Victor Vescovo, do ponto mais alto ao mais fundo do planeta, este homem já fez tudo
“Perdi dois grandes amigos a bordo do Titan”, reconhece Victor Vescovo, antigo oficial da marinha e milionário norte-americano que desafiou as pressões esmagadoras do oceano e se tornou no recordista mundial do mergulho mais profundo de sempre.
Antigo oficial da marinha dos EUA, Victor Vescovo é um dos embaixadores da Omega. Estivemos com ele em Mykonos, no evento de apresentação da nova coleção Seamaster, junto com os atores George Clooney, Naomi Harris ou Jesse Williams, assim como os velejadores Blair Tuke e Peter Burling, vencedores de medalhas de ouro olímpicas, da America’s Cup e mentores da ONG Live Ocean. Vescovo alcançou aquilo que o clube de exploradores chama de Explorers Grand Slam, ao atingir o Polo Norte e o Polo Sul, e subir ao topo das montanhas mais altas de cada um dos sete continentes. Mas o que seria o feito enorme para a esmagadora maioria das pessoas, foi apenas o início para Vescovo, que depois já desceu ao fundo dos cinco pontos mais profundos de cada um dos cinco oceanos – a fossa de Porto Rico (Atlântico), Sul de Sandwich (Austral), Java Trench (Índico), Fossa das Marianas (Pacífico) e Molloy Deep (Ártico) – e ainda foi ao espaço. Uma vida incrível para quem tem atualmente 57 anos. Responsável pela Five Deep e pelo Submarino que consegui completar todas essas missões, Vescovo levou as três versões do Omega Ultra Deep Professional ao fundo do maior abismo da Terra. Uma missão cumprida com sucesso, o que agradecemos porque deu à MUST a oportunidade de conversar com um dos últimos grandes exploradores da atualidade.
Qual foi o seu primeiro relógio de mergulho? Foi sempre um aficionado?
Quando dei início ao meu projeto de mergulho no ponto mais fundo dos cinco oceanos, não tinha um relógio de mergulho. Pensei que precisava de um e fui à loja da Omega em Dallas – eu sou natural do Texas – e comprei um Seamaster. Também lhes contei o que estava a preparar, mas acho que não acreditaram muito. De qualquer forma, saí de lá com um cronógrafo em titânio, capaz de descer aos 600 metros. Para mim era importante ter este relógio, para conseguir fazer alguns cálculos matemáticos.
Mais tarde fiz o meu primeiro mergulho na fossa de Porto Rico (onde se encontra o ponto mais profundo do oceano Atlântico, com 8605 m de profundidade) e comecei a receber chamadas da Omega: "espere, você foi mesmo para a frente com o projeto?" Então o CEO da Omega convidou-me para ir à Suíça e mostrar-me o que estavam a desenvolver. Para eles era muito importante inovar e ultrapassar os limites, e disseram-me que queriam que um relógio fosse fora da cápsula de pressão até ao fundo do oceano. Eu só lhes respondi: "se o construírem, eu levo-o lá."
E levou?
Depois aconteceu tudo muito rápido. Eles usaram o mesmo titânio que eu para construir o submersível e criaram três modelos profissionais do Seamaster Planet Ocean Ultra Deep. Foram projetados para descer mesmo até ao ponto mais fundo do oceano. Fomos para a Depressão Challenger, na Fossa das Marianas, que é o ponto mais profundo da Terra (10 935 metros), e colocámos um dos relógios no braço manipulador da frente do submarino, e um outro na parte de trás. O terceiro foi no Lander, que desce perto do submarino e vai funcionar como uma espécie de farol de navegação. O que é incrível é que esses relógios não se limitaram a sobreviver lá em baixo. Funcionaram na perfeição, mesmo nas condições mais extremas.
Quando regressámos, descobrimos que o Lander tinha ficado para trás, preso no fundo do oceano. Pensámos que os tínhamos perdido, mas na verdade tínhamos a plataforma para descer e trazê-lo de volta. Não foi fácil, até porque o Lander tinha ficado sem bateria e não sabíamos onde estava, mas ao fim de dois dias lá o conseguimos recuperar e trazer de volta para a superfície. O engraçado é que quando o colocámos no convés, o Omega continuava a funcionar na perfeição. Depois de dois dias nas condições mais adversas, temperaturas gélidas e sob mais de uma tonelada de pressão por centímetro quadrado. Foi simplesmente extraordinário.
Foi uma missão de salvamento a grande profundidade…
Foi – e será sempre – a missão de salvamento mais profunda da história da marinha. Porque não se pode ir mais fundo. Mais tarde, enviei um e-mail para a Omega a relatar o sucedido, e a perguntar, uma vez que ia continuar a fazer mergulhos no local, se queriam que continuasse a levar os relógios, mas responderam-me a dizer que não valia a pena "uma vez é suficiente". Mas eu fiquei com um dos relógios, um deles é meu e esse já desceu mais 11 vezes na Fossa das Marianas, e continua a funcionar muito bem. Resistiu a 11 ciclos de compressão, e isso é a melhor resposta para o quanto podemos confiar nestes modelos.
