Prazeres / Sabores

Ernesto Iaccarino: "Para quem vive para a comida, Cascais é o sítio perfeito"

O italiano Don Alfonso 1890 abriu há cerca de nove meses no também novo Hotel Legacy Cascais. A família Iaccarino conta já com 135 anos de história e restaurantes espalhados pelo mundo, desde Macau, à Nova Zelândia, passando por Toronto e, claro, Itália.

Foto: DR
Ontem às 10:03 | Madalena Haderer

O restaurante Don Alfonso 1890 é uma pérola muito bem escondida dentro do Legacy Hotel Cascais que, por sua vez, é uma ostra muito bem camuflada numa das artérias mais movimentadas da vila. E isto dito por uma jornalista que vive em Cascais há quase 20 anos. O hotel abriu em abril de 2024 e quem vê de fora não lhe presta grande atenção. É um edifício moderno com linhas direitas e grandes janelas envidraçadas. Faz parte da marca Curio Collection by Hilton e é o terceiro a abrir em Portugal, depois do Boeira Garden Hotel Porto Gaia e do The Emerald House Lisboa. Não obstante, o Legacy Hotel Cascais é propriedade do Reformosa Group, com sede em Taiwan, e isso nota-se na decoração que é moderna, despojada e sofisticada, mas com apontamentos de orientalismo opulento. E em nenhum sítio essa opulência é tão notória quanto no Don Alfonso 1890, com paredes com um revestimento têxtil feito por encomenda e uma alcatifa colorida que cobre o chão e o teto, quase fazendo pensar que se está a entrar nos aposentos privados da concubina do imperador.

O padrão do tecido que reveste as paredes é exclusivo e foi feito por encomenda
O padrão do tecido que reveste as paredes é exclusivo e foi feito por encomenda Foto: DR

Apesar da decoração de boudoir chinês, o Don Alfonso 1890 é um restaurante italiano. Fundado, como o nome indica, no final do século XIX, por Alfonso Iaccarino. Quando visitámos o restaurante de Cascais quem nos recebeu foi o seu bisneto, Ernesto Iaccarino. Interessa frisar que visitámos o de Cascais porque podíamos ter visitado outros. O original, que ainda hoje existe, fica em Sant’Agata sui Due Golfi, na região da Campânia, em Itália, com vista para os golfos de Nápoles e Salermo. Há outro em Itália, em Lavello, na província de Potenza. Depois há um em Toronto, no Canadá, no 38º andar do hotel Westin Harbour Castle. E também no Ritz-Carlton de Saint Louis, nos Estados Unidos da América. Outro em Helena Bay, na Nova Zelândia. E outro ainda em Macau, no Grand Lisboa Palace Resort – foi aqui que Ernesto foi desafiado a abrir um restaurante em Cascais.

Chef Ernesto Iaccarino, a quarta geração do Don Alfonso 1890
Chef Ernesto Iaccarino, a quarta geração do Don Alfonso 1890 Foto: DR

Ernesto é um italiano típico. Expansivo, afável, que fala com as mãos e dá umas palmadinhas amigáveis nas costas ou nos braços dos interlocutores quando se entusiasma. E é fácil entusiasmar-se quando fala de comida. Explica, por exemplo, que é fácil a exportar a filosofia do restaurante para mercados tão diferentes quanto Macau ou Saint Louis, mas não o menu. "Com cada nova abertura é preciso procurar os melhores e mais frescos produtos locais e depois criar uma ementa a partir daí", diz. Dentro do possível, o objetivo é celebrar as raízes culinárias do sul de Itália com uma experiência gastronómica mediterrânica autêntica, preservando as tradições da Península de Sorrento e da Costa Amalfitana. Em Cascais, a oferta de produtos locais é semelhante: bom peixe, boa carne, bom marisco, bons legumes, boa fruta. "Para quem vive para a comida, Cascais é o sítio perfeito", conclui.

Parmigiana de Melanzane, ou beringela gratinada com queijo parmesão
Parmigiana de Melanzane, ou beringela gratinada com queijo parmesão Foto: DR

Vamos tendo esta conversa aos solavancos, de cada vez que o chef vem à mesa para apresentar um prato. Começamos com um amuse-bouche de Parmigiana de Melanzane, beringela gratinada com queijo parmesão. Seguem-se duas entradas: Lírio Fumado com puré de favas cremoso com maionese perfumada de alho cítrico, com molho de iogurte e infusão de cebolinho (18 euros); e Vitello Tonnato, vitela assada lentamente com um molho cremoso de Tonnata, salada crocante e Bottarga ralada (16 euros). Este último é um prato típico da cozinha piemontesa e um dos mais aclamados do restaurante. E, apesar de a ideia de uma fatia de vitela assada coberta com um molho de maionese, atum e alcaparras poder ser um tanto perturbadora, a verdade é que é um prato delicioso.

