Do salário ao número de filhos, a fórmula científica para uma vida feliz
Um grupo de neurocientistas da UCL constatou que a felicidade reside em baixarmos a fasquia das nossas expectativas – mas há outros fatores que também podem contribuir para a satisfação. Por Alice Hall
Qual é o segredo para a felicidade? É uma pergunta que tem atormentado os filósofos desde o princípio dos tempos. Para alguns, é um cobiçado carro desportivo; para outros, é um cachorro que entrou nas suas vidas durante o período de confinamento decorrente da pandemia. Mas, segundo uma equipa de neurocientistas da University College London (UCL), a resposta poderá residir na equação que se segue: (t)=w0 +w1∑j=1tγt −jCRj +w2∑j=1tγt −jEVj +w3∑j=1tγt −jRPEj.
Em termos leigos, esta equação significa, grosso modo, que para sermos felizes devemos baixar a fasquia das nossas expetativas – mas não descendo-as tanto e durante tanto tempo que isso acabe por nos deixar infelizes. A equação foi desenvolvida recorrendo a um projeto baseado em jogos, o The Happiness Project, de colaboração coletiva, cujos resultados foram divulgados no passado dia 25 de maio. O projeto criou uma aplicação móvel que incentivava os jogadores a tomarem decisões arriscadas e a dizerem qual é que tinham achado que iria ser o seu desempenho.
Os dados, compilados junto de 18.240 pessoas, foram coligidos ao mesmo tempo que se realizavam ressonâncias magnéticas aos cérebros dessas pessoas. E constatou-se que a felicidade dependia não de quão bem estamos a sair-nos, mas sim de estarmos a sair-nos melhor do que esperávamos. Na prática, isto significa que ter elevadas expectativas acerca de uma situação – como pensar, por exemplo, que vamos ter uma refeição fantástica num restaurante, ou que vamos adorar por completo o nosso novo emprego – pode por vezes ser um problema; para intensificar a sensação de felicidade, poderá ser necessário minimizar a antecipação, e anteciparmos que a nossa refeição ficará abaixo da média.
Mas esta é, contudo, uma linha muito ténue. Segundo o estudo, se baixarmos constantemente as nossas expectativas, isso pode deixar-nos mais infelizes perante um acontecimento que temos em vista.
Os investigadores também concluíram que a felicidade é efémera. "Poderá pensar que há algo de errado consigo se não consegue sentir uma felicidade duradoura em torno de uma promoção, mas a alegria por tempo limitado é uma adaptação que ajuda o nosso cérebro a ajustar-se às nossas circunstâncias de modo a que estejamos preparados para dar o passo seguinte", diz o investigador Robb Rutledge, professor associado honorário da UCL.
Continua a perseguir uma esquiva sensação de felicidade? Leia o que se segue para descobrir o que mais diz a ciência sobre a forma de o conseguir…
O salário ideal
Sabemos que o dinheiro não compra a felicidade, mas decididamente que ajuda. No ano passado, a equipa de análise da empresa de serviços financeiros Raisin UK constatou que os britânicos precisavam de auferir um salário anual de 33.864 libras (39.558 euros) para se sentirem felizes. Eles chegaram a esta conclusão após analisarem os dados do instituto de estatística britânico (ONS) e do Índice Planeta Feliz para verem onde é que, no Reino Unido, as pessoas eram mais felizes.
Fora do Reino Unido, o cenário é diferente; os 10 países mais felizes do mundo têm um salário médio anual de 64.057,28 libras (74.828,5 euros). Mas um estudo realizado nos Estados Unidos concluiu que ganhar acima de 75.000 dólares por ano (62.780 euros) em nada contribuía para aumentar a felicidade das pessoas.
Número de horas de trabalho
A pandemia fez com que muitos de nós repensássemos o equilíbrio que fazemos entre a nossa vida profissional e pessoal. Mas, muito antes dos confinamentos, já havia acesos debates sobre qual a semana de trabalho ideal para as pessoas. Em março passado, investigadores da Universidade de Cambridge constataram que as pessoas mais felizes são as que trabalham em part-time, num regime de um ou dois dias por semana.
"O modelo tradicional, no qual todos trabalham cerca de 40 horas por semana, nunca se baseou no volume de trabalho que era bom para as pessoas", comentou Senhu Wang, um dos coautores do relatório. "A nossa investigação mostra que os microempregos trazem os mesmos benefícios psicológicos que os empregos a tempo inteiro", acrescentou.
E uma força de trabalho mais feliz é conhecida por ser uma força de trabalho produtiva: depois de realizarem inúmeras experiências para perceberem se os trabalhadores felizes trabalham com mais afinco, os economistas da Universidade de Warwick concluíram que a felicidade tornava as pessoas cerca de 12% mais produtivas.
