Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal. "Era comum ir a vários países e as pessoas não saberem que Portugal tinha vinhos"
O ribatejano de gema vai no segundo mandato à frente da maior associação interprofissional do país vinícola. De Abrantes a Évora, de Monsaraz a Alcochete, um percurso, hoje além-fronteiras, sempre com o campo no horizonte.
Cresceu e viveu no Ribatejo. Andou pelo Alentejo e agora nos palcos internacionais. Como foram os primeiros anos?
Sou um ribatejano de gema. Nasci na Chamusca e vivi quase toda a minha vida em Abrantes, mas com os meus avós maternos na Chamusca e paternos em Abrantes. Portanto tenho alguma dificuldade em dizer que sou de um sítio ou de outro.
O que faziam os seus pais? Havia ligações à terra?
O meu pai era professor de matemática no Liceu de Abrantes e a minha mãe não trabalha. Tinham uma propriedade de família no Alentejo na zona de Montargil. Eu e o meu irmão íamos lá com frequência. Tinha, essencialmente, floresta de sobreiro, olival – fazia-se azeite – e ovelhas. Vendíamos os borregos e também se fazia queijo.
Mas Abrantes era a base.
Passei a minha vida e estudei sempre em Abrantes até ir para a universidade. Mas muitos fins de semana estava na herdade ou na Chamusca em casa dos meus avós.
Uma infância diferente dos dias de hoje?
Os tempos eram diferentes, quer em Abrantes, quer na Chamusca, andávamos muito soltos. Com sete anos ou oito anos, juntamente com os meus irmãos, íamos a pé para a escola primária. Fazia-se tudo a pé e andava-se muito na rua para jogar à bola e coisas do género. Tenho dois filhos e é muito menos comum vermos isso nas novas gerações. Tínhamos muito mais liberdade.
O campo era uma presença constante?
Sempre estive muito ligado ao campo. O mês de agosto era passado na Figueira para fazer praia e o mês de setembro normalmente era passado numa das propriedades que era relativamente perto de Abrantes. Somos 22 primos direitos, portanto a família quase toda mudava-se para uma das herdades do avô onde a vida era completamente rural. Fazíamos as canas para ir à pesca, íamos à caça e brincávamos muito no campo. Na Chamusca, da parte da minha mãe, os meus avós também tinham terrenos e tinham vinha, não faziam vinho, mas vendiam as uvas.
Houve aí uma ligação ao vinho?
Tinham os amigos a quem se vendiam as uvas e também fui algumas vezes acompanhar as fermentações e ver aquele trabalho da adega que me encantou desde muito cedo. Quando cheguei à altura de decidir que carreira que eu gostaria de seguir, a agricultura estava no lugar de cimeiro. Havia de facto duas áreas que me encantavam: vinhos e azeites.
Estudou em Évora?
Escolhi Évora porque não me atraía muito vir estudar para Lisboa. Uma escolha da qual não me arrependo absolutamente nada. Sou um orgulhoso aluno da Universidade de Évora. Na cidade as pessoas que estavam a estudar eram quase todas de fora, portanto o espírito académico era muito forte. Além da vida académica normal tínhamos uma vida fora da universidade muito ativa sempre com muitas festas e jantares. Muitos dos meus amigos atualmente vêm de ligações e de amizades que comecei por criar em Évora e que mantive até hoje.
Alguém que estivesse ligado ao vinho?
Lembro-me do Paulo Laureano que era mais velho quando eu entrei. Dos que estudaram comigo, o Jaime Candera e o José Carvalheira, mas não houve muita gente a seguir o ramo dos vinhos. Tive como professor Colaço do Rosário que era uma figura muito conhecida no panorama nacional, pai dos vinhos da Fundação Eugénio de Almeida.
O Frederico começou precisamente pelo vinho…
Tive a sorte de começar a trabalhar na área que gostava. Comecei a trabalhar no Esporão muito ligado à parte da certificação em sistemas de qualidade e, depois, devagarinho, a energia, a rega e a viticultura. Na enologia estavam o David Baverstock e o Luís Duarte. Também ia muitas vezes a feiras onde o Esporão estava presente. Mais tarde tive a sorte de me pedirem para acompanhar o negócio do azeite: tirei um curso de prova e ia semanalmente a Serpa acompanhar a área.
Onde vivia?
Vivia em Monsaraz perto do Esporão e, passados uns seis anos fui convidado para ir para a minha região de origem no Ribatejo. Para a Companhia das Lezírias. Era passar de ser quase o número três para ser o número um, isto é, passar para uma empresa que tinha hectares de vinha, onde eu ficaria a chefiar toda a parte de enologia, viticultura e parte comercial. Foi um desafio interessante voltar à minha região, poder tomar as decisões e fazer o meu caminho.
Passou pela comissão vitivinícola?
Fui desafiado para fazer parte da direção da Comissão Vitivinícola da Região do Tejo (CVRT), que acumulava com o meu trabalho na companhia. Ao mesmo tempo, dava consultoria a mais dois projetos de vinhos na Fundação Abreu Calado no Alentejo e em Setúbal no projeto Pegos Claros, próximo de Pegões.
