.

Falando num painel acerca da demissão silenciosa ou passiva, em Davos, Anjali Sud, diretora-executiva da plataforma de vídeo Vimeo, comparou os e-mails aos "manuais de instruções", que estavam "ultrapassados" no mundo de hoje. A executiva concordou que os jovens não verificam ou leem os seus e-mails. "Penso que vivemos num mundo único, neste momento, em que aquilo que a próxima geração espera, e precisa, para estar empenhada na sua vida pessoal ainda não se traduziu para o trabalho", disse Sud. "A ideia de que nós vamos formar, informar e capacitar as nossas forças de trabalho com documentação e manuais parece muito antiquada."

Anjali Sud afirmou que os chefes estão a ter dificuldade em comunicar com as suas equipas num mundo digital, o que constituía uma crise que comparou a uma "casa a arder". E disse: "Penso que a maioria dos líderes não se sentem equipados para fazer isso. Não é um conjunto de competências que a maior parte de nós tenha dominado bem à medida que foi sendo promovido na hierarquia."

A executiva frisou ainda que a Vimeo tinha alterado o seu modelo de negócio no que respeita à forma como a empresa comunica com o seu pessoal, acrescentando que a troca de mensagens das chefias teve de se tornar em algo mais atinente à "emoção e atenção ao detalhe, em vez de um e-mail, o que, a propósito, os jovens já deixaram de ler".

As empresas tecnológicas, como a Google e a Apple, estão a dar ordens ao pessoal para que regressem aos escritórios, porque veem isso como a chave para maximizarem as receitas. Dados divulgados em dezembro de 2022 pelo LinkedIn demonstram que as chefias estão crescentemente a virar as costas ao teletrabalho, à medida que as empresas abandonam as funções remotas. Os anúncios de emprego para funções completamente remotas diminuíram pelo sétimo mês consecutivo em novembro passado. Isto representa a proporção mais baixa de anúncios de trabalho remoto publicada desde que a empresa começou a compilar estes dados, em janeiro de 2021.

Martine Ferland, president e diretora-executiva da Mercer, consultora global de emprego, disse que as atitudes relativamente ao emprego estavam também moldadas por uma cultura moderna que encorajou as pessoas a expressar as suas preocupações. "As pessoas que têm, hoje, 22 anos são criadas num ambiente menos rígido. Por isso, dizem mais aquilo que pensam. E estão também a fazê-lo [num contexto] em que há escassez de mão-de-obra. Assim, eles são capazes de ter um pouquinho mais de poder para reclamar do que eu posso ter tido."

Anjali Sud acrescentou que estava à espera que algumas das exigências que recebeu dos empregados para trabalharem a partir de casa fossem temperadas pela crise económica. A Vimeo anunciou recentemente que ia cortar cerca de 10% dos 1.200 postos de trabalho.

Szu Ping Chan / The Telegraph / Atlântico Press

Tradução: Adelaide Cabral 

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