Tem medo de falhar? A sua felicidade depende disso
Numa altura em que se celebra o sucesso e a felicidade, como lidar com os fracassos? E conseguir “dar a volta por cima”, numa sociedade que dita que temos de estar sempre bem, felizes e realizados? Uma socióloga e quatro empresários com negócios de insucesso explicam o paradoxo, num contexto atual.
Não podemos comprometer a exatidão das estatísticas, mas diríamos que pelo menos a cada semana é lançado um novo livro sobre mindfulness ou felicidade - ou ambos. De repente, e nos últimos anos, parece que toda a gente deve saber (nascer?) a praticar a arte da atenção plena. Ninguém nega que existem verdadeiros benefícios na meditação mas ser feliz permanentemente é algo irreal. Mas o que é isso de ser feliz a toda a hora? "Sentir-se infeliz é natural, tem de fazer parte da nossa vida, e experimentar fases de insatisfação e de infelicidade é, em última análise, a grande condição para ir em busca da felicidade, para agir e sair da insatisfação. E como todos somos diferentes, todos fazemos e construímos este caminho de modo diferente", começa por explicar Maria José Núncio, socióloga e professora no ISCSP. "Estamos, portanto, perante a generalização de dois grandes erros: o primeiro erro é o da afirmação da possibilidade de existência da felicidade permanente. O segundo erro está em pretender que exista uma espécie de fórmula infalível e universal para alcançar a felicidade."
A felicidade está, sem dúvida, relacionada com a ideia de inteligência emocional, como explica Oliver James no livro Como desenvolver a inteligência emocional. "É muito anormal que um adulto, em qualquer país desenvolvido, seja completamente saudável a nível mental. De facto, pode até ser raro em todos os ambientes urbanizados e industrializados" escreve o autor, acrescentando ainda que "a inteligência emocional também não deve ser confundida com ideias de "satisfação pessoal" ou "bem-estar", nem com a felicidade. Esta última é geralmente um estado fugaz (…) cuidado com os autores que oferecem felicidade. É banha da cobra psicológica". Em concordância com esta ideia, Maria José Núncio ressalva que "todos somos únicos e irrepetíveis, nas nossas trajetórias de vida, na nossa personalidade, nos nossos contextos sociais e nas nossas expetativas e aspirações, a ideia de vender a felicidade em manuais de consumo de massa é, obviamente, um erro. Todos esses livros devem ser entendidos como sugestões, exemplos, caminhos e possibilidades, que servirão para algumas pessoas e que não terão qualquer possibilidade de ser utilizadas por outras."
E chegamos à questão derradeira. Aceitamos verdadeiramente que não somos perfeitos? Que a felicidade não é um estado permanente e infungível? Que como seres humanos vamos falhar e que o erro faz parte do crescimento pessoal? Na semana passada chegou a Portugal um evento mundial que se dedica a ouvir oradores com negócios falhados, como forma positiva de mostrar o outro lado do insucesso. No evento Fuckup Nights Lisboa, organizado por Ruben Obadia (da agência de comunicação Message in the Bottle) os empresários Ricardo Belo de Morais, Gianluca Pereyra, Bernardo Sousa Macedo e João Correia partilharam, com humor, as suas histórias de insucesso. "Falamos tanto do sucesso e temos tanta vergonha do insucesso, escondemo-nos e não partilhamos. Eu acredito muito mais em alguém que conta uma história honesta sobre como falhou do que em alguém que me conta uma história do seu sucesso", começa por explicar Ruben Obadia.
Toda a gente, em algum momento da sua vida, idealiza uma ideia de negócio que pode ser genial. Poucos podem fazer o estudo de mercado necessário para que essa ideia se concretiza da melhor forma. Foi o caso de Gianluca Pereyra. Este jovem queria ser o proprietário do tempo de espera que antecede o "beep" antes de alguém atender uma chamada, a fim de vender esse espaço para publicidade. Se aquele tempo não pertencia às operadoras de comunicação, porque não pertencer-lhe a ele? Construiu uma aplicação com um amigo, que no final rendeu 300 euros, algum prejuízo, e uma lição para a vida. No caso de Ricardo Belo de Morais, por exemplo, tudo foi mais complexo. Deixou acumular dividas, que ainda hoje paga mensalmente, por não ter fechado a sua agência de publicidade em tempo útil, a Belo de Morais & Associados. Esse erro fatal levou a que ainda hoje esteja a ser penhorado, mas encontrou um significado novo para a vida: um lugar na Casa Fernando Pessoa que confirmou a sua paixão pela obra do português. Hoje, leva as palavras de Pessoa ao mundo. Já Bernardo Sousa Macedo, empresário ligado à tecnologia já viveu várias histórias de insucesso. Diagnosticado com Síndrome de Asperger, que já não é considerada uma variante de autismo, este síndrome dificultou-lhe o relacionamento com as pessoas, no início. Por último, João Correia partilhou a sua improvável história, que apesar de ser uma narrativa de insucesso não lhe rouba autenticidade e carisma. João era biólogo marinho (trabalha com tubarões) no Oceanário quando criou a sex shop Alalunga [nome científico de um atum voador] Lingerie, que acabou por ser também patrocinadora de festas de bondage. João Correia adquiriu o seu primeiro Porsche, dada a explosão de vendas que obteve com a loja. Até teve um corner no El Corte Inglés (vendia entre 30 a 40 mil euros em cada estação) e tudo corria bem até que o negócio começou a desmoronar. Agora, e embora também tenha sofrido alguns percalços, está à frente da Flying Sharks, a primeira empresa portuguesa de captura e transporte de peixes vivos.
