Origens marca cena gastronómica em Évora. Entrevista com os proprietários
Eugénia e Gonçalo Queiroz abriram o restaurante há sete anos. A presença de pratos de autor rompeu com o panorama gastronómico da cidade e foram os próprios clientes que insistiram na ideia. Vidas de um casal atarefado.
A Eugénia Queiroz está "emprestada" ao Alentejo?
Nasci em Moçambique e vim para Portugal com um ano. Cresci no Barreiro até aos 17 anos, e com essa idade, em 1999, entrei para a Universidade de Évora em Matemática Aplicada e por aqui fiquei. O Alentejo faz parte de mim, já estou há mais tempo aqui do que no Barreiro, os avós do meu pai eram de Sousel, penso que essa costela me puxou para esta região. Évora é uma cidade linda, temos sempre coisas para descobrir, nem que seja um candeeiro ou uma janela diferente na rua. Fica perto de tudo e em uma hora estou em Lisboa, na praia ou em Espanha.
E a restauração veio de onde?
Sempre jantei fora com o meu pai, recordo-me que ele era muito exigente no serviço e, até comigo, limpar a boca antes de beber, cuidado com os cotovelos. Quando entrei para universidade quis a minha independência, então comecei a fazer alguns serviços nos hotéis para pagar os estudos e fui barmaid no final do meu curso universitário.
Como surgiu a ideia de abrir o restaurante Origens?
Sempre esteve nos planos futuros do Gonçalo abrir o seu espaço, mas foi uma opção C. O plano era o meu marido ir para um hotel e eu abrir uma associação para ajudar mães e bebés – tenho formação de Doula e Amamentação. As opções em Évora não encheram as medidas ao Gonçalo, por isso optámos por abrir o Origens, com pratos a refletir a sua identidade enquanto cozinheiro e trabalhar tudo o mais local possível, tanto na comida como nas bebidas.
Foi um risco abrir uma cozinha moderna em Évora? Como superou as dificuldades?
No início tínhamos comida de autor e pratos mais comerciais, mas com o tempo os clientes que nos procuraram pediam para fazermos pratos de autor. As dificuldades foram ultrapassadas com muita luta, desde fazer finger food na rua para nos conhecerem, falar com as embaixadas, câmaras, bancos. Aos poucos fomos criando a nossa identidade e julgo que valeu a pena.
Porque optou pelos vinhos?
Não estava nos meus planos seguir a área dos vinhos, o meu background é a Matemática, depois disso fui professora de dança muitos anos, por isso pensei em ajudar a organizar a sala do restaurante e depois seguir com o meu projeto. No entanto, fui visitando adegas e, depois de tirar o Wine & Spirit Education Trust (WSET)1, percebi que gostava de ensinar sobre vinhos. Aprofundei os meus conhecimentos e acho que ainda tenho muito que aprender.
Gostava de fazer vinho? Qual?
Na brincadeira digo que gostava de tirar enologia para aprofundar conhecimentos. Se tivesse de criar um vinho, escolheria um tinto talvez um blend com boa acidez, fruta preta, corpo médio, mais crocante e final longo. Usaria castas como a Touriga Nacional, Petit Verdot e Syrah. Ou se quisesse ser ousada gostava de fazer um bom espumante só com castas brancas.
Como concilia a vida profissional com a familiar?
Ser mãe de três, trabalhar em hotelaria e não poder deitar os nossos filhos todos os dias, ou não poder tirar férias quando eles estão, é complicado emocionalmente para nós e para eles. Temos várias estratégias: tomar um pequeno-almoço de qualidade, acompanhá-los à tarde, levá-los às atividades e ajudar nos trabalhos de casa. Ser proprietária tem algumas regalias como poder sair mais cedo quando o serviço está terminado e conseguir deitá-los, poder assistir aos espetáculos de ballet ou concertos no conservatório. No nosso caso, optamos por fechar o restaurante aos domingos para ser o dia em família.
O seu dia no restaurante é atarefado?
Ir as compras para o restaurante, abrir a garrafeira, tratar de stocks, conferir encomendas, responder a e-mails e reservas. Planificar as coisas para o dia e servir os almoços. Repor as bebidas e preparar tudo para o jantar. Ao final da tarde deixar os miúdos na ama e ir para o restaurante e fazer o serviço dos jantares. No final da noite repor tudo, limpar, responder a e-mails, gerir reservas e fazer encomendas. Finalmente, ir para casa, ficar a ver uma série com o marido e descansar.
