Chef Miguel Castro e Silva: “Tenho esperança na restauração tradicional”
Entrevistámos vários chefs que se deparam, mais uma vez, com as portas dos seus estabelecimentos fechados. Uma sumidade na cozinha tradicional portuguesa (e na contemporânea também) Miguel Castro e Silva reinventou o seu DeCastro para o take-away.
Estava preparado para nos "fechássemos em copas", de novo?
Confesso que tinha alguma esperança que as coisas não se agravassem tanto. Chegámos a um momento em que a travagem teve que ser total. No final do ano passado, a minha perspetiva era de que no fim de março pudéssemos estar a chegar a uma nova normalidade, mas neste momento é impossível.
Reformulou a ementa do DeCastro para o take-away?
Surgiu a ideia de mudar a cozinha para um formato de take-away, era o que fazia sentido. É uma comida que está pronta para ser consumida, assumi a identidade da minha cozinha e adaptei-a àquilo que o cliente pode comer de forma mais fácil em casa. Recentemente adicionei à ementa um caril e uma moqueca de atum, mas também há comida de conforto, como os hambúrgueres, que surgem em versões elaboradas.
Como chef e empresário, o que é que o preocupa mais?
Eu tenho quatro unidades fechadas, no Mercado da Ribeira, na Quinta de Ventozelo [Cantina de Ventozelo] em parceria com a Gran Cruz, o Casario e o DeCastro Gaia. Neste momento não sabemos quando podemos perspetivar reabrir, mas não acredito que seja antes de março. Tenho esperança que o Mercado da Ribeira possa reabrir por volta da altura da Páscoa. A minha preocupação passa pela rede de postos de trabalho que mantenho, e que mesmo com lay-off torna-se difícil suportar. Neste momento o que estou a fazer é uma gestão muito cautelosa dos recursos para não "morrermos na praia". Ficarei feliz se conseguir chegar ao fim deste ano com 40% do que foi 2020.
Que tendência na restauração vem para ficar, depois da pandemia? O take-away por exemplo?
Não sei bem dizer. Portugal tem uma longa tradição de take-away, há 15 anos desenvolvi uma linha de produtos que as pessoas podiam levar para casa, na altura acho que estava a cozinhar à frente do tempo. Desenvolvi linhas de comidas prontas para hipermercados, e fiz muitos desenvolvimentos na parte industrial, e por isso tenho alguma experiência nesta área. Julgo que possa surgir um mercado que procure um produto melhor, mas é muito na base das pessoas que estão em casa e querem mesmo uma refeição com alguma qualidade.
Tem esperança que as pessoas continuem a apoiar a restauração?
Eu tenho esperança que no momento em que as pessoas possam voltar, a restauração tradicional volte a ganhar dinâmica. Quanto ao resto, as pessoas tendem sempre a procurar um produto mais genuíno. Acredito que não se perderá aquilo que temos em Ventozelo, onde a cozinha é baseada numa comida regional, com produto de proximidade, de valorização da região. É um caminho que as pessoas irão continuar a reconhecer (é a minha esperança).
Não há nada como a experiência da tradição…
Nós damos muito valor a isso, é uma forma de convívio e de partilha, e um restaurante pode oferecer esse tipo de serviço e de preferência. Em Ventozelo, por exemplo, é um sítio onde cozinho com uma certa história, com genuinidade e todo o receituário que eu tenho vindo a testar e a recuperar foi fruto de muita pesquisa. Em casa não se consegue ter a experiência de comer uma sopa feita no pote ou comer o nosso rancho (à portuguesa). É tudo de uma qualidade invulgar, uma experiência muito séria e que me dá muito gozo proporcionar às pessoas.
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