“O vinho Tal da Lixa foi uma noite mal dormida”
Óscar Meireles é o rosto discreto do Monverde Wine Experience Hotel, premiado este ano com o “Best of Wine Tourism” da Rede Mundial de Capitais de Grandes Vinhedos. Por trás, está a sua Quinta da Lixa que produz mais de seis milhões de litros de vinho verde por ano, metade dos quais para 35 mercados fora de Portugal.
Óscar Meireles faz o seu caminho longe dos holofotes mediáticos. Não é um entusiasta das conversas sobre a sua vida ou família e contam-se pelos dedos as entrevistas que quase sempre são sobre os "verdes" que se habituou a defender. A Lixa, a sua terra de sempre, ampara-lhe o percurso, estável, seguro, sem rodeios.
A empresa Quinta da Lixa tem o nome da cidade do concelho de Felgueiras onde cresceram os negócios. Começou tudo aqui?
A minha mãe era da Lixa e o meu pai de Sernande, também no concelho de Felgueiras, e veio para a cidade como feitor da Casa do Terreiro onde esteve muitos anos. Os meus avós maternos detinham as camionagens Pereira & Meireles que começaram o negócio ainda com coches e cavalos. Faziam as ligações entre Caíde, Felgueiras, Amarante e Porto. E, claro, havia uma carreira Lixa-Amarante-Porto.
Os seus pais foram comprando terrenos na Lixa?
O meu pai foi adquirindo terrenos na freguesia onde nasceu e na Lixa, mas também acabou por ir para a empresa de camionagem como acionista. Foi nessa altura, como o meu tio Moreira, CEO da empresa, que começaram a vinificar os vinhos de ambos numa adega com uma dimensão maior.
Vinhos que seguiam para o Porto…
A família tinha uma participação numa churrasqueira em Passos Manuel, no Porto, perto da central de camionagem junto ao restaurante Abadia. Os vinhos já seguiam para esta churrasqueira legalizados, mas a granel.
Antigamente não se vendiam as uvas?
A venda da uva na nossa região é muito recente. Todos os viticultores ou lavradores vinificavam em casa e os armazenistas do Porto vinham comprar em casco, ou seja, em pipa. De resto, o meu pai ficou como representante de vários armazenistas no Porto e passou a assistir às cargas, fazer as medições, processar pagamentos, tratar de toda a logística envolvida.
Que vinhos eram vendidos?
Praticamente todos os armazenistas queriam o Azal da Lixa. Eram vinhos turvos comercializados nos restaurantes e nas tascas, servidos a copo, tudo a granel. A camionagem foi, entretanto, vendida à empresa Cabanelas que juntou várias empresas e o meu pai seguiu o caminho dele.
Mas sem abandonar a restauração. Era conhecido pelo Alexandre do "Cantinho", que foi uma tasca e, mais tarde, Restaurante Central da Lixa. Estivemos sempre ligados à agricultura, ao vinho e à hotelaria.
O Óscar saiu da Lixa para estudar?
Estudei no Porto e tirei alguns cursos de vida sem ser no ensino. Sempre tive veia para o negócio e com 18 anos já criava pintos que vendia. Aproveitava anexos nas propriedades dos meus pais para os criar.
Mas a sua família tinha posses, não era propriamente remediada...
Mas a educação era rígida, sem facilitismo. E como era um dos mais novos – dois irmãos e uma irmã mais velhos e duas mais novas – até fui mais mimado.
Os pintos pagavam os seus hobbies?
Era uma fonte de rendimento para conseguir fazer as minhas coisas, o que gostava, como ir ver a Fórmula 1 no estrangeiro ou acompanhar o rali de Portugal durante dias.
É um apaixonado pelo mundo automóvel? Pelos carros?
Desde essa altura. Corri em "Pop Cross" com 19 anos, porque era um campeonato relativamente barato. Corria num Citroën 2 CV, mas nunca poderia chegar ao topo. Por exemplo, os pilotos de fábrica corriam com um motor 606 cm3 e eu num 435 cm3. Só tinha vantagem nas provas com muita chuva e lama porque aí era uma questão de perícia e jeito. Mais tarde fiz algumas gincanas ao fim de semana e também tenho alguns carros antigos.
Ainda acompanha o desporto automóvel?
Se tiver disponibilidade continuo a ir ver o rali e a Fórmula 1. Entre outros, fui ao Estoril, a Jarama e Jerez em Espanha. E quando havia corridas em Vila Real e Vila do Conde não faltava a uma.
Mas a primeira vez que viu Fórmula 1 nem gostou muito…
Seja uma rampa, um rali ou a Fórmula 1, gosto do circo envolvente. O primeiro ano que vi Fórmula 1 em Jarama nem gostei porque fiquei sempre no mesmo sítio. Valeu pelo convívio e pela viagem, mas no ano seguinte decidi ir ver os treinos livres e tínhamos direito a ir para as boxes. Aí é que se tem a noção do que se movimenta num grande prémio de formula 1. Um circo impressionante.
Motores e pintos à parte, a Sociedade de Vinhos Borges acabou por ser o seu primeiro emprego?
Ainda tive uma representação de pesticidas que vendia aos viticultores, mas a primeira atividade foi quando estive nos Borges. Havia alguma dificuldade em comprar uva e a empresa instalou um centro de vinificação para controlar a qualidade dos seus vinhos. Fiquei como relações públicas e passei a fazer as aquisições de uva em toda a região. Comprei uvas de Resende a Monção.
