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Elon Musk. A tentação do Super-homem

O patrão da Tesla, da SpaceX e do Twitter tanto é provocador como incontrolável. O autoproclamado demiurgo ainda não parou de experimentar novos limites.

Elon Musk na MET Gala em 2022.
Elon Musk na MET Gala em 2022. Foto: Getty Images
02 de agosto de 2023

Quando era criança, Elon Musk pensava que toda a gente era como ele. Foi quando se apercebeu que a maior parte das pessoas não sabia como funcionava (verdadeiramente) um interruptor, que soube que era mais inteligente do que os outros. Ele sabia como funcionava o interruptor (obviamente), mas ele não é como nós. Ele tem um QI de 155 e uma fortuna que que ronda os 200 mil milhões de dólares. Já todos sabemos que está à frente da Tesla e do SpaceX, que tornou os carros elétricos cool, e que quer colonizar Marte num futuro próximo. Comprou também o Twitter numa história com contornos intermináveis. Mas será que já todos sabemos que ele cresceu com um pai diabólico e que tem 9 filhos? (pelo menos até agora).

Como é frequente, por detrás das histórias de visionários megalómanos esconde-se uma infância atormentada. E a de Elon Musk começa com os seus pais a pensar que ele é surdo, porque nunca lhes responde. Uma catrefada de testes revela que ele ouve muito bem. Às vezes só não lhe apetece responder...E isto já revela muito sobre a sua maneira de ser e o ambiente familiar que o rodeia. Cresceu na África do Sul, sendo um de três irmãos. Na escola, já fazia linhas de código, e vestia-se de forma elegante, como um bom filho de engenheiro (que é o que o seu pai é). O seu lado "sabichão" afastava-o das outras crianças. Até o irmão e a irmã o achavam "sem graça". Na biografia do jornalista Ashlee Vance, publicada em 2015, é contado o dia em que o seu primo lhe confessa ter medo do escuro. A resposta desumana do jovem Elon é a seguinte: "o escuro é simplesmente a ausência de luz."

Elon Musk em Palo Alto, na Califórnia, 2000.
Elon Musk em Palo Alto, na Califórnia, 2000. Foto: Getty Images

Na escola ele tinha o perfil ideal para ser vítima de bullying: demasiado pequeno, demasiado inteligente e demasiado fã de ficção científica. "Um dia, uns rapazes empurraram-no pelas escadas abaixo e bateram-lhe"... conta Ashlee Vance. "Elon foi hospitalizado durante uma ou duas semanas. Na África do Sul dessa época, a cultura da masculinidade viril e atlética estava muito presente. E Elon não fazia qualquer tipo de desporto..." Em casa era ainda pior, "o meu pai estava sempre a tratar-me por idiota. Vocês nem imaginam o quanto é má pessoa", disse um dia sem dar grandes explicações. Podemos então perguntar porque é que, quando os seus pais se divorciaram em 1979, ele escolheu ficar com o pai, aos 8 anos de idade. E podemos perguntar o que fez a mãe para proteger o seu filho. Maye Musk é atualmente uma das modelos sénior mais importantes do mundo, é um dos rostos da L'Oréal. Mas na Pretória dos anos 70, também ela foi vítima da violência do seu marido. Uma lei promulgada na África do Sul deu-lhe uma razão legal para se divorciar. Sobre os seus dois filhos, diria mais tarde, "Kimbal era o filho perfeito. O Elon, tinha de andar sempre à procura dele. Ele desaparecia, caía, feria-se, recusava-se a dormir para poder ler a noite inteira... Na escola ele não tinha amigos, isso era difícil para uma mãe."

Maye Musk com o filho Elon Musk na festa da Vanity Fair após a 89ª edição de entrega dos Academy Awards, 2017
Maye Musk com o filho Elon Musk na festa da Vanity Fair após a 89ª edição de entrega dos Academy Awards, 2017 Foto: Reuters

Aos 15 anos, Elon Musk tem 1,80 m de altura e aprendeu a lutar. Ele já não é o miúdo que fica encolhido ao fundo das escadas da escola, mas é praticamente só isso que mudou. O seu livro preferido continua a ser O Guia do Viajante Ultra Galáctico. Segundo os especialistas, nessa altura, ele tem cada vez mais dificuldade em dissociar a fantasia da realidade. É aí que começa a pensar que o futuro da humanidade está no universo e que essa será a missão da sua vida. Em lado nenhum se diz quando soube que tinha Síndrome de Asperger. Mas anunciou-o publicamente no palco do Saturday Night Live, em Maio de 2021: "Eu reinventei o carro elétrico e vou enviar pessoas para Marte a bordo de um foguetão. Como podem pensar que sou um tipo fixe e normal?", perguntava.