Alguma vez lhe passou pela cabeça ter um projeto seu?
Passou-me várias vezes pela cabeça, mas naqueles anos não tinha muito tempo livre, portanto qualquer coisa que passasse por plantar um pouco de vinha e ter mais trabalho ficou para outra fase porque eu não tinha tempo disponível.
Quando surgiu o Instituto da Vinha do Vinho?
Em 2012 recebi o convite inesperado para ser presidente do Instituto da Vinha do Vinho (IVV). Passar para umas funções completamente diferentes, nada ligadas à prática, muito mais institucional. Normalmente, estes convites tinham um cariz um pouco político, mas eu nunca estive ligado à política e por isso estranhei. Depois, percebi que a ministra Assunção Cristas e o secretário de Estado, José Diogo Albuquerque, queriam encontrar um perfil diferente, mais ligado à prática que tivesse mais conhecimentos do setor. Pensei que esta mudança poderia ajudar designadamente ajudando o IVV a adaptar-se porque era uma instituição um pouco fechada. Passei a trabalhar em Lisboa, mas vivendo em Salvaterra de Magos.
Correu bem?
Creio que me correu bem e gostei. Acabei por fazer seis anos porque estive um ano em substituição. Foi um período de grandes mudanças e acho que, de alguma forma, ajudei o IVV a abrir-se ao setor. Reformulámos todo o sistema informático, houve grandes alterações na legislação e na regulamentação da vinha. Reformulámos o sistema de taxas do setor, alterámos toda a organização ao nível das comissões vitivinícolas que fazem a certificação.
Diria que é um mundo de interesses?
É claramente um mundo de interesses distintos, ou seja, quando falamos com pessoas que estão na produção e outras no comércio, uns nas grandes empresas, outros mais pequenos, em alguns dossiês têm opiniões diferentes e isso é saudável porque debatemos e encontramos um ponto de equilíbrio. Senti pressões dos vários lados, o que é perfeitamente normal, mas creio que as coisas correram bem porque todos os dossiers que eu tinha em mão acabaram por ser aprovados por unanimidade e com um consenso grande no setor.
Havia pressões políticas?
A função no IVV passa muito por gerir consensos. Não são tanto pressões políticas, mas têm mais a ver com o mercado e a política setorial. Por exemplo, quando se criou o sistema de autorizações de plantação, porque o vinho é uma cultura regulada em que as pessoas não são livres de a plantar. Anteriormente chamavam-se direitos de plantação e agora autorizações de plantação. Foi uma altura em que se regulamentou sobre quanto é que pode o país crescer anualmente e havia a associações que queriam crescer zero por cento e outras 2 ou 5%, ou mesmo que devia ser livre. Foi necessário um consenso e, depois, negociar com a Comissão Europeia.
Saiu porque quis?
Terminou o meu mandato e, apesar de me terem pedido para ficar, optei por sair. Na altura o ministro era Luís Capoulas e o secretário o Luís Medeiros Vieira, portanto já com outra tutela. Achei que o meu trabalho estava feito e era altura de sair e dar lugar a outros. O meu intuito era regressar à Companhia das Lezírias, mas quando saí tive vários convites para muitas empresas e para outros lugares. Um deles, da Bacalhôa e a proposta era muito interessante. Todos os meus convites foram muito mais para gestão do que propriamente voltar à prática de enologia ou viticultura. O que é perfeitamente natural porque nos seis anos anteriores tinha dado mais nas vistas nessas áreas.
Que lugar ocupou?
Fui CEO da Quinta da Bacalhoa. A ideia era ficar a gerir os vinhos da empresa para que para que a família se pudesse dedicar aos outros projetos.
Como é que correu?
Acabaram por não necessitar de se afastar e a minha função tornou-se um pouco obsoleta. Sentia que não era uma mais-valia para a empresa e creio que foi entendido por todos. Ao fim de um ano, acabei por sair.
E como foi a relação com Jo Bernardo?
Tivemos uma relação cordial com altos e baixos. Muito bem no início e se calhar um pouco menos calorosa na parte final. Como anunciei a minha saída recebi vários desafios e convites e um deles foi precisamente a Vini Portugal. Candidatei-me, mas sabendo de antemão que já tinha alguns associados que me iriam apoiar e que estariam por trás da minha candidatura. Acabei por vencer o concurso por unanimidade.
Diferente do IVV?
É uma associação interprofissional, mas privada, portanto aqui os associados são associações e confederações do setor dos vinhos que representam o comércio e a produção e tem como principal função, e poderá ter muitas mais, a promoção dos vinhos de Portugal no mundo tentando valorizar a imagem e as nossas exportações. Mas é um trabalho muito mais de representação do setor no estrangeiro, de relações públicas, quase como um embaixador dos vinhos portugueses. Mas que gosto bastante. Cumpri três anos, vou no segundo mandato e creio que também me adaptei relativamente bem.
