Isto Lembra-me Uma História: Em França, já compreenderam como proteger as vítimas
O flagelo do bullying em contexto escolar produziu recentemente uma alteração histórica na legislação francesa. O exemplo gaulês deve ser atentamente considerado, inclusive em Portugal, onde certos abusos não são devidamente valorizados e as vítimas apropriadamente defendidas.
Em França, os assuntos sérios são normalmente levados muito a sério. E há assuntos que noutros sítios não são considerados suficientemente sérios, mas que os franceses não hesitam em considerar prioritários. O bullying entre adolescentes, por exemplo, quer seja nas escolas ou nas redes sociais, tem merecido por parte dos governos franceses e das autoridades do país não apenas atenção, mas também medidas que permitam combater o flagelo. Sim, flagelo. Mesmo sabendo que alguns olham ainda para o assunto como se fosse fruto de uma modernice politicamente correta numa sociedade composta por novas gerações demasiado sensíveis, importa lembrar que as consequências do bullying são muitas vezes trágicas.
Numa era em que tudo é amplificado pelas redes sociais, também este fenómeno se alimenta dessas ramificações digitais e virtuais, aumentando o alcance das perseguições bem para lá dos limites do habitat natural destas relações tóxicas e abusivas: os recintos escolares. Hoje, um jovem que seja vítima de bullying não consegue desligar-se abusadores por simplesmente pegar nas coisas e fechar-se em casa. Mesmo dentro de casa, terá de lidar com a perseguição dos seus bullies, que serão seus stalkers e que lhe irão infernizar a vida mesmo à distância. O resultado de algumas destas perseguições é invariavelmente grave, sendo que por vezes a gravidade que atingem é a máxima e a vítima acaba com tudo recorrendo à tenebrosa solução última, tirando a própria vida. Portanto, desengane-se quem encara o bullying como um problema entre miúdos que o tempo se encarrega de resolver, e que dá fibra a quem sofre com isso. As vítimas de bullying não ficam mais rijas por terem de lidar com os seus bullies; as vítimas de bullying acabam traumatizadas, muitas vezes medicadas, internadas ou pior ainda.
Em França, lá está, as autoridades foram-se apercebendo de que estas situações tinham consequências e implicações sociais demasiado graves, além de ser de uma extrema violência para quem as sentia na pele. Há pouco mais de um ano, o governo francês decidiu criar um contexto jurídico para criminalizar pesadamente os autores de bullying escolar. Estudantes e pessoal escolar passaram a poder ser julgados por bullying, com penas pecuniárias a atingirem os 45 mil euros no caso de as vítimas terem de faltar à escola até oito dias; nos casos em que as vítimas cometam suicídio ou tentem cometê-lo em consequência do bullying, os perpetradores incorrem em multas de até 150 mil euros e penas de prisão de até dez anos. Quando o assunto é mesmo sério - e é esse o caso -, então as medidas devem estar em conformidade com a seriedade do assunto.
Em janeiro deste ano, França ficou em choque com o caso do suicídio do pequeno Lucas, um adolescente de 13 anos que foi vítima de bullying por causa de ser assumidamente gay. O caso de bullying a Lucas foi atempadamente denunciado pela mãe do rapaz à escola que frequentava em Vosges, no Nordeste de França. Em setembro de 2022, numa reunião com a direção de turma, a mãe de Lucas teve oportunidade de reportar à professora e à direção da escola a perseguição de que o filho era vítima por abertamente assumir a sua orientação sexual, bem como pelos seus maneirismos e pela maneira de se vestir. A escola, segundo a mãe de Lucas, tomou medidas e tentou resolver a situação. No entanto, quatro meses mais tarde, o jovem viria a tirar a própria vida na sequência da situação de que era vítima.
O impacto social e mediático do caso foi de tal ordem que a própria primeira-dama francesa, Brigitte Macron, veio publicamente declarar o seu apoio à causa, tentando concentrar mais atenção sobre o flagelo. "Sou a favor de consciencializar o pessoal docente e todos os que trabalham em escolas e universidades para melhor identificarem casos de assédio", disse Brigitte Macron ao jornal Le Parisien.
No entanto, o trágico caso de Lucas pode ter despertado consciências, mas não foi suficiente para pôr fim às situações de assédio e perseguição em contexto escolar, com a tal amplificação pelas redes sociais. Em maio, foi a jovem Lindsay, no Norte de França, que pôs fim à própria vida tendo deixado uma nota de suicídio na qual afirmava ser vítima de assédio nas redes sociais, com comentários e mensagens, de manhã à noite. A família de Lindsay acusou a escola de não ter dado a devida importância ao caso. Na sequência de mais esta morte, o Ministério da Educação declarou que a luta contra o bullying em contexto escolar seria "uma absoluta prioridade", até porque sondagens recentes dão conta de que cerca de 10% dos alunos do ensino médio e secundário sofrem de assédio e de perseguição.
E assim chegámos à histórica decisão que foi tomada na semana passada. A 18 de agosto, a Euronews noticiava que, em França, a partir deste novo ano letivo, alunos acusados de bullying serão transferidos de escola, ao contrário do que acontecia antes - era dada à vítima a possibilidade de mudar de escola para evitar o bullying. Agora, não: os bullies vão mesmo ter de responder pelos danos que causam e danos futuros e mais avultados serão prevenidos pela sua transferência para outras paragens. Comentários condescendentes e relativistas à medida não se fizeram esperar: que os bullies também tinham problemas, que tinham de ser entendidos e recuperados, que era preciso enquadrá-los e integrá-los. Por certo, tudo isso será verdade e ninguém pretende condenar os bullies a uma eternidade no desterro. O que se pretende é - e usando uma expressão futebolística - não beneficiar o infrator. Se é o bully quem faz mal, então é o bully quem tem de se mudar. Se o bully tem problemas, então alguém terá de os resolver, mas não é justo que sejam as vítimas a ficar com a vida de pantanas - ou até pior - só para não importunar os pobres bullies.
E é aqui, neste virar do avesso as vidas de quem é vítima, que chegamos à história que esta situação me lembra. Por vezes, parece que importa mais preservar a integridade do perpetrador do mal do que a saúde e o bem-estar da sua vítima. Veja-se, por exemplo, e extrapolando para uma situação análoga em Portugal, o que acontece quando uma família é vítima de violência doméstica. São as vítimas quem tem de se mudar e de se esconder, quando deviam ser os abusadores, que são os criminosos, a ter a vida condicionada. No entanto, não é isso que sucede - e em Portugal, onde é muito raro ver-se alguém a ser devida e pesadamente punido por violência doméstica, e ainda onde as primeiras condenações a penas inferiores a 5 anos de cadeia são automaticamente transformadas em penas suspensas, os criminosos podem continuar a sua vida, enquanto as vítimas têm de deixar tudo para trás, trocar de nome e até de aspeto, para começar tudo de novo.
O bullying em contexto escolar em França e a violência em contexto doméstico em Portugal podem não ter, aparentemente, muito em comum. Mas têm. São relações de opressão, de desgaste e de violência que conduzem ao desespero aqueles que são vítimas destas formas de abuso. Em França, o governo e as autoridades parecem verdadeiramente interessados em resolver, ou pelo menos a tentar resolver, o flagelo. Talvez por cá se lembrem desta história para, pelo menos, tirarem de cima da vítima o ónus da mudança: quem tem de se mudar é quem abusa, não é quem é abusado.
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