O Gonçalo Queiroz já conhecia bem os alentejanos…
Nascido em Lisboa em 1985, costumo dizer aos meus clientes que não sou alentejano de gema, mas cresci numa terra feita por alentejanos que é o Barreiro. No entanto, hoje, considero-me mais alentejano, acho que já não me encaixava no estilo de vida metropolitana da zona de Lisboa. O Alentejo é a minha casa.
Como começou essa ligação à restauração?
Sabia que havia uma escola profissional que tinha curso de hotelaria e inicialmente queria fazer o curso para ser barman, pois gostava de estar em contacto com os clientes, falar com eles, conhecer novas pessoas e poder criar uma bebida minha. Mas depois de ver pratos lindíssimos e percebi que era isto que eu queria.
Considera a sua comida fine dining?
Apesar de gostar e apreciar comida de fine dining, não a considero dessa forma. No Origens queremos que as pessoas possam partilhar os pratos e tento colocar os produtos da época ou que "apetece comer" em cada estação do ano. Descrevo a minha cozinha como sendo com sabores da terra, umas vezes com mais técnica e mais elaborada e outras mais simples e mais rústica.
Foi um risco abrir o Origens em Évora?
Na altura creio que foi muito arriscado pois não havia nada semelhante em Évora. No entanto, queria marcar a diferença. Inicialmente, um pouco a medo, metade da nossa carta era mais tradicional. Entretanto, o feedback dos clientes era que "estes pratos tradicionais são muito bons, mas se eu posso comê-los em minha casa prefiro comer os teus pratos!". E foi dessa forma, escutando as opiniões que a opção foi naturalmente feita. Mas não descarto o tradicional, apenas tento dar uma nova roupagem, uma nova interpretação do tradicional.
Pode dar exemplos?
Vou criando interpretações dos pratos tradicionais, como já fiz com o gaspacho à alentejana, feijoada de javali, açordas e migas. Ou outros pratos que as pessoas estão habituadas a comer sempre da mesma maneira como o polvo e o cação, entre outros.
Que ideia ficou destes sete anos?
Faço um balanço positivo e com perspetiva para o futuro pois Évora vai ser, como sabem, capital da cultura em 2027. Vai trazer imensas pessoas de todo o mundo, e a gastronomia também é cultura. Há muitos chefs que dizem, e com razão, que para conhecer uma determinada cultura, se deve visitar o mercado desse país e provar a sua comida. Concordo totalmente com esta forma de pensar.
Como concilia a vida profissional com a familiar?
Na verdade, no início não foi fácil porque a restauração retira muito tempo. No entanto, comecei em conjunto com a minha equipa a tentar melhorar os nossos procedimentos para que pudéssemos sair a tempo e horas. E, na verdade, é que a maior parte das vezes conseguimos e isso permite-nos estar mais tempo com a família e com os amigos.
Creio que há uma história que os marcou aos dois…
Marcou-nos muito no início. Foi um casal que veio ao restaurante com a sua filha que era extremamente intolerante ao ovo. Eles não nos tinham pedido nada, mas acabámos por fazer uma sobremesa sem ovo. Quando a colocámos na mesa os pais ficaram espantados e a menina comeu com uns olhos de satisfação que ainda hoje nos lembramos deles.
E outras desconcertantes…
Um dia um cliente chama o empregado de mesa para lhe dizer que era intolerante ao glúten. Só que enquanto falava tinha um pedaço de pão alentejano com manteiga na mão e estava a comer com muito prazer. Acabou por dizer: "estou só a pecar um bocadinho!". Também uma senhora que mandou um e-mail a avisar que era vegetariana, ao qual respondi positivamente e expliquei os pratos que tinha. No dia em que esteve no restaurante pediu um naco de vitela. Quando perguntei se era mesmo isso, respondeu que só era vegetariana às vezes.
O seu dia é igualmente muito ocupado?
Começo por fazer o pequeno-almoço aos meus filhos, levo-os à escola e, por vezes vou com a minha mulher às compras para o restaurante. Já no Origens começo por um pequeno briefing com a Eugénia para vermos as reservas e as nossas agendas. Inicio as preparações da cozinha com o meu staff e abro o restaurante. À tarde faço uma pausa e estou com os mais pequenos até perto das 18h, altura que volto para reabrir o restaurante onde fico até por volta das 22h, quando o restaurante fecha, mas com tudo por limpar e preparar para o dia seguinte.
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