Há uns anos os estrangeiros nem sequer sabiam que o vinho do Porto vinha de Portugal. Isso mudou?
Mudou radicalmente. Era muito comum ir à China e ir aos Estados Unidos e vários países e as pessoas não saberem que Portugal tinha vinhos. Diziam que "Port" era um estilo feito nos Estados Unidos e África do Sul. Agora a diferença é abissal.
No fundo, é o trabalho da Vini Portugal…
Conta muito o que a Vini Portugal tem feito. Temos muito trabalho invisível como o contacto com jornalistas internacionais para que cada vez mais se fale de Portugal e para que depois essa mensagem chegue ao consumidor. Há muito trabalho ainda a fazer para que nós consigamos ter o reconhecimento que merecemos.
Como "vendem" o vinho? Blends, com pouca produção e muita qualidade?
A imagem que tem vindo a ser vendida e muito bem, a meu ver, é a diversidade. Somos um país muito pequeno, mas com uma variedade interna gigante. Andamos uma hora ou menos, as castas mudam, o clima, o sol, tudo muda. E falamos em vinhos de lote e gastronómicos.
Ainda falta o preço…
O nosso problema é claramente o preço. Temos vindo a crescer muito, temos o objetivo de chegar este ano aos mil milhões, mas tem de ser assente na subida do preço médio. Não temos muita capacidade para aumentar muito em volume, mas precisamos de valorizar o produto. Na Vini Portugal estamos a posicionar o país de maneira que as pessoas estejam dispostas a pagar mais para ter um vinho português.
Há crescimento?
Os nossos vinhos têm vindo a crescer em termos de preço médio e verificamos que nos países onde estamos a trabalhar Portugal começa a ser conhecido como país produtor de qualidade. Está a crescer mais e melhor do que os outros. Queremos mais? Queremos. Estamos insatisfeitos? Estamos.
Tem estado ocupado com o evento de novembro? Onde vai ser?
Em Coimbra, de 7 a 9 de novembro. Vamos organizar um evento à escala mundial que ando a tratar diretamente. Chama-se Wine Future 2023 e vamos trazer a Portugal grandes nomes do setor mundial dos vinhos e outras grandes figuras, por exemplo, um Nobel de economia, Christopher Pissarides ou o vocalista dos Iron Maden, Bruce Dickinson, porque é produtor de cerveja e também vamos debater o tema. Ou ainda Laura Catena que que é CEO dos vinhos Catenas Zapata, a maior produtora de vinhos da Argentina.
Que vinho gosta de beber?
Hoje consumo mais vinho branco e espumantes – de que sou grande apreciador – do que vinho tinto. Há uns anos gostava daqueles vinhos tintos pesados, com álcool, muita fruta e madeira, mas agora prefiro-os mais elegantes. Mas não estou ao nível dos muito ligeiros em aroma e em cor: ainda não estou aí.
Bebe-os na sua casa, mas fora de Lisboa…
No final do mandato no IVV ainda passei, pouco tempo, por Lisboa e depois vim para onde estou agora, em Alcochete. Continuo sem muita vontade de viver na capital. Fiquei encantado com a vila de Alcochete onde estou há quase seis anos e gosto muito de lá viver.
Tem tempo para hobbies?
Tenho pouco tempo porque a minha vida profissional tem sido sempre muito ativa. Mas aquilo que desenvolvi, sobretudo de 2018 para cá, foi o gosto pela cozinha. Gosto muito de cozinhar por isso tenho-me dedicado a aprender e a cozinhar para amigos. É o meu grande hobby. Adormeço quase todos os dias a ver canais de culinária que é aquilo que me ajuda a descontrair. E também compro livros e ensaio receitas.
Há um tipo de gastronomia que goste mais?
Tenho um gosto caro. Gosto muito de restaurantes de alta cozinha, fine dining, que não posso ir tantas vezes quando gostava. Digamos que a minha cozinha espelha este meu gosto. Não é a cozinha de tacho, é uma cozinha muito mais elaborada, sempre empratada, é onde me revejo e onde me divirto a cozinhar. Estou muito longe daquilo que gostava de ser e que vejo nos restaurantes.
Algum chefe que seja uma referência para si?
Há vários. O José Avillez está num lugar cimeiro, aquele com que me identifico mais. Mas há vários como o João Rodrigues ou o Juan Antonio Pérez em Cáceres, no Átrio, que tem um estilo de cozinha que gosto e admiro. Um guru e um exemplo para todos, o Ferran Adriá de quem tenho vários livros.
Aproveita para conhecer restaurantes quando viaja?
Viajo muito a acompanhar as ações de promoção, mas normalmente estas viagens estão com o tempo contado e quando estou nesses países tenho sempre almoços e jantares marcados com jornalistas, líderes de opinião ou agências. Reservo-os para as minhas férias e, entre Portugal e Espanha, aos fins de semana. Às vezes estou em Alcochete e reservo um restaurante no Algarve, janto e venho dormir a casa.
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