Isto Lembra-me Uma História: Trevor Francis no Olímpico de Munique
Se há história do futebol que merece ser lembrada, é esta: a do rapaz que custou muito caro para inscrever o seu nome na lenda das lendas: a da maravilhosa conquista do Nottingham Forest.
Trevor Francis morreu, viva Trevor Francis (19 de abril de 1954 - 24 de julho de 2023). O mundo despediu-se recentemente daquele a quem chamaram million pound boy e que foi protagonista de uma das mais belas histórias da história do futebol. Foi dele o golo solitário que deu ao Nottingham Forest a primeira Taça dos Campeões Europeus da sua história, em 1979, diante dos suecos do Malmö, no Estádio Olímpico de Munique. Na hora da despedida, vale a pena lembrar toda a história que levou a esse cabeceamento precioso, inscrito a letras douradas nas memórias do futebol.
Marcar um golo que se torna lendário na final de uma grande competição, eis um fenómeno raro, daqueles que deixam gravado na pedra o nome dos seus protagonistas. Marcar esse golo contrariando probabilidades é uma coisa que ocorre menos vezes do que a passagem de um comenta flamejante pela orla da troposfera - podíamos ignorar o golo de Éder no Stade de France a 10 de julho de 2016, mas porquê fazê-lo? Recordemos Éder e toda a improbabilidade do seu momento, com orgulho, regozijo e gratidão: que golaço! Que vitória! E depois há aquela situação extrema, aquela cedência extraordinária que o universo faz à conveniência dos sonhadores do futebol, que permite que se concretize num evento no fim de uma sequência de incidentes que cristaliza, em meio segundo, o sonho mais irrazoável do mais exagerado e extravagante dos fanáticos. Esse momento, essa preciosa cedência de um cosmos por norma neutra, quando não mesmo carrancudo, foi o cabeceamento imaculadamente concebido por Trevor Francis nessa noite primaveril de Munique.
O Estádio Olímpico de Munique, lugar que qualquer adepto devia considerar sagrado, já assistira, cinco anos antes, a um monumento futebolístico. Foi lá que a Holanda de Cruyff marcou à Alemanha de Beckenbauer na final do Mundial de 1974, em menos de dois minutos de jogo decorrido e sem que os alemães, que jogavam em casa, houvessem tocado na bola. O golo foi de penalty, mas a Alemanha andou durante quase dois minutos à procura da bola e, não a encontrando, acabou por ver-se obrigada a recorrer a táticas marginais para travar os holandeses. A RFA - nesse tempo, as alemanhas ainda eram duas diferentes - acabaria por virar o resultado e sagrar-se campeã mundial pela segunda vez na sua história, mas o facto de, numa final de um Campeonato do Mundo de futebol, ter acontecido que uma equipa marcou à outra sem que essa tivesse sequer tocado na bola é um fenómeno digno de registo.
O solo - digo o solo porque a relva foi muitas vezes mudada - do Olímpico de Munique é terreno abençoado para este tipo de eventos, daqueles capazes de ficar para a história. Anos mais tarde - 14 anos depois desse golo holandês, para ser mais preciso -, seria exatamente aí, embora na baliza oposta, na que fica no topo Norte, que Marco Van Basten marcava um dos golos do século, contra a União Soviética, na final do Campeonato da Europa que a Holanda, por fim, conseguiu ganhar (uma Holanda de sonho, com o célebre trio constituído por Gullit, Rijkaard e o próprio Van Basten, e ainda acrescentada de estrelas como Ronald Koeman, entre outros).
O golo extravagante de Trevor Francis em maio de 1979 aconteceu naquele sítio porque aquele era o único sítio do planeta digno de albergar tal acontecimento. Francis fora, ele próprio, uma extravagância de Brian Clough, o excêntrico treinador do Nottingham Forest, que decidiu ir comprar ao Birmingham um avançado dispendioso. O Forest era - como ainda é - um clube modesto do meio industrial de Inglaterra, situado num lugar que era pouco mais que uma pequena cidade, algures entre Leeds e Manchester. Brian Clough era um treinador já conhecido, persona mediática desses tempos, capaz de encantar plateias e dividir opiniões, incendiando os ânimos nas bancadas adversárias (ou nas próprias) ou apaixonando o público com as suas ideias tão loucas quanto brilhantes.
