Conversas

"O melhor é não se habituarem a isto". Como vivem as mulheres dos milionários

Um emocionante novo livro de memórias de Barbara Amiel expõe o universo cruel de 1% das pessoas, os mais ricos do planeta.

Margot Robbie e Leonardo Dicaprio em O lobo de Wall Street (2013)
Margot Robbie e Leonardo Dicaprio em O lobo de Wall Street (2013) Foto: IMDb
20 de abril de 2021 | Chantelle Clarendon

Há más notícias para os milionários e não estamos a referir-nos à bolsa. Barbara Amiel lançou recentemente Friends and Enemies, um escaldande livro de memórias que expõe o mundo feroz dos ricos.

"O melhor é não se habituarem a isto", escreve Barbara Amiel acerca da sua nova vida, onde embarca em viagens esplendorosas, desde iates a aviões privados, passando pelas McMansion [casas enormes, produzidas em massa], e regressa como segunda mulher do ex-magnata da imprensa Conrad Black. Amiel ainda mal tinha posto o seu anel de diamantes de 30 quilates no dedo e já se esperava que convivesse com chefes de estado e outros altos dignitários. Enquanto jornalista, poderá ter cultivado um estilo de conversa astuta, mas como mulher de um multimilionário as expectativas são muito maiores.

A sua casa, as suas roupas, o seu rosto, as suas jóias, os seus brinquedos, tudo está em exibição na terra dos super ricos, onde habitei enquanto mulher de um banqueiro de investimento. Este grupo é tão reduzido que os fornecedores de jóias, flores, arte, carteiras, casas, botox e preenchimentos estéticos quase escasseiam – eles tornam diabolicamente difícil o acesso aos seus negócios (sendo muito mais snobs do que os seus clientes). Obviamente, estão apenas a representar.

Se, tal como Amiel fez, você usar os brincos errados (cintilantes e com pavê de diamantes [em que a cravação é feita na lateral da peça]) porque não sabe melhor do que isso, eles irão dizer-lhe. Se você não souber que "patio jewellery" são gargantilhas com preços inferiores a um milhão de dólares – atualize-se. A individualidade é alvo de reprovação: sugere que pensa por si própria. Poderá ser uma característica apreciada num marido, mas ser mulher de um multimilionário é como um regresso aos anos 50. Algumas rugas, marcas do sol ou celulite fazem com que ele fique mal visto. Diz-se que o multimilionário nova-iorquino Charles Stevenson Jr., de 73 anos, que se divorciou recentemente de Alex Kuczynski, de 49 anos, terá estipulado aquando do casamento que a sua mulher não poderia ganhar mais de 2,25 quilos. Ainda assim, separaram-se.

22 de outubro de 2006, Toronto, Canadá: Conrad Black e Barbara Amiel Black na inauguração da nova ópera do Canadá
22 de outubro de 2006, Toronto, Canadá: Conrad Black e Barbara Amiel Black na inauguração da nova ópera do Canadá Foto: Fotobanco

A minha própria posição privilegiada na fila da frente a observar o mundo destes 1% precisou de uma grande dose de viagens (claro), muitas das quais aos clubes de pólo mais exclusivos do mundo de que o meu marido faz parte (graças a acordos recíprocos…). A adesão a esses clubes é em grande medida determinada pelo lugar que se ocupa na Lista dos Mais Ricos elaborada pela Forbes. Conheci mais multimilionários nesses clubes do que as carteiras o que consigo enumerar.

Além disso, conheci as suas mulheres, cujas unhas se revelavam saídas de dispendiosas manicuras. Tal como Amiel, escrevi, também eu sentia que as ameaçava duplamente: em primeiro lugar, porque tinha uma profissão (o que pode tornar-me interessante para os homens), algo que 99% delas não tinha. E, em segundo lugar, os jornalistas são cães farejadores. Se tudo o resto falhar, podemos fazer uma reportagem – que foi precisamente o que Amiel fez (depois de as coisas correrem mal para Conrad Black, que foi detido e condenado ao pagamento de uma multa de 125.000 dólares após ser considerado culpado de fraude, antes de ter sido perdoado no ano passado por Donald Trump).

A primeira coisa que reparei nestas mulheres foi num silencioso sentimento de desespero. Por detrás do véu do privilégio e das vestes Loro Piana em caxemira estava a plena consciência de que a descrição das suas funções era permanentemente reanalisada. Mesmo que uma mulher possa ter assumido o papel de esposa devido à sua aparência e talento no quarto (estranhamente, estes multimilionários mostram pouco interesse nas mulheres com o seu próprio estatuto), espera-se que depois se transforme numa anfitriã deslumbrante. Tal como Amiel, muitas delas não estavam habituadas àquele mundo e tinham imenso receio de o demonstrar, e é aí que entram os grandes decoradores de interiores, que fingem decorar a sua casa mas que estão, na verdade, a educá-las para o novo papel. As idas a antiquários eram, na realidade, sessões de formação sobre maneiras à mesa e aulas sobre conhecimentos de vinhos. O famoso designer de interiores francês Jacques Granjes dá às suas clientes listas com sugestões de leitura. E se elas não mostrarem interesse, ele sugere-lhes que procurem outra pessoa.