Cinco bons amigos
Um estudo levado a cabo há 80 anos pela Universidade de Harvard constatou que os amigos chegados são um fator chave para a felicidade. E isso também tem um efeito dominó nos outros; segundo os investigadores desse estudo, um amigo que vive a 1,5 quilómetros de um amigo feliz tem mais 25% de probabilidades de ficar feliz. E um amigo desse amigo tem mais cerca de 10% de hipóteses de maior felicidade; e um amigo desse amigo mais 5,6% de probabilidade.
Esse é também o caso de quem, por norma, se acha introvertido; em 2007, um estudo sobre este tema concluiu que as variáveis da amizade representavam 58% da variância no grau de felicidade das pessoas.
O psicólogo evolucionista Robin Dunbar, da Universidade de Oxford, chegou à conclusão que o número máximo de amigos com que uma pessoa consegue lidar é 150. Desses, 100 estão na ténue categoria da amizade, 35 são menos chegados mas bons amigos, 10 são amigos que compõem a nossa rede social mais importante e 5 são amigos bastante íntimos – aos quais Dunbar se refere como o nosso "grupo de apoio".
O número certo de filhos
Quem quer que tenha filhos saberá que o stress e a felicidade tendem a andar de mãos dadas. Um estudo norte-americano revela que um segundo ou terceiro filho não tinha tornado os pais mais felizes. Segundo o autor do estudo, "se quiser maximizar o seu bem-estar subjetivo, deve ficar-se só por um filho". Um outro estudo constatou que dois filhos eram o número ideal e que ter mais do que dois não trazia alegria adicional aos pais.
Ainda assim, a ciência conflitua nesta questão, especialmente nas regiões com climas mais quentes. Um estudo levado a cabo em Perth (Austrália) concluiu que os pais com quatro ou mais filhos são os mais felizes. Bronwyn Harman, a principal autora desse estudo, assinalou que as famílias numerosas reportam fatores de stress, como o caos, ruído e dificuldades financeiras. No entanto, ela referiu que isto é mais do que compensado pela alegria que uma família grande traz.
"Genes felizes"
Alguns investigadores consideram que os nossos níveis de felicidade se resumem a uma questão de sorte. Um estudo feito em 2011 identificou provas de que as pessoas que têm um gene conhecido como 5-HTTLPR – um tipo de transportador de serotonina – reportavam uma maior satisfação com a vida do que aqueles que não o possuem.
Um estudo mais recente, conduzido pela Universidade de Yale, concluiu que uma variação genética que influencia os níveis de oxitocina, conhecida como genótipo GG, tornava as pessoas mais felizes nos casamentos. O estudo analisou 178 casais e constatou que aquele atributo genético era comum nas pessoas cujos casamentos eram mais sólidos.
Experienciar acima de possuir
Embora as pessoas pensem muitas vezes que possuir coisas caras as tornará mais felizes, a ciência revela o aposto. Em 2010, os psicólogos Leaf Van Boven e Thomas Gilvoch verificaram que, na verdade, viver experiências é algo que torna as pessoas mais felizes do que os seus pertences. Isso pode dever-se ao facto de se sentir culpa; o estudo revelou que, quando as pessoas compram coisas, elas tendem a sofrer do chamado remorso do comprador (como, por exemplo, lamentar ter esbanjado dinheiro num novo par de sapatos) e é frequente compararem os seus bens materiais com os de outras pessoas. No entanto, normalmente é mais difícil comparar as experiências das outras pessoas com as nossas.
Não quer isso dizer que devemos deixar de comprar coisas. Um estudo de 2014 publicado no Journal for Consumer Psychology constatou que os produtos que ajudavam os compradores a criarem uma experiência – compras experienciais, como livros e bicicletas – eram tão eficazes como as experiências de vida no que se refere a trazer felicidade.
Manter-se solteiro
Um estudo que decorreu ao longo de 40 anos, levado a cabo pela Universidade do Michigan, concluiu que os casais não são muito mais felizes do que quem é divorciado ou solteiro. Das 7.532 pessoas inquiridas, o grupo das casadas respondeu com um 4 – num máximo de 5 – ao classificar o seu grau de felicidade. Já as pessoas solteiras responderam, de forma consistente, com uma média de 3,82, ao passo que as pessoas divorciadas responderam com um 3,7.
Numa palestra no Hay Festival em 2019, o especialista em felicidade Paul Donlan passou essa mesma ideia. Ele disse que ao passo que os homens beneficiam com o casamento, porque os "acalma", as mulheres muitas vezes acabam por ficar mais insatisfeitas. "Vocês, homens (casados), assumem menos riscos, ganham mais dinheiro no emprego e vivem um pouco mais. Já a mulher tem de tolerar essa situação e morre mais cedo do que se não casar. O subgrupo mais saudável e feliz da população é o das mulheres que nunca casaram nem tiveram filhos".
Alice Hall/The Telegraph/Atlântico Press
Tradução: Carla Pedro
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