Aqueles que o conheceram evocam com frequência a sua instabilidade emocional. A maior parte das vezes passa ou por um génio, ou por um louco, e muitas das vezes passa pelos dois. Por um lado, faz as suas tropas que o seguem sonhar, galvaniza-as com a sua visão utópica do mundo, tem uma imagem de dirigente capaz de fazer piadas no Twitter (ainda que duvidosas), e usa t-shirts do Mickey nas conferências. Por outro, muitos empregados descrevem-no como um homem tirânico, cruelmente desprovido de humanidade – foi por ser detestável, que foi despedido do seu cargo de diretor executivo da PayPal em 2000.

Mas Elon Musk, o que quer é ser único. Não quer ser parecido com ninguém, e sobretudo não quer ser parecido com Steve Jobs. Ele disse uma vez: "Se um dia estiver prestes a morrer e estiver com uma camisola de gola alta vestida, o meu último folego vai ser usado para tirar essa gola alta e mandá-la para o mais longe possível". Tal como o fundador da Apple, ele é atualmente o ídolo de uma geração. Para alguns, a ideia de se juntarem às empresas de Elon Musk é como fazer parte do Santo Graal, mas é também uma forma de se apagarem voluntariamente das suas vidas.

Elon Musk na sede da Tesla na Califórnia, 2006. 
Elon Musk na sede da Tesla na Califórnia, 2006.  Foto: Getty Images

O patrão exige aos seus empregados que trabalhem mais de 80 horas por semana; é também conhecido por impor prazos impossíveis de cumprir às suas equipas, ao ponto de um antigo engenheiro afirmar que na SpaceX era preciso pedir autorização para ir à casa de banho... Tim Higgins, um jornalista do Wall Street Journal, autor de um livro sobre o management de Musk, Power Play, diz que ele ultrapassa de longe os limites da perversidade: "uma vez ouvi-o dizer que queria despedir alguém por ter uma gralha na apresentação que tinha feito no PowerPoint."

Elon Musk numa apresentação da Tesla em 2015, na China
Elon Musk numa apresentação da Tesla em 2015, na China Foto: Getty Images

AMOR e inseminações

A sua desastrosa desumanização vê-se também na sua vida amorosa. A prova está na pergunta que Elon Musk fez um dia ao jornalista Ashlee Vance: "Quanto tempo é preciso dedicar a uma mulher numa semana? Talvez dez horas? É o mínimo? Não sei..."

A sua vida amorosa começa no início dos anos 90, na Universidade Queens, no Canada, para onde foi estudar. Aos 19 anos, ele começa a fazer olhinhos a uma estudante do primeiro ano, Justine Wilson. Ela tem 18 anos, sonha em ser escritora, e apelidou-se como sendo a starter wife ("a mulher da fase de arranque"). E ele conquistou-a somente com um gelado. Ou melhor... convidou-a para irem comer um gelado. Ela recusou, e ele foi na mesma buscar dois gelados. Justine Wilson diz que aprendeu uma coisa essencial nesse dia: "para ele, ‘não’, não serve como resposta."

Justine Wilson com Matt Petersen, CEO da Global Green Usa, na festa pré-óscar da Global Green USA, 2011.
Justine Wilson com Matt Petersen, CEO da Global Green Usa, na festa pré-óscar da Global Green USA, 2011. Foto: Getty Images

Quando a pediu em casamento, dez anos mais tarde, Elon Musk tem já 22 milhões de dólares na sua conta bancaria provenientes da venda da sua primeira empresa, Zip2, uma start-up que produzia conteúdos online para a imprensa. Criou-a com o seu irmão Kimbal.

Com Justine, ele descobre a vida de luxo, a primeira mansão de 2000 metros quadrados em Bel Air, em Los Angeles, os carros a preço exorbitante, as primeiras loucuras... Ela chama-o o seu "Alexandre, o Grande", mas vive também as relações complexas que Elon Musk entretém com os outros. No dia do casamento, no momento da primeira dança, ele diz-lhe ao ouvido: "eu sou o alfa do nosso casal..." Quando o primeiro filho do casal, Nevada, nasce dois anos mais tarde e morre no berço com apenas 10 semanas, Justine fica devastada. Ele recusa – e vai continuar a recusar – falar no assunto. Em 2004 têm gémeos, e depois trigémeos em 2006.

