Carla Bruni: “Pensei: se eu fizer esta quarentena com álcool, morro”
Prestes a lançar um álbum de canções compostas durante a pandemia, a cantora e compositora conversa abertamente sobre álcool, criatividade e Nicolas Sarkozy. E fala ainda sobre como foi ter estado em confinamento com o marido, a filha e a mãe: "Quase nos matámos uns aos outros!", conta.
Todos passámos por isto este ano. Uma pessoa da nossa família entra, de repente, na sala enquanto estamos numa reunião de trabalho importante via Zoom, fazendo imenso barulho ao mesmo tempo que tentamos parecer profissionais no ecrã.
"Ah, tu veux dire bonjour, non?", diz uma Carla Bruni naturalmente elegante, de cigarro eletrónico em punho, a alguém que se encontra fora do alcance da câmara, no escritório da sua apropriadamente chique casa em Paris. "O meu marido não compreende o Zoom!" diz, com um sorriso, a supermodelo transformada em cantora e compositora, com a sua cabeça nobre e o seu tronco bem vestido enchendo o ecrã do meu computador.
"Como está?" pergunta o antigo presidente da república francesa, Nicolas Sarkozy, num inglês com um sotaque muito mais carregado do que a sua mulher italiana de 52 anos. "Na minha família não é só a minha mulher que está a criar!" exclama, referindo-se ao seu livro Le Temps des Tempêtes (Tempos de Tempestade), escrito durante a quarentena e recentemente publicado.
O nosso ménage à trois estritamente profissional já se encontrou antes, nesta mesma sala, há três anos. Nessa altura, a eternamente descontraída Bruni, fumando cigarros Virginia Slims, sorria amorosamente para o seu marido e os seus modos arrapazados. Hoje, afugenta-o com um "Adeus!" "Ele é muito divertido", diz, rindo-se, enquanto a cabeça de Sarkozy volta ao enquadramento para lhe dar um beijo. Neste instante, os dois membros do casal estão em modo promocional. Ele está a promover o livro que escreveu na sua "casa de família", na Côte d’Azur, e ela a falar sobre o seu novo e elegante álbum homónimo, com muitas músicas pop escritas por si e acompanhadas por guitarra e piano. Tudo muito francês e deveras encantador.
Bruni aparece "um bocadinho" no livro do marido, mas foram as referências à sua pessoa num livro Le Temps Gagné (Tempo Ganho), o novo romance autobiográfico do filósofo francês Raphaël Enthoven, que foram notícia em França. Enthoven foi companheiro de Bruni – e é o pai do seu filho Aurélien, de 19 anos. O livro retrata uma discussão furiosa entre o autor e o pai deste, Jean-Paul, sobre Carla Bruni. A então modelo deixou o Enthoven pai, com quem começara a namorar em 2000 – pelo filho. Inabalável como sempre, Bruni menospreza a intriga que está a fazer as delícias da elite francesa.
"Ainda não o li. Sou uma pessoa democrática. Toda a gente pode fazer aquilo que quiser. Eu gosto que as pessoas se exprimam. Por isso, disse [ao Raphaël]: ‘Força!’"
Mas embora Bruni prometa "vou lê-lo nas minhas próximas férias", não se aborrece minimamente com o conteúdo. Nem sequer com a homenagem de 23 linhas que o seu ex-amante fez ao seu traseiro e que foi falada em todo o lado?
"Ah! Pois, mas isso era o meu rabo há 20 anos!"
Foi nessa altura que Bruni transitou, com sucesso, da moda para a música. O seu álbum de estreia Quelqu’un m’a dit (2002) foi um êxito surpreendente: alcançando o primeiro lugar das tabelas francesas, com dois milhões de discos vendidos. Na última vez que falámos, ela disse-me que quem a ajudou a vencer a ansiedade inicial e o medo do palco foi um dos seus antigos namorados famosos, Mick Jagger. (Quando era modelo, também namorou com Eric Clapton.)
"Ele disse-me: ‘Não podes ser tu. Tens de encarnar uma personagem, para que possas separar a tua vida real da tua vida em palco.’ "E eu percebi isso."
A sua carreira como modelo, que começou quando tinha 19 anos, transformou Bruni numa das maiores e mais bem pagas "supers" dos anos 90, juntamente com Naomi Campbell, Claudia Schiffer, Cindy Crawford e Helena Christensen. O grupo juntou-se para uma homenagem a Gianni Versace na Semana da Moda de Milão em setembro de 2017. Nessa ocasião, uma Bruni desavergonhada disse-me que a conversa entre as "miúdas" era sobre os afrontamentos da menopausa.
Surpreendentemente, uma vez que trabalhou com vários fotógrafos envolvidos em acusações relacionados com o movimento #MeToo, Bruni nunca foi "agredida" [sic] ou vítima de abusos". O único incidente, que me contou na última vez que falámos, ocorreu antes de ela ser modelo profissional.
"Eu deveria ter uns 16 anos. Fui à discoteca Palais, aqui em Paris, e conheci um tipo muito famoso que era dono da maior grande agência [de moda] que havia em França. E ele disse-me: ‘Queres uma linha de coca?’ Eu odeio drogas. Nunca tomaria drogas, nem quando era nova.