O que liga estas quatro histórias? Falhanço, aprendizagem, e por fim otimismo. "Se repararmos, a evolução das sociedades, as mudanças, resultam sempre de uma insatisfação, de alguma inquietação, da vontade de melhorar, de avançar, de progredir. Ora, se isto é verdade para os coletivos sociais é-o, ainda mais, para as existências individuais", explica Maria José Núncio. "As pessoas precisam de experimentar a dúvida, a incerteza, o fracasso, a frustração de expetativas, para se transformarem e evoluírem. A insatisfação é, de facto, um importante motor de transformação e progresso sociais e individuais." No artigo Why Failure is so Important, publicado na revista Forbes, é explicado que "o fracasso e, mais importante, o estudo dos infortúnios alheios são uma das ferramentas educacionais mais importantes que temos" e revela-se que existe uma plataforma para que empreendedores, investidores, desenvolvedores e designers de tecnologia estudem as suas próprias falhas e as de outras pessoas e se preparem para o sucesso - a thefailcon.com.
Porque é que se falhar é tão comum a todos os seres humanos, tendemos a não aceitar que isso aconteça e só mais tarde percepcionamos a falha como uma aprendizagem? Esta socióloga explica que está tudo, em parte, relacionado com a educação. " Faz-nos falta uma educação menos padronizada e mais reflexiva, pois só assim se promove a afirmação da nossa real identidade e das nossas reais aspirações, ou seja, as aspirações que, realmente, têm a ver com a pessoa que nós somos e em quem nos queremos tornar e não a pessoa que as redes sociais, a publicidade ou a própria escola nos dizem que devemos querer ser", acrescentando que "nos faz falta promover a resiliência, educar usando o não (porque só assim se valorizarão verdadeiramente os sins), educar sem ceder às pressões do imediato, dar tempo e darmo-nos tempo para digerir a frustração e o insucesso e construir a partir deles, à nossa maneira, do modo que faz sentido para nós e que nos pode melhorar e desenvolver enquanto pessoas, a partir da experiência individual e não a partir das respostas padronizadas."
Tal como Gianluca, Ricardo, João e Bernardo, todos nós falhamos, à escala empresarial ou na vida pessoal, e no final do dia é preciso racionalizar o insucesso transformando-o numa ferramenta para o futuro. "Importa, ainda, consciencializarmo-nos de que devemos tentar realizar os nossos objetivos e alcançar as nossas metas, mas que nem sempre o vamos conseguir, por razões várias, umas que dependem de nós e outras que nos são alheias. E quando não conseguimos alcançar a meta a que nos propusemos, isso não nos torna uns "falhados", mas antes alguém que ousou e tentou e quis mudar e que, com isso, aprendeu e, por aprender, se tornou um ser humano mais rico. Se não o fizermos, essa pressão social para um dito "sucesso" levar-nos-á sempre à ansiedade e à insatisfação",conclui Maria José Núncio.
4 tendências que propagam a ideia de felicidade e sucesso permanentes, por Maria José Núncio
"Do ponto de vista sociológico, a generalização da ideia de felicidade e sucesso permanentes radica em diferentes fenómenos, dos quais destacarei quatro, que me parecem os mais relevantes", explica Maria José Núncio.
1. Desde logo, na própria sociedade de consumo e nos seu crescente poder e influência nas nossas vidas. O consumo massificado assenta, justamente, na procura da satisfação permanente, na criação de necessidades que devem ser satisfeitas de imediato, para que nos possamos sentir felizes e realizados. E, imediatamente a seguir, são-nos propostas novas necessidades, que teremos de satisfazer, pelo que vivemos na permanente ambivalência da percepção de felicidade e de realização, mas sempre de carácter muito fugaz. A pressão social para a felicidade torna-se, assim, muito forte e, nesse sentido, quase que nos "obriga" a uma busca incessante de novas formas de felicidade, plena, absoluta e permanente, o que é, desde logo, uma falácia, pois ninguém vive em estado de felicidade permanente, nem com permanente sensação de sucesso. E ainda bem que é assim, pois é, justamente, a natureza intermitente da felicidade nas nossas vidas que permite que a reconheçamos como tal.
2. O outro fenómeno é o da generalização e banalização da própria ideia de meritocracia que, se do ponto de vista conceptual e puramente teórico, é muito válida, na prática reveste-se de uma complexidade multiforme que a torna muito pouco linear. Porque a verdade é que, levada à letra, a meritocracia possibilitar-nos-ia, ser, pelo menos virtualmente, realizar tudo e ser tudo, bastando para tal que aplicássemos a dose de esforço e trabalho necessárias a tal. Ora, nós sabemos que, a montante (contextos sociais de origem, por exemplo) e a jusante (conjunturas socioeconómicas, culturais ou políticas, também por exemplo) existem obstáculos reais a essa realização plena. No entanto, não somos alertados, nem preparados para isso, para a existência desses obstáculos, que são exteriores a nós, pelo que, quando não conseguimos atingir as expetativas (tantas vezes excessivas), sentimos que os outros (a sociedade) nos vais considerar incapazes, incompetentes ou falhados.
3. Um terceiro fenómeno, ligado de certa forma ao anterior, é um maior individualismo e um esboroamento do sentido de comunidade, que levou a uma maior competitividade (a outra face da moeda da busca pelo sucesso) e a um maior fechamento dos indivíduos.
4. Um quarto fenómeno tem a ver com o poder das redes sociais e até de alguma comunicação social, que tornam visíveis e escrutináveis as existências alheias, mas, obviamente, apenas as partes "bonitas", "agradáveis", "glamourosas" e "bem-sucedidas" dessas existências. Perante isto, a tendência é para achar que as vidas dos outros são sempre perfeitas, felizes e bem-sucedidas e, por comparação, a nossa própria vida é rotineira, menos feliz, menos bem-sucedida.
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