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Há vida depois dos 40, garante este neurocientista

No seu livro “The Changing Mind”, Daniel Levitin demonstra que envelhecimento não é sinónimo de declínio cognitivo e que há muitas coisas que os mais velhos fazem melhor que os mais novos.

Foto: Unsplash
20 de setembro de 2023 | Madalena Haderer

Abre a porta do frigorífico e não sabe de que é que está à procura? Dá por si no quarto sem saber o que é que foi lá fazer? Perguntam-lhe qual foi o último filme que foi ver ao cinema e a sua mente é uma folha em branco? "Pois é, os 40 não perdoam, a partir daqui é sempre a descer", dir-lhe-ão alguns. Mas nós estamos aqui para lhe dizer que isso é mentira. No seu livro The Changing Mind, o professor de neurociência na universidade McGill, psicólogo e autor de bestsellers, Daniel Levitin desafia-nos a abandonar a ideia de que envelhecimento é igual a declínio físico e mental. A cada página, Levitin demonstra que o envelhecimento tem benefícios cognitivos e que o futuro ainda nos reserva coisas muito boas, mesmo que estejamos a caminho dos 80.

Este professor de neurociência acredita que aquilo que julgamos saber sobre o envelhecimento tem mais a ver com preconceitos do que com evidências científicas. Numa entrevista ao jornal britânico The Guardian, Daniel Levitin explica que "contrariamente ao mito popular, nunca paramos de aprender e de desenvolver novas conexões cerebrais". Para escrever este livro, o neurocientista recolheu dados e informações em mais de 4000 estudos que apontam que os traços de personalidade, o estilo de vida, o treino da memória (sim, a memória é algo que se treina, como se fosse um músculo) e a vida social têm um papel preponderante em manter o declínio cognitivo à distância.

Levitin sublinha, por exemplo, a importância de as pessoas idosas manterem um interesse em aprender coisas novas, o que está diretamente ligado com a investigação sobre o efeito da dopamina no envelhecimento. Ou seja, há uma ligação entre a busca de novidade e a regulação da dopamina. E a perda de dopamina está associada a vários sintomas neurológicos que se manifestam na velhice.

Por outro lado, a experiência conta muito. À medida que envelhecemos, o cérebro torna-se melhor a identificar padrões e a desenvolver pensamentos abstratos. Quer um exemplo? Xadrez. Um dos estudos mencionados neste livro, que analisou 125 anos de jogos de xadrez, mostra que é por volta dos 40 anos que os jogadores fazem as melhores jogadas. E não é só em tarefas mentais que o auge chega mais tarde. Um estudo sobre a performance de ultramaratonistas (aqueles que correm maratonas de 100 quilómetros) concluiu que as mulheres atingem o seu auge entre os 40 e os 44 anos e os homens, entre os 45 e os 49. E quanto maior a corrida (em distância ou duração), mais tarde os corredores atingem o seu desempenho máximo. E há vencedores de ultramaratonas com mais de 70 anos.

Quando ultrapassamos a barreira dos 40, "os nossos cérebros passam mais tempo a contemplar os nossos próprios pensamentos do que a retirar informação do ambiente exterior", diz o neurocientista. Este exercício de autoconhecimento contribui para aquilo que vulgarmente chamamos de sabedoria e que, se tivermos sorte, chegará ao seu pico no dia em que morrermos – quanto mais tempo vivermos, mais conhecimento adquirimos, mais sabedoria obtemos. Os neurocientistas chamam a isto a reserva cognitiva, que é também definida como a capacidade que o nosso cérebro tem de improvisar e de encontrar formas alternativas de fazer o que tem de ser feito (algo bastante útil quando já não se tem a energia dos 20, por exemplo), e reflete a agilidade que o nosso cérebro tem para resolver problemas e enfrentar desafios. Quer seja adquirida com o benefício de uma educação superior, inteligência ou experiência de vida, Daniel Levitin diz que a reserva cognitiva "pode proteger-nos dos efeitos prejudiciais do envelhecimento".

De acordo com o Harvard Health Publishing, começou a falar-se em reserva cognitiva no fim da década de 1980, quando investigadores relataram que pessoas sem qualquer sinal de demência em vida, tinham todos os sinais fisiológicos da doença nos seus cérebros quando eram autopsiadas. Estudos que têm vindo a ser feitos desde então mostram que estes indivíduos não tinham sintomas porque tinham uma bagagem de conhecimentos e experiências que lhes permitiram continuar a fazer as suas vidas "fintando" os sintomas. E investigações mais recentes comprovam que, para além da demência, pessoas com maior reserva cognitiva são mais capazes de evitar sintomas de alterações cerebrais degenerativas associadas a outras doenças do cérebro, como doença de Parkinson, esclerose múltipla ou acidente vascular cerebral.

A mensagem deste neurocientista é simples: na luta contra o envelhecimento cognitivo, liberte-se daquilo que o impede de experimentar coisas novas. Seja xadrez, maratonas ou qualquer outra coisa.

 

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