"Este tipo ofereceu-me droga, quando era mais do que evidente que eu era uma miúda muito nova. Por isso quando comecei a trabalhar como modelo dois anos mais tarde, lembro-me de ter pensado: ‘Nunca irei para aquela agência porque, se o dono é assim, tudo o que ele faz é com maldade e vai ser horrível. Então, fui para uma agência cujas donas eram todas mulheres. Eu já era cautelosa."
Bruni atribui a razão de ser dessa cautela ao facto de ter sido criada numa "família muito forte". Tendo crescido em Turim numa altura em que o grupo terrorista Brigadas Vermelhas andava a raptar e a matar políticos e gente rica, os seus pais, que eram gente abastada, decidiram mudar-se para França por razões de segurança quando ela tinha apenas sete anos. A mãe de Bruni é a pianista italiana Marisa Borini e ela foi criada na ilusão de que o pai era o marido da mãe, Alberto Tedeschi, compositor clássico e herdeiro de uma fortuna com origem num negócio de pneus. Contudo, quando estava às portas da morte, em 1996, ele disse-lhe que o seu pai biológico era, na verdade, o magnata brasileiro dos supermercados Maurizio Remmert, que tivera um caso de seis anos com a mãe de Bruni, quando ele tinha 19 anos e Marisa 32.
Se Bruni ficou zangada quando descobriu que lhe tinham mentido sobre quem era o seu pai, passados todos esses anos?
"Nem um bocadinho! (Antes de descobrir) eu sentia-me sempre desconfortável com qualquer coisa. Por isso, foi um alívio descobrir. Não me senti nada traumatizada. Pensei: ‘Ah, OK. Isto explica tudo.’ Quando guardamos um segredo, é como se tivéssemos uma pepita de ouro no coração ou no bolso." Com efeito, ela faz uma referência à maravilhosa natureza da descoberta em Un Secret, uma das canções mais tocantes do seu novo álbum. "Os segredos podem ser como veneno. Eu sei que a verdade é importante, mas eu não sou americana. Sou italiana e nós passamos a vida a mentir! Nós achamos que mentir é a melhor maneira de fazer as coisas. É mais fácil." Bruni volta a soltar a sua gargalhada sonora.
Existe uma igual candura, tanto musical como pessoal, numa outra canção: Un Grand Amour. Sim, ela admite, é sobre o seu marido, mas também é um conselho em geral e esse conselho é: dê muita importância ao amor porque é a melhor coisa que pode fazer. E, por vezes, se tivermos sorte, encontramos um grande amor".
Quanto ao facto de o confinamento os ter posto à prova, a ela e a Sarkozy? Claro que sim, tal como a todas as outras pessoas. Mas também teve pontos positivos. "Nunca nos vemos durante o dia, mas agora consigo vê-lo a dormir a sesta às três da tarde."
"Sim, é um teste", acrescenta, "mas ele escreveu o livro dele e eu escrevi o meu álbum." A casa estava cheia, com a filha de ambos, Giulia, que faz nove anos este mês, "e a minha mãe e a irmã [dela] também estavam connosco. A minha mãe tem 91 anos e a irmã dela tem 95 anos! Confinamento italiano, ó meu Deus. Quase nos matámos!
Para aumentar ainda mais a pressão, Bruni comprometeu-se a fazer o confinamento sem álcool. "Quando bebo, bebo demasiado. Por isso, pensei: ‘Não pode ser. Se eu fizer esta quarentena com álcool, morro’", diz com um tom grave. "A moderação não é o meu forte."
E o seu marido também não bebeu, num gesto de solidariedade?
"Ele nunca bebeu na vida! Nem uma gota de álcool!" Ele sofre de dores de cabeça fortíssimas e, quando era mais novo, tinha sempre medo daquilo que o álcool lhe poderia fazer. Por isso, ele não conhece o efeito [positivo]! Eu disse-lhe: "Ainda bem que não sabes, porque, se soubesses, passavas o dia inteiro no bar!"
No próximo mês, fará 13 anos que o casal se conheceu num jantar. O recentemente divorciado (pela segunda vez) Sarkozy era presidente de França há seis meses. Carla e Nicolas casaram-se três meses mais tarde. "Quando se conheceram, é claro que "o poder foi um afrodisíaco". Mas mais importante do que isso, diz Bruni, é que sempre houve igualdade e equilíbrio desde o início.
"E tivemos um bom timing. Há vinte anos, ele precisaria de uma mulher mais dedicada. E eu nunca teria ficado com um homem com uma personalidade tão forte e dominadora. Quando nos conhecemos, porém, já éramos suficientemente fortes um para o outro."
Como habitualmente, Bruni não gosta nem quer mentir e admite que as coisas dão trabalho.
"O apetite vem com a fome e só se consegue um sono de qualidade quando se dorme. Por isso, talvez o amor venha com amar. O mesmo acontece com o desejo. Quando nos sentimos desejáveis e projetamos desejo, sentimos desejo em todo o lado."
"E como lidam com esse desejo numa casa tão cheia?
"Bem, é uma casa de família bastante grande no sul de França. Temos espaço para trabalhar, sítios pequeninos e escondidos onde ele pode escrever e eu posso fazer a minha música. E para o amor, temos apenas um quarto. Com uma fechadura. E paredes bem grossas!" A irrepreensível Carla Bruni ri-se novamente, soprando alegremente o vapor do seu cigarro. "Mas não é muito inspirador estar confinado com a sogra. Coitado do Nicolas!"
Carla Bruni (Universal) é lançado a 9 de outubro
The Telegraph/Atlântico Press
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