Vitello tonnato, um dos pratos mais típicos da gastronomia italiana e um dos mais elogiados do restaurante
Vitello tonnato, um dos pratos mais típicos da gastronomia italiana e um dos mais elogiados do restaurante Foto: DR

A determinada altura, quando estávamos a tentar fazer a tradução correta dos pratos para português, alguém perguntou se o "yellowtail amberjack" [lírio] seria "robalo". "Robalo?!", repetiu o chef quase escandalizado. "Robalo é uma péssima opção porque quase todo o que há por aí à venda é de aquacultura", diz. "E isso é mau?", pergunta outra pessoa. "Claro que é mau! O peixe que comemos deve ser fresco, apanhado à linha ou com redes. O peixe de aquacultura está cheio de cereais, farinhas, colesterol. Não há coisa pior do que uma pessoa estar comer uma coisa que pensa ser saudável, como um peixe grelhado e, no fim, é pior que fast food!" Alguém balbucia qualquer coisa sobre o peixe apanhado ser muito caro e, antes de conseguir acabar a frase, Ernesto Iaccarino já está a atirar uma resposta: "Caro?! Comam anchovas! É barato e é um peixe saudável e versátil. Dá para fazer tudo..." Não deu para apanhar o que tipo de pratos dá para fazer com anchovas porque o chef continuou a explicação já a caminho da cozinha.

Linguine com amêijoas salteadas e um toque de óleo de salsa
Linguine com amêijoas salteadas e um toque de óleo de salsa Foto: DR

No regresso, já com o primeiro prato principal na mesa, ainda deixou uma dica para identificar o peixe de aquacultura, para o caso de o peixeiro estar a tentar enganar-nos: "Imaginem que querem comprar tamboril e que chegam à praça e têm lá 30 tamboris todos do mesmo tamanho. É porque é de aquacultura. Peixe apanhado no mar não vem todo com o mesmo tamanho. No mar não há tamanhos padronizados." 

Posta esta lição de dieta mediterrânica, falemos então dos pratos principais. Primeiro, um Linguine com amêijoas salteadas com um toque de óleo de salsa (25 euros); seguido de Variazione di Maiale, um duo de carne de porco com barriga cozinhada lentamente e porchetta frita crocante (26 euros). Para quem gosta de massa, o linguine é uma maravilha. Já o duo de carne de porco, apesar de mais invulgar e de muitíssimo bem confecionado, é mais adequado para o gosto de um verdadeiro apreciador de carne, que não é o caso desta jornalista.

Variazione di Maiale, ou seja, duo de carne de porco com Barriga cozinhada lentamente e Porchetta frita crocante.
Variazione di Maiale, ou seja, duo de carne de porco com Barriga cozinhada lentamente e Porchetta frita crocante. Foto: DR

Chegada a hora da sobremesa, ninguém erra se optar por um Tiramisù (10 euros), com os seus biscoitos Ladyfinger embebidos em café, creme de mascarpone e cobertos com uma camada de cacau, que foi o que provámos, mas a carta tem outras opções apetecíveis, como o Babà Napoletano, embebido em rum com creme e bagas frescas, que nos ficou debaixo de olho (12 euros). 

Tiramisù, a sobremesa mais exportada da gastronomia italiana
Tiramisù, a sobremesa mais exportada da gastronomia italiana Foto: DR

A carta, de resto, foi alterada este mês de janeiro, portanto, se já conhece o Don Alfonso 1890, agora é boa altura para lá voltar. A carta do bar, para além de diversos cocktails e mocktails, tem refeições leves como sanduíches – a Tosta Pastrami, a Legacy Club e a vegetariana Sanduíche de Courgette parecem todas deliciosas (entre os 14 e os 16 euros) –, hambúrgueres, outras opções para dividir, bem como um menu de pizzas, com preços entre os 16 e os 24 euros, e que está disponível entre as 12h e as 17h. Perfeito para quem gosta de um almoço tardio, principalmente nas tardes de verão.

 Morangos marinados em baunilha com creme de leite e sorvete de limão, outra opção de sobremesa que não chegámos a provar
Morangos marinados em baunilha com creme de leite e sorvete de limão, outra opção de sobremesa que não chegámos a provar Foto: DR

Enquanto tomamos café, o chef está finalmente livre para nos contar um pouco da história do Don Alfonso que é, afinal de contas, a história da sua família. Em 1890, o bisavô de Ernesto abriu primeiro uma pensão, a Pensione Iaccarino, mas em 1973 o seu pai, também chamado Alfonso, desistiu da hotelaria e focou-se na restauração. No anos 80, o que estava na moda era o fine dining à francesa, mas ele rebelou-se e decidiu focar-se nos ingredientes e na tradição gastronómica italiana. Em 1990, comprou uma quinta para poder produzir os próprios alimentos, uma aposta na sustentabilidade e sazonalidade a que hoje se chama "farm to table", mas que, do ponto de vista do pai de Ernesto era, muito simplesmente, a opção mais lógica e saudável, e que provou também ser uma opção rentável. Quando outros abrem e fecham restaurantes, a família Iaccarino ainda cá continua, há 135 anos.

Onde? Avenida 25 de Abril 528, 2750-511 Cascais Horário? Almoço das 12h30 às 15h e jantar das 19h às 22h; pizzas servidas diariamente das 12h às 17h; o bar funciona de domingo a quarta-feira das 23h às 0h e de quinta-feira a sábado das 23h à 1h. Telefone? 210 540 560

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