A Sociedade Borges ainda era do Banco Borges & Irmão?
Na minha altura sim. Depois foi comprada por José Maria Vieira, dos cafés Torrié, que entretanto faleceu. Ainda trabalhei com ele quando era o distribuidor do vinho Gatão para a Borges.
O seu irmão também trabalhava consigo...
Era o diretor do departamento de matérias-primas. Também ocupei esse cargo mais tarde. Entrei em 1978 e estive até 1985. Depois saí a convite do meu irmão e do meu primo. Tinham feito uma adega e juntaram a produção das propriedades. Foi construído um centro de vinificação já com cubas em inox, semi mecanizado, já com possibilidades de fazer vinho de topo.
O vinho verde era conhecido por se beber muito novo...
Dantes era para beber no ano seguinte. Mas as caraterísticas do vinho verde modificaram-se, alteraram-se. Com os clones e as castas, selecionámos o que nos interessava mais. Antes a graduação era baixa e a acidez muito elevada. Mas nos últimos 20 anos houve uma revolução, mas continuo a dizer aos enólogos para não estragarem as uvas dentro das adegas.
Começou em 1996 com o seu irmão e primo na empresa que antecedeu a Quinta da Lixa, a Soporvin. Porque lhe mudou o nome?
Começámos com 12 a 13 hectares, e a Soporvin, a Sociedade Portuguesa de Vinhos, era muito industrializada, e eu queria mais ruralidade, queria um patamar diferente de qualidade e por isso o nome com que as pessoas se identificavam mais. Também comecei a fazer o meu próprio vinho.
Teve alguns percalços?
No início foram dizer ao meu pai para me internar. Estava a deitar abaixo as ramadas e a plantar uma casta que não era da zona, a Trajadura. Mas felizmente o meu pai deu-me luz verde e fiz a reconversão com a casta porque graduava mais e tinha pouca acidez.
Mas ainda vendia a granel?
Para casas como a José Maria da Fonseca ou Caves Aliança, mas entre 1995 e 1997 lancei o Terras do Minho. Eram blends, mistura de castas, e em 2000 lancei os monovarietais Loureiro, Azal, Arinto (Pedernã), Trajadura, Avesso e Vinhão, para testar o mercado e procurar a internacionalização.
Como surgiu esse nome sui generis "O tal vinho da Lixa"?
Foi numa noite mal dormida. De repente veio-me à memória o que se dizia no Porto, nos restaurantes e tascas onde havia pessoas que queriam o Azal da Lixa, turvo, e pediam o tal vinho da Lixa.
O Alvarinho veio depois?
A Quinta da Lixa tem o maior "canteiro" fora de Monção, com 25 hectares. Dá belíssimos vinhos brancos. Em termos de estratégia, Monção e Melgaço alavancaram a casta Alvarinho. Mas a casta é do mundo. Está no Algarve, no Oeste, no Alentejo, em Espanha e até fora, em França, na Austrália e no Brasil.
Mas o melhor Alvarinho é de Monção e Melgaço?
Até há 10 anos ninguém podia provar onde era o melhor Alvarinho porque só havia lá. E em Espanha onde se fez um trabalho mais positivo que o nosso. Os preços que estão nas prateleiras vêem-se. Têm as mesmas influências de clima e têm uma valorização muito maior.
Então o que ganha o Alvarinho nos verdes?
Uma coisa que não nos podem tirar nos verdes é a frescura. Os nossos são diferentes em terroir, nas características, e a estrutura de acidez que permite guardá-los. Há vinhos de 2010 ou 2012 fantásticos. Diferentes, mas fantásticos.
Quantos litros produz? E para onde exporta?
Cerca de 6 milhões de litros. E exporto para 35 mercados internacionais. Além dos nossos colaboradores nas feiras, a Comissão Vitivinícola da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV) teve um papel fundamental na parte de exportação.
Conta com o mercado da saudade?
Sempre o evitei porque não tinha capacidade concorrencial no preço e estava num patamar mais elevado. Hoje tenho uma pequena percentagem nesses mercados, mas os maiores são a Alemanha e os Estados Unidos.
Sei que cozinhar é também um dos seus hobbies? Nunca pensou em abrir um restaurante?
Gostava de abrir um restaurante na Lixa, mas tenho amigos que não me deixam porque me dizem que não mereço esse castigo. Mas iria ser muito especial. Gosto de grelhados, assados, cabidela, etc.. Agora cozinho alguns domingos em casa na Lixa e vou aprendendo com o chef do Monverde sobretudo nas técnicas de fumar os alimentos.
Então ficou-se pelo restaurante do hotel. Qual foi a sua ideia quando pensou no Monverde?
Queríamos construir uma casa grande para receber clientes, jornalistas, e achei que era uma mais-valia para o crescimento da marca. Ainda hoje tenho clientes que estiveram em jantares na antiga adega e recordam esse momento. Mas como tínhamos pouca coisa na região decidimos fazer um hotel de topo. Um dos primeiros hotéis vínicos.
E lançado em plena crise…
Não seria a melhor altura, mas o investimento ronda os 10 milhões de euros. Um investimento destes em turismo tem as suas especificidades, tem que se dar tempo ao tempo, mas os resultados têm sido muito positivos para a região e para a empresa.
Também investiram no início da pandemia...
Foram mais 10 suites e quatro quartos. A Quinta da Lixa anda muitas vezes em contraciclo.
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