Amiel descreve de forma brilhante a forma como a sua decoradora lhe perguntou o que achava de um determinado assunto (ela não tinha qualquer opinião sobre isso). Não perceber de contagem de fios nem de espessuras da caxemira é algo que deixa essas mulheres sujeitas a faturas (avultadas) que são apresentadas depois de chegarem a casa os inúmeros lençóis encomendados com tamanhos feitos à medida. Uma mulher que acaba de ficar noiva pode até conhecer bem o mundo da alta costura, mas é um alvo fácil no que toca a dourar uma escadaria ou pintar à mão um papel de parede. "É esse o preço das coisas" é o comentário depreciativo favorito dos decoradores – o que significa que você devia saber isso, idiota.

Mesmo quando a nova mulher conseguiu conceber uma casa que não fica atrás das casas das suas amigas, ela tem também de ser exímia na arte do entretenimento. Fazer festas é a sua verdadeira função. Mas e se a Beyoncé estiver ocupada ou se outra pessoa der uma festa no mesmo dia (ou semana)? Quando se fala de classes mais altas, pode confiar-se que essas pessoas honram o pedido para confirmar a presença – mas estas não. Um casal britânico multimilionário que conhecemos organizava festas sumptuosas onde todos os que eram menos ricos do que eles marcavam educadamente presença – mas os outros multimilionários frequentemente não apareciam. E não pediam desculpa, já que ninguém se atreve a repreender um multimilionário.

1 de julho de 2000: Conrad Black e a mulher, Barbara Amiel, vestidos com trajes estilo século XVIII para um baile oferecido pelo príncipe Michael de Kent no palácio de Kensington
1 de julho de 2000: Conrad Black e a mulher, Barbara Amiel, vestidos com trajes estilo século XVIII para um baile oferecido pelo príncipe Michael de Kent no palácio de Kensington Foto: Fotobanco


Os principais organizadores de festas não se levantam da cama por menos de um milhão, se é que isso chega. Uma amiga minha, bastante abastada, solicitou o preço para uma encomenda de flores (em quantidade quase suficiente para encher uma casa com cinco andares). Quando falou num valor mais convidativo, disseram-lhe para procurar outra empresa.

As festas são também oportunidades para os multimilionários exibirem as suas mulheres, e é aqui que as coisas se complicam. Um evento exclusivo com mulheres bonitas é um mercado de gado para os homens. É nessa altura – caso estejam a pensar numa mudança – que podem observar o material; as mulheres que conheci, independentemente de quão confortáveis se sentiam nos seus casamentos, estavam sempre com um ar preocupado.

Uma belíssima mãe de 32 anos, pertencente a este grupo, foi encontrada com os olhos marejados de lágrimas no hall de entrada da clínica de um cirurgião plástico de topo em Nova Iorque. Quando lhe perguntaram qual era o problema, respondeu que as suas amigas a detestavam por não colocar botox e por não retirar algumas costelas, porque, com isso, "revelo a idade que elas têm". Os homens, acrescentou, gostam de lábios volumosos, nádegas cheias e decotes generosos, pois isso significa que houve muito tempo, dinheiro e desconforto envolvido.

Nem todos os milhões são iguais, é claro. Recordo-me de ter estado na festa de um magnata grego que serviu caviar em enormes barris de cristal, que comemos com colheres de sopa. Embora todos tenham comido até ficarem saciados, comentaram entre sussurros o quão pouco refinado aquilo era. Uma fortuna grega era decididamente melhor do que uma fortuna russa, mas não tão boa como uma fortuna britânica – que por sua vez ficava a milhas de qualquer fortuna americana. E é claro que também entrava na equação a forma como os milhões tinham sido ganhos, e se eram "legais".

Amiel descreve aquilo a que a decoradora nova-iorquina Sandra Nunnerley chama de "velho mundo". "A Amiel é de uma geração diferente", diz Sandra Nunnerley, que trabalha com jovens multimilionários de toda a parte, desde os EUA até Berlim, passando por Hong Kong. "Antigamente, as pessoas preocupavam-se com o estatuto e aparência. As mulheres de multimilionários que são minhas clientes tiraram os seus cursos na Ivy league [nome dado às oito universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos], são filantropas e são também subestimadas. Elas são mães que "põem a mão na massa". Elas contratam-me para fazer uma decoração discreta".

As mulheres que conheci não eram licenciadas em Princeton ou Harvard, como MacKenzie Bezos e Priscilla Zuckerberg (a ex-mulher e a atual mulher dos fundadores da Amazon e do Facebook). Desconfio até que algumas delas fossem antigas acompanhantes. A minha opinião é que os homens passavam os dias a lutar contra tubarões nos seus locais de trabalho – pelo que, em casa, queriam um complemento decorativo para a sua mobília Christian Liaigre.

As mulheres, por sua vez, percebiam que tinham de ter pelo menos dois filhos – e rapidamente (tal como fez Wendi Deng, ex-mulher de Rupert Murdoch) –, de modo a garantirem um futuro financeiro no caso de serem trocadas. Antigamente, um divórcio significava ser banida do grupo. Hoje em dia, as mulheres continuam a dar rapidamente à luz dois filhos, mas depois pedem elas o divórcio; continuarem casadas já não faz parte do plano.

No fim, fui sentindo pena das esposas que fui começando a conhecer. Elas sentiam-se entediadas e permanentemente ansiosas. Tinham um medo terrível de envelhecer. Não confiavam umas nas outras, quanto mais nos outros. Tal como Amiel diz, você não vai querer habituar-se a isso, mas habitua-se. É espantosamente fácil uma pessoa habituar-se a uma vida recheada de privilégios – e é extremamente difícil perder esse hábito.

Créditos: Chantelle Clarendon/The Telegraph/Atlântico Press

Tradução: Carla Pedro

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