Suzulight, o tamanho não importa(va)
Há 68 anos, este foi o primeiro kei car produzido em série e o primeiro carro japonês com motor e tração à frente. Na reconstrução pós-II Guerra Mundial, a Suzuki inovava e dava o pontapé de saída para o milagre automóvel (e económico) do Japão.
O ano é 1955 – a II Guerra Mundial terminou há 10 anos e deixou o Império do Sol Nascente em ruínas. Cerca de cinco milhões de japoneses terão morrido e os sobreviventes viram-se a braços com um país moribundo, económica, histórica, cultural e socialmente. Pela primeira vez na sua longa História, o imperador do Japão tinha conhecido o sabor amargo da derrota em batalha. E as ondas de choque das duas bombas atómicas lançadas pelos americanos em 1945 ainda se faziam sentir na memória coletiva de um país que começava a aperceber-se de que a doença radioativa ainda se viria a prolongar por mais anos... décadas.
Michio Suzuki (1887-1982)
Empresário e inventor, Michio Suzuki adquiriu em 1909 a quinta da família – criação de bichos da seda – e fundou a companhia que levou o seu nome, dedicada ao fabrico de teares. Durante a II Guerra Mundial, todo o tecido industrial japonês foi requisitado para o esforço de guerra, e só no pós-guerra foi possível a Suzuki continuar a desenvolver o seu espírito inventivo. Os alvos foram, então, os transportes: bicicletas motorizadas primeiro, em 1952, e só no referido 1955 chegaria a vez dos veículos de quatro rodas.
Kei car, o que é isso?
Mini, micro, nano, pequeníssimos veículos, os kei cars (ou keijidosha, "automóvel ligeiro" em japonês) são uma categoria criada pelo Japão no final dos anos 40, para motorizar a vida e a economia do país. Com medidas exteriores regulamentadas e motores de reduzida cilindrada, simples de fabricar e de manutenção fácil, os kei cars ainda hoje são fabricados aos milhões e dominam a paisagem rodoviária japonesa, principalmente a urbana – muito embora os diminutos automóveis possam utilizar as auto-estradas.
Suzulight
Concebido e desenhado pelo próprio Michio Suzuki, juntamente com o seu genro Shunzu, nascia então em abril de 1955 o Suzulight, o primeiro automóvel Suzuki: medindo apenas 2,99 m de comprimento, por 1,30 de largura e 1,40 de altura, o verdadeiro milagre era a distância entre eixos de 2 metros. Nesse vão, sentavam-se quatro pessoas (extraordinário!) que eram impulsionadas por um pequeno motor a dois tempos, de exatamente 359.66 cm3, que desenvolvia uns espantosos... 16 cavalos. Suficientes, ainda assim, para cumprir os requisitos do legislador, que estipulava o que deveria ser um kei car: um carro de "quatro lugares, com uma velocidade máxima de 100 km/h e um preço-base de 150 mil ienes" (sic).
O primeiro protótipo do Suzulight foi submetido a duros testes de pré-produção e o percurso mais memorável foi uma longa viagem de 300 km pela região montanhosa de Hakone, entre Hamamatsu e Tóquio – uma odisseia para a época, já que não existiam estradas pavimentadas. A chegada deu-se a meio da noite mas, ainda assim, a equipa de Suzuki apresentou o automóvel ao presidente da Yanase Auto, a mais alta autoridade automobilística do Japão. Apesar da hora tardia, este quis ficar para os cumprimentar pessoalmente e não hesitou em entrar no Suzulight. Depois de o experimentar, deu a aprovação total para que o novo modelo pudesse entrar em produção.
Embora o Citroën 2CV e o Renault 4CV tenham sido considerados como base de desenvolvimento do novo automóvel, o Suzulight apresentava semelhanças visíveis com o Lloyd 400 (um modelo alemão fabricado em Bremen pela Borgward), e foi logo desde o início lançado em três carroçarias – sedan, van ligeira e pick-up – ao que se juntaria em novembro desse ano uma quarta, um furgão para entregas. No entanto, a partir de 1958, um imposto extra calculado sobre o número de passageiros levou a que só a van ligeira se mantivesse em produção: apenas dois lugares "de fábrica", mas era relativamente simples instalar um banco duplo atrás, duplicando a capacidade de lugares. A simplicidade do design era a todos os títulos notável: o chassis era um tubo, ao qual se aparafusavam, nas extremidades, as suspensões dianteira e traseira (independentes e providas de molas helicoidais, um luxo para a época). O motor, a transmissão e a direção (de pinhão e cremalheira, outro avanço naqueles tempos) tomavam então o seu lugar à frente. O ritmo de produção, no início, era de três a quatro unidades... por mês. Em fevereiro do ano seguinte, no entanto, essa cadência de fabrico já tinha subido para as 30 unidades mensais.
O epílogo
Em 1969, 14 anos depois do lançamento, a Suzuki parava a produção do Suzulight. Mas continuou a desenvolver e a lançar novos modelos de kei cars. O Suzulight foi o pioneiro da categoria e liderou o aparecimento de vários outros modelos que têm valido à marca japonesa um total acumulado de 25 milhões de unidades vendidas (números de 2021).
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