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Isto Lembra-me Uma História: O bigode de Bellerín

Jogadores de bigode há e houve muitos. E futebolistas cujo percurso foi marcado pelas excentricidades também não faltam na história do belo-desporto. Hector Bellerín, o catalão que este ano chegou ao Sporting, tem dado nas vistas por não ter exatamente o perfil do futebolista dos anos 2020.

Hector Bellerín, janeiro de 2022.
Hector Bellerín, janeiro de 2022. Foto: Getty Images
26 de fevereiro de 2023 | Diogo Xavier

O nome dele não era, de todo, estranho para quem acompanha o futebol: Hector Bellerín, espanhol da Catalunha, foi durante muitos anosjogador do Arsenal, de Londres. Podíamos não saber exatamente quem era este Hector nem ao certo em que posição jogava, mas o cartão de apresentação dificilmente poderia ser melhor: formado no Barcelona, foi transferido, ainda jovem, para o clube londrino, cujas cores defendeu, na equipa principal, ao longo sete épocas bem disputadas, fora as outras ocasiões em que, ainda nas equipas de formação (sub-21 e sub-23), foi disputando pontualmente jogos com o plantel principal.

Hector Bellerín, na altura no FC Barcelona, durante o aquecimento antes do jogo contra o Bayern Munique, outubro de 2022.
Hector Bellerín, na altura no FC Barcelona, durante o aquecimento antes do jogo contra o Bayern Munique, outubro de 2022. Foto: Reuteurs

Depois do Arsenal, que na época passada o emprestou ao Bétis de Sevilha, seguiu-se uma transferência que o fez regressar ao ponto de partida, o Barcelona. Todavia, a temporada não lhe correu de feição e o lateral-direito – exato, é nessa posição que habitualmente joga – viu numa vinda para o Sporting, com contrato de meio ano e para ocupar o lugar que o seu compatriota Pedro Porro deixara em aberto, a oportunidade para, como se diz em linguagem futebólica, "relançar a carreira".

Chegado a Lisboa, não demorou nem dois minutos a dar nas vistas: primeiro, pelo bigode; depois, pela franja. Quem o visse à saída do Aeroporto Humberto Delgado não havia de ter como primeiro pensamento que se tratava de um craque de futebol. O look de Bellerín sugeria outro perfil, e seria menos surpreendente que se dirigisse em seguida à Zona Franca dos Anjos ou à Galeria Zé dos Bois do que ao centro de estágios de Alcochete ou ao Estádio José de Alvalade.

Hector Bellerín, atualmente do FC Sporting, durante a eliminatória da UEFA Europa League contra o FC Midtjylland no estádio José Alvalade, em Lisboa, fevereiro de 2023.
Hector Bellerín, atualmente do FC Sporting, durante a eliminatória da UEFA Europa League contra o FC Midtjylland no estádio José Alvalade, em Lisboa, fevereiro de 2023. Foto: Getty Images

O bigode de Bellerín antecipou-se ao próprio jogador na entrada em cena no futebol português. E se este país é pródigo em bigodes no futebol - de Bento a Humberto Coelho, de Chalana a Pietra e a Veloso, de Frasco a Vermelhinho, de Artur Jorge a Carlos Manuel, só para mencionar alguns dos mais célebres, muitos foram os bigodes que fizeram vibrar as bancadas da Luz e das Antas, de Alvalade e do Restelo, do 1.º de Maio e do Calhabé. Não admira que, num país com tão longa e farfalhuda tradição supra-labial, o bigode magrinho e raro de Hector tenha dado mais nas vistas do que o seu internacional pé direito (Bellerín representou a seleção principal de Espanha em quatro ocasiões).

"Nós, os futebolistas, devíamos ser quem paga mais impostos", disse o catalão no princípio deste ano para espanto de muitos. Como assim, pagar mais impostos? Numa era em que mesmo os jogadores mais bem pagos do planeta tudo fazem para contornarem e fugirem às suas obrigações fiscais, há um futebolista que defende mais impostos para a sua classe? "Sim, eu sou de esquerda", afirma Hector, o excêntrico. "Devíamos ser nós a mostrar vontade de ajudar na estabilidade da sociedade", acrescentou.