Qual foi o passo seguinte?
Concluímos a expedição dos Five Deeps em 2019, depois de mergulharmos no fundo do Oceano Ártico, mas depois disso continuamos a mergulhar e já estivemos no fundo de 17 fossas oceânicas profundas. Depois disso vendi todo o sistema ao Gabe Newell, que é um bilionário norte-americano que prometeu fazer unicamente investigação científica nos próximos cinco anos, o que é ótimo, porque é um sistema extremamente caro de operar. Mas ao todo existem 26 ou 27 fossas oceânicas profundas (dependendo de como se contam) e não paro de pensar nessas últimas 10. Muito provavelmente ainda vou tentar conquistá-las, mas por agora estou de regresso ao "laboratório", para tentar criar um submarino ainda mais capaz e potencialmente mais barato, que possa fazer melhor ciência e mapeamento.
Atualmente temos 77% do oceano completamente inexplorado. E o oceano representa 70% do nosso planeta, o que significa que mais da metade do nosso planeta está completamente por explorar, o que é extraordinário. E uma das razões porque isso acontece é porque não temos veículos que possam descer facilmente ao fundo do oceano. Financiei pessoalmente toda a expedição, e não tive qualquer patrocínio para além da Omega.
Seria muito interessante saber a sua opinião sobre o que se passou no Submarino Titan.
O Titan… Sabem, o francês que morreu, o Paul-Henri Nargeolet, foi o meu oficial de segurança durante a missão à Marianas. Fomos ambos comandantes nas nossas respetivas marinhas, e eramos muito próximos. Era uma pessoa muito respeitada neste meio. E o Hamish Harding era um grande amigo. Eu e ele descemos até o fundo do Challenger Deep onde, na verdade, ficámos por mais tempo do que qualquer pessoa. E também fomos ao espaço juntos... Infelizmente, o que aconteceu no Titan é algo que pode ocorrer quando as devidas precauções e protocolos de segurança e engenharia não são seguidos. Pode ser um equilíbrio difícil tentar inovar, tentar tornar as coisas melhores, mais baratas, mas às vezes convenções antigas são melhores e mais seguras. No caso do Titan, tinham um desenho cilíndrico, e não esférico, e ainda usaram três materiais diferentes nessa cápsula: fibra de carbono, resina epóxi e titânio. Qualquer engenheiro mecânico lhe dirá que se colocar materiais diferentes sob pressão, relaxamento, pressão, relaxamento, implica um risco maior de eventual degradação dos materiais. E um cilindro não é a forma mais resistente à pressão. Uma esfera sim. No nosso caso, a cada mergulho, a esfera em titânio do DSV Limiting Factor ficava mais resistente à pressão. Sabem, a pressão vai sempre tentar encontrar um ponto fraco e, com um cilindro, eventualmente há-de surgir algum, e a pressão é implacável. Todos nós, dentro da comunidade, já tínhamos expressado preocupação relativamente ao projeto, por isso quando soubemos que tinham perdido as comunicações imaginámos imediatamente o que podia ter sucedido...
No fundo do mar, um relógio de mergulho pode fazer a diferença entre a vida e a morte...
Levanta um ponto interessante, uma vez que foi montada uma missão de salvamento, e houve quem pensasse ter ouvido sons. E é por isso que ter um relógio analógico, confiável e preciso, é um requisito de segurança. Porque se o pior acontecer, e ficarmos presos no fundo, o procedimento será bater nas paredes do submarino a cada 30 minutos. Se for um ruído aleatório, é facilmente descartável, porque pode ser qualquer atividade biológica, terremoto ou outra coisa. Mas se acontecer exatamente a cada 30 minutos, tem mão humana, e é por isso que os relógios são tão importantes. Eu levo sempre o meu Omega no pulso. Em todas as missões. Sendo marinheiro, sou supersticioso por natureza, e uma vez estava ocupado com qualquer coisa e esqueci-me do relógio, então parei todos os preparativos até me trazerem o relógio. O que não podia acontecer era mergulhar sem ele.
O que se segue?
Bem, fui ao espaço com o Hamish Harding. Eu e ele fomos ao espaço e ao fundo do oceano. Somos a única equipa que já fez isso. Estávamos a planear entrar em órbita com a Blue Origin, mas agora já não vai acontecer… Tenho aquelas 9 ou 10 trincheiras oceânicas para fazer, mas não tenho submarino agora e, na verdade, nem sequer estão bem mapeadas, por isso há todo um trabalho prévio necessário, que pode demorar vários anos. Pode ser que nessa altura já tenha um novo submersível, veremos… na verdade prefiro fazer primeiro as coisas e só depois falar delas. Não o contrário.