Aos 35 anos, Elon Musk já tem 5 filhos. Com o decorrer dos anos, Justine fica cada vez mais isolada, e vai ficando cada vez mais magra e cada vez mais loira – um tropismo de Elon.

Elon Musk com os filhos Griffin, Kai, Saxon e Damian, numa visita ao Vaticano com o Papa Francisco, julho 2022.
Elon Musk com os filhos Griffin, Kai, Saxon e Damian, numa visita ao Vaticano com o Papa Francisco, julho 2022. Foto: Twitter @elonmusk

Em 2008, ele pede o divórcio de forma inesperada. Ela só se apercebe quando numa loja o seu cartão de crédito é recusado no momento em que está a pagar. Atualmente, mais de vinte anos depois, Justine lida com o assistente de Elon Musk para falar do único assunto que os une, os seus cinco filhos. 

Os elfos estão entre nós

A segunda mulher da sua vida é uma atriz britânica, Talulah Riley. Ele conhece-a no momento em que se está a divorciar, em 2008. Tem então 37 anos, ela tem 23. É morena – mas passado pouco tempo vai começar a descolorar os cabelos –, e vai vivenciar de perto o período mais "difícil profissionalmente " de Elon Musk. Ele mesmo qualifica o ano de 2008 como "o pior ano da sua vida", a Tesla e a SpaceX estão à beira da banca rota nesse ano.

Taluah conta mais tarde que ele era invadido por pesadelos durante a noite, que gritava agarrado a ela. Não se sabe realmente porque se divorciam em 2012, dois anos depois de terem casado, e também se desconhece a razão que os faz casar novamente um ano mais tarde, para se voltarem a divorciar em 2016... Nessa altura, a vida privada dos patrões da Tech não era tão escrutinada como é atualmente. A imprensa cor-de-rosa começa a interessar-se mais nestes casos no momento em que Jeff e MacKenzie Bezos se divorciam, ou também Bill e Melinda Gates.

Talulah Riley com Elon Musk na festa da Vanity Fair após a cerimónia de entrega dos Academy Awards em 2014.
Talulah Riley com Elon Musk na festa da Vanity Fair após a cerimónia de entrega dos Academy Awards em 2014. Foto: Reuters

Depois, a relação de Elon Musk com a atriz Amber Heard vai apaixonar o grande público. Sobretudo porque a relação deles vai começar no momento em que a atriz acaba de se separar de Johnny Depp, em 2016. Seis anos mais tarde, durante o processo que opõe a atriz a Johnny Depp, ele vai acusá-la de adultério, afirmando que ela tinha tido uma relação com Elon quando ainda estavam juntos.

A sua história de amor com a atriz só vai durar alguns meses, mas diz-se que ela lhe partiu o coração. Diz-se que Amber Heard terá sido a única por quem Elon abrandou o seu ritmo de vida. Dessa relação ficámos com algumas fotografias tiradas por tablóides, onde um Elon Musk na quarentena se mostra um pouco diferente, parece-se menos com um homem de negócios e mais com um cantor de rock maldito, o cabelo curto e despenteado, de calças de ganga e t-shirts pretas... Depois desta curta, mas intensa relação, parece que tudo lhe passa ao lado. A um jornalista, que o entrevista em 2021, ele pergunta de maneira um pouco atabalhoada: "Conheces alguém com quem eu possa ter um date? É tão complicado para mim conhecer pessoas..."

Amber Heard e Johnny Depp na 27ª edição do Palm Springs International Film Festival Awards Gala na Califórnia, 2016.
Amber Heard e Johnny Depp na 27ª edição do Palm Springs International Film Festival Awards Gala na Califórnia, 2016. Foto: Reuters