Hector Bellerín num desfile da Louis Vuitton durante a Semana da Moda de Paris dedicada às coleções masculinas Primavera/Verão 2020.
Hector Bellerín num desfile da Louis Vuitton durante a Semana da Moda de Paris dedicada às coleções masculinas Primavera/Verão 2020. Foto: Getty Images

Quem segue o futebol de perto, e quem bebe desse fenómeno as alegrias e as tragédias de um universo que tem tanto de belo como de falso, tanto de inspirador como de insólito, estará habituado a uma ou outra excentricidade. "Gastei muito do meu dinheiro em álcool, mulheres bonitas e carros velozes", disse um dia George Best. "O resto, esbanjei", acrescentou. Eric Cantona, conhecido pelo seu lendário mau feitio, certa vez agrediu um adepto – em pleno jogo, atirou-se do relvado para a bancada, de pé verdadeiramente em riste, como um karateca, só porque o adepto se meteu com ele. Por falar em mau feitio, Vinnie Jones, que hoje é conhecido por ser um ator-fétiche de Guy Ritchie, foi, nos seus tempos áureos de futebolista – o termo é aplicado lato sensu –, o líder de um grupo de jogadores do Wimbledon a quem chamavam Crazy Gang. Zlatan Ibrahimovic, Paul Gascoigne ou Diego Maradona, todos eles foram protagonistas de episódios excêntricos, todos eles enriqueceram o imaginário do futebol com as suas lendas, as suas manias, as suas manos de Dios. Por cá, na década de 1970, Vítor Baptista, que se auto-intitulava, sem pingo de modéstia, "o maior", certa vez parou um derby, um Benfica - Sporting, em pleno Estádio da Luz, diante de mais de 70 mil pessoas, porque alegadamente perdera um brinco na área sportinguista depois de marcar um golo e decidiu que tinha de procurá-lo (e procurou-o, e os colegas ajudaram-no, até o árbitro participou nas buscas – mas tristemente o brinco nunca foi encontrado).

Hector Bellerín nos prémios Homem do Ano 2022 da GQ em Madrid, novembro de 2022.
Hector Bellerín nos prémios Homem do Ano 2022 da GQ em Madrid, novembro de 2022. Foto: Getty Images

Acontece que a excentricidade de Hector Bellerín é de outro calibre. Só usa peças de roupa em segunda mão porque se preocupa com o planeta e o irrita o consumismo excessivo (surge numa foto com um adereço da Prada, mas sendo em segunda mão dá-se o desconto). Só lê livros de autoras femininas porque acredita que as mulheres precisam de mais voz e que os homens necessitam de saber o que elas têm para dizer. É vegano por razões de sustentabilidade e por respeito aos animais. Não, Bellerín não é da mesma estirpe que aqueles outros. Por trás daquele bigode fino, para lá daquela franja fraturante, apresenta uma excentricidade madura, consciente, construtiva. Goste-se ou não, não faz o que faz nem diz o que diz só para ter protagonismo, mais 15 minutos de fama, mais atenção e mais retorno. 

Na GQ espanhola com um chapéu Prada em segunda mão.
Na GQ espanhola com um chapéu Prada em segunda mão. Foto: @HectorBellerin/@GQSpain

A excentricidade de Bellerín encontra maior paralelo em Puyol do que em Vinnie Jones ou George Best. O que o distingue dos outros é ser correto e decente, muito mais do que ser extravagante ou exibicionista. E, tal como Bellerín, também Carles Puyol é catalão, também Carles Puyol representou o FC Barcelona, também Carles Puyol mostrou ao longo dos anos como profissional de topo alguns traços de excentricidade, pormenores e comportamentos que fugiam à norma cada vez mais uniformizada. E, uma vez mais, tal como Bellerín, também Puyol fez do seu bom coração e da sua retidão, enquanto jogador e enquanto cidadão, as suas maiores excentricidades. Hector, com o seu bigode, talvez aponte para uma maneira diferente, mais livre e, quiçá, mais saudável de um jogador ser profissional de futebol.

Saiba mais Hector Bellerín, Futebol, Bigode, Sporting, Barcelona, Chalana, Isto Lembra-me Uma História
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