Também por uma questão de segurança. Se as pessoas fizerem um grande alarido sobre isso, isso só fará com que exista uma grande pressão para o fazer, podendo mesmo levar a ultrapassar questões de segurança. Os montanhistas sofrem muito isso. ‘Ah, vou chegar ao topo, vou escalar o Everest no próximo ano’, e depois estão na montanha e o tempo está mau ou não estão nas melhores condições, mas sentem essa pressão e arriscam. A minha mentalidade é diferente. Eu só quero cumprir a missão, demore o tempo que demorar, e não me importo de abortar a missão e tentar outro dia. Não gosto de ter esse peso de expectativa em cima de mim, com pessoas de fora tentando mudar as minhas decisões. Acho que é por isso que ainda estou aqui.
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O que o leva a fazer o que faz?
Uma vez fizeram essa pergunta a um astronauta, não me recordo qual, mas a resposta foi brilhante: curiosidade. Todos os exploradores que conheci temos isso em comum, somos pessoas intensamente curiosas. Se calhar mais curiosos do que preocupados com a nossa segurança. Só queremos saber o que há para além daquela colina, ou o que existe na próxima trincheira. É uma compulsão e não seria feliz se não fosse explorador. A coisa mais perigosa que já me aconteceu foram os meus pais darem-me uma bicicleta, quando tinha seis anos. Foi uma sorte a minha mãe ser enfermeira nas urgências, porque me magoei algumas vezes…
Encontram poluição nas profundezas do mar?
Sim. Da primeira vez que fui ao fundo da Challenger Deep, ainda não tinham passado 15 minutos no mergulho quando passei por um ângulo muito reto. A natureza não faz isso… foi como um murro no estômago. Virei o submarino para ver melhor, e lá estava aquilo que chamo de pedaço de contaminação humana. Provavelmente era plástico, embora não tenha conseguido recuperá-lo, mas vi claramente um grande S desbotado. No entanto queria salientar que o grande problema dos oceanos não é a poluição visível, mas os microplásticos. Em todas as fossas oceânicas profundas que explorámos encontramos microplásticos, ao passo que só encontrámos contaminação visível em cerca de metade delas. Os plásticos não podem nunca chegar ao oceano, pois assim que isso acontece a combinação da água salgada e luz ultravioleta começa a decompô-lo. E os microplásticos não se conseguem tirar, não há como filtrá-los. Entram em toda a cadeia alimentar.
Quantos mais submarinos necessitávamos para explorar os oceanos?
Neste momento existem apenas dois submersíveis em todo o mundo que podem ir até ao fundo do oceano, o Limiting Factor [que desenvolveu] e o chinês Fen Ju. É tudo. Quantos submarinos conseguem chegar aos 6000 metros? Acho que quatro, não mais. Quando analisamos os orçamentos da exploração espacial e da exploração marinha, falamos de ordens de grandeza diferentes. Gastámos um bilhão de dólares numa única missão espacial, quando esse valor seria incrível na exploração dos oceanos. Todo o meu sistema, o submersível, o navio de apoio, levá-lo à volta do mundo para chegar ao fundo dos cinco oceanos custou cerca de 50 milhões. Menos do que o preço de um jato Gulfstream. Agora vejam o que alcançámos.
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E o que explica essa diferença?
Conversámos muito sobre isso a bordo. Penso que as pessoas têm um medo instintivo do oceano. Acho que me lembro de ter lido uma vez que os bebés nascem com dois medos inatos: cair e afogarem-se. Experimenta-se uma tempestade má no oceano e nunca mais se esquece. Quando olhamos para o oceano e não conseguimos ver para o seu interior. No espaço pode ver-se até ao infinito, um sol amarelo brilhante contra o céu negro. A terra em baixo, a atmosfera fina. É alto, e lindo. No oceano é o oposto, quando muito conseguimos ver até 30 metros. É antigo, é escuro, mas eu vi, a esta distância que estamos um do outro, o lugar onde as duas placas tectónicas mais antigas do mundo colidem. E é simplesmente fantástico.
Encontraram novas espécies nos abismos?
Encontrámos novas espécies em praticamente todos os mergulhos que fizemos, porque ninguém nunca havia estado nesses lugares. As fossas oceânicas profundas estão isoladas e desenvolveram-se assim ao longo de milhões de anos de evolução. São ramos completamente distintos, portanto era comum encontrar uma nova espécie sempre que mergulhávamos. Há muita vida, e totalmente transparente. Como não existe luz não precisam de pigmentação. Pode ver-se o seu interior, e ficam ali flutuando… a Fossa das Marianas fervilha de vida. Apesar de toda a aquela pressão, a vida encontra uma forma. Eles, se calhar, olhavam para mim a pensar que eu devia ser um alien.
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