Depois deste desgosto de amor, ele vai conhecer uma outra mulher através do Twitter que nada tem a ver com as outras. Claire Boucher (mais conhecida por Grimes) é uma cantora canadiana de música pop alternativa muito em voga no meio da música underground. Tem as unhas compridas pintadas de preto, usa o cabelo descolorado branco ou azul, consoante a fase em que está, sonha em ter orelhas de elfo e meteu uma vez parte da sua alma à venda num leilão, por 10 milhões de euros. Resumindo, muitos perguntam se ela não será a esposa ideal para Elon Musk. Quando se conhecem ele tem 47 anos. Nas atividades que evocam ter enquanto casal, gostam de perguntar um ao outro se são reais. "Temos frequentemente este tipo de conversa em que Elon me pergunta: 'És real ou estamos a viver numa memória minha, em que foste criada para seres a minha companheira'?". No quotidiano ela exerce uma real influência sobre ele. Terá sido Claire que o incentivou a vender as 7 propriedades que tinha pelo mundo fora, para viver de forma mais sóbria. Em 2020, Grimes faz com que Elon Musk seja pai pela sexta vez.

Grimes e Elon Musk na MET Gala em 2018.
Grimes e Elon Musk na MET Gala em 2018. Foto: Getty Images

Deu ao filho o nome X AE A-XII (X, para a variável desconhecida, AE, a grafia élfica de Ai, que significa amor e/ou inteligência artificial, A-XII para Arcanjo 12, o avião mais cool do planeta segundo Musk). No dia a dia chamam-lhe só X, é mais simples.

No outono de 2021, vão anunciar uma "semi-separação", o que não os impede de dar as boas-vindas a uma segunda criança dois meses depois, uma filha nascida via uma barriga de aluguer. O seu nome: Exa Dark Siderael. Exa para evocar o poder de computação exaflop, Dark para a ausência de fótons, e Siderael significa sideral em élfico. Mas eles chamam-lhe só Y. Ainda que continuem "semi-separados" não excluem projetos de outros filhos no futuro.

Elon Musk com o filho X AE A-XII no Miami Grand Prix em Miami, maio de 2023.
Elon Musk com o filho X AE A-XII no Miami Grand Prix em Miami, maio de 2023. Foto: Reuters

Entretanto, Elon Musk teve mais dois filhos. Gémeos de cuja existência tomámos conhecimento em julho de 2022, mas que teriam nascido em outubro de 2021 (antes de Y, portanto). A identidade da mãe: Shivon Zilis, 36 anos, responsável da sua última empresa, a Neuralink, que pretende ligar o cérebro humano diretamente a um computador. O que eleva o número de filhos de Elon Musk para nove. Têm entre 1 e 18 anos de idade. São crianças que ele educou com princípios pouco comuns. Em casa, decretou regras um tanto estranhas. Regra número 1: não entrar em pânico. Regra número 3: segurança. Elon Musk explica que não há regra número 2. Mas isso não significa que a regra número 3 tenha de tomar o lugar da regra número 2.

Shivon Zilis, mãe dos últimos dois filhos de Elon Musk.
Shivon Zilis, mãe dos últimos dois filhos de Elon Musk. Foto: Twitter Shivon Zilis

Por outro lado, o medo de que os seus filhos sejam demasiado mimados é uma obsessão. Sente que os filhos não estão a sofrer o suficiente, e isso incomoda-o. Questiona-se se não deve criar uma espécie de "adversidade artificial" para os endurecer. Ele não é de todo o pai ideal, também não é o homem ideal. Segundo Tim Higgins, Elon Musk está sobretudo sozinho: "Ele vive essencialmente no escritório ou vive no avião, numa deslocação entre dois escritórios de empresas diferentes. Em muitos aspetos, é um homem muito solitário. Dedicou-se ao seu trabalho. Muitas das pessoas não o conseguem acompanhar. Entram no mundo dele durante alguns anos, depois retiram-se." Um mundo que é difícil de compreender, e no qual é difícil de se entrar ou sair. Uma visão extraordinária, mas também assustadora, ver mesmo em alguns casos, perigosa.

A maneira como tomou conta do Twitter e o poder que alcançou a Starlink (a sua constelação de satélites), é capaz de assustar alguns chefes de Estado. E é essa a ambiguidade de Elon Musk, que levanta questões sobre a forma como olhamos para os génios. Parece desumano, impiedoso, desajustado, e ao mesmo tempo dá uma imagem de um super-homem, um ser quase sobrenatural, que torna possível o impossível.

E ele vai - talvez - salvar o mundo?

Créditos
Marion Galy-Ramounot / 
madame.lefigaro.fr / Atlântico Press
Traduzido por Tiago Manaia

Saiba mais Elon musk, SpaceX, Tesla, Twitter, Grimes, Amber Heard, Multimilionário, Inteligência Artificial, Espaço
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