Quando Brian Clough foi contratado pelo Nottingham Forest, a equipa jogava na segunda divisão inglesa. O objetivo era subir ao primeiro escalão, mas o sucesso não só não foi imediato, como nem sequer foi inequívoco: Clough só conseguiu subir o Forest na última jornada de 1976-77, e em terceiro lugar. Na época seguinte, 1977-78, Clough conseguiria o feito inédito de tornar o Forest campeão inglês. Ou seja, o clube recém-promovido sagrava-se campeão nacional, beneficiando de certas circunstâncias, tais como o Liverpool, powerhouse futebolística de então, ter concentrado todas as suas energias e forças na conquista da Taça dos Campeões Europeus - que conquistou.
O feito de Brian Clough e do Nottingham Forest de se terem sagrado campeões ingleses logo a seguir a subirem de divisão seria suficiente para que os seus nomes constassem na história universal do futebol. Porém, isto é só o começo. No sorteio para a primeira eliminatória da Taça dos Campeões Europeus de 1978-79, quis o azar que o modesto e inexperiente Forest se estreasse na mais poderosa e prestigiada competição europeia precisamente contra o poderoso campeão em título, o Liverpool. Reza a lenda que Clough terá dito no balneário qualquer coisa como "andamos nós a ganhar campeonatos para ir passear à Europa, para agora nos mandarem ir passear de autocarro aqui ao lado". O favoritismo do Liverpool era de tal ordem esmagador que, quando o Forest os eliminou - para surpresa, espanto e queda de queixos de toda a gente -, perguntaram a Clough se achava que podia ser campeão europeu. A pergunta era irónica, claro. Clough, porém, preferia produzir a sua própria ironia, e respondeu: "Uma coisa de cada vez."
Estamos então neste ponto: um clube - o Nottingham Forest - sobe à primeira divisão inglesa e, logo nessa época, sagra-se campeão; na época seguinte, na Taça dos Campeões Europeus, apanha pela frente, logo na primeira eliminatória, o campeão da Europa em título, o Liverpool, e elimina-o. O treinador, sentindo que a equipa precisava de mais e pressentindo que a equipa podia ganhar mais, não é de meias medidas: decide contratar um avançado, Trevor Francis. Francis era caro, toda a gente o sabia. E a transferência mais cara do futebol inglês até então tinha custado 500 mil libras, meio milhão. O que fez Clough? O que melhor soube fazer a vida toda: uma extravagância. Chegou ao Birmingham e disse "pago um milhão por esse rapaz", e os de Birmingham disseram "um milhão?", e ele "ah, pois é, um milhão inteiro". Quando o presidente do Forest o questionou acerca daquela loucura, Clough terá respondido "este rapaz vai fazer de nós campeões da Europa". O presidente terá achado que era loucura, devaneio, porém aquele era o treinador que fizera deles campeão inglês na época em que subira o Forest de divisão, pelo que tinha algum crédito.
O mais curioso é que Brian Clough contratou Trevor Francis no princípio de 1979 e nunca o utilizou no 11 titular do Nottingham Forest. Os adeptos começavam a questionar-se, o presidente estava pronto para colapsar, a cabeça do próprio Clough estava pronta para rolar. Mas como a equipa se foi aguentando no seu percurso da Taça dos Campeões, tudo se manteve numa espécie de paz tensa. Até que chegou o dia da final, o tal do jogo que se realizou no Estádio Olímpico de Munique, num fim de tarde primaveril frio - mas era em Munique, pelo que o frio é muito relativo. Quando Brian Clough escalou a equipa, para surpresa de todos e para ira de alguns, entregou o número 7 a Trevor Francis, o million pound boy, o rapaz-prometido, a promessa encapsulada. Nem o próprio Francis queria acreditar: iria fazer a estreia na Taça dos Campeões logo na final da competição. E foi nesse dia, contra todas as previsões e probabilidades, que Trevor Francis marcou de cabeça, aos 39 minutos da primeira parte, na baliza Sul do Estádio Olímpico de Munique, o único golo do jogo que sagrou o Nottingham Forest campeão europeu. E é por Francis ocupar o lugar no cume dos cumes da história mais improvável de todas as história do futebol que ele merece ser recordado, agora que descansa em paz - e para sempre, enquanto houver um adepto que ame o futebol.
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