O ator sem meias tintas que está a mudar Hollywood
Depois do seu papel revolucionário como o primeiro stormtrooper negro da saga Guerra das Estrelas e das críticas muito positivas no Old Vic, John Boyega é uma das maiores exportações da representação britânica. No entanto, a sua educação rigorosa de Peckham mantém-lhe os pés assentes na terra e ajuda-o a definir um novo tipo de fama.
Todos procuramos um mentor, de tempos a tempos, mas John Boyega nunca esperou que o seu lhe telefonasse subitamente, de Hollywood, enquanto ele conduzia o seu carro em Forest Hill, na zona sudeste de Londres. Como não reconheceu o número, Boyega encostou o carro. Era Robert Downey Jr.
"Quando eu estava a começar, não sabia o que esperar e queria alguns conselhos", confessa Boyega, de 27 anos. "Eu era um grande fã dele. Creio que os nossos agentes falaram e que depois ele telefonou-me, do meio do nada, e tivemos uma longa conversa. Ele disse-me: ‘Na próxima vez que estiveres em LA, vem cá a casa.’ E eu fui à fabulosa casa dele e estava lá o Orlando Bloom a comer panquecas. Passei lá o domingo inteiro a comer com gente simpática."
Se alguém tivesse dito ao filho do pregador de Peckham, que cresceu num complexo de habitação social, que ele conviveria, um dia, com estrelas de Hollywood e faria parte de uma das mais bem-sucedidas marcas de cinema de todos os tempos, talvez ele não tivesse acreditado. Boyega conquistou fama internacional, em 2015, com o papel de Finn, um stormtrooper do Império transformado em rebelde, em Guerra das Estrelas: O Despertar da Força, o primeiro filme da terceira trilogia desta épica novela espacial. Decorrendo 30 anos d’O Regresso do Jedi (o último filme da trilogia original – tente acompanhar-nos), O Despertar da Força conta com a participação de Carrie Fisher, de Harrison Ford, de Daisy Ridley e de Adam Driver, e é o quarto filme mais lucrativo de sempre (rendeu mais de 2 mil milhões de dólares em todo o mundo). O último episódio desta saga de nove filmes, A Ascensão de Skywalker, estreou em dezembro.
Quanto a Boyega, os seus fãs têm tatuagens da sua cara no corpo e crianças maravilhadas gritam de choque quando o conhecem ("É definitivamente a minha experiência de estrelato mais maluca") e já ganhou dinheiro suficiente para comprar um apartamento para si e uma casa para os pais, em Londres. É um tipo muito divertido. Ao longo de uma hora e meia, bebericando limonada num pub em Vauxhall (ele não bebe álcool e são 11 horas da manhã), fala livremente, divergindo para piadas e risos, mas baixando a voz quando abordamos temas mais sérios.
Boyega e as duas irmãs mais velhas, Blessing e Grace, foram criados pelos pais, nigerianos que vieram para Inglaterra, na década de 1980. Ele gosta de ouvir Cânticos de Louvor a tocar em casa, ao domingo, e afirma: "Quando eu estou com espírito de igreja." Grace vive com ele e trabalha como sua assistente. Blessing trabalha na empresa de Boyega, a UpperRoom Productions. São uma família unida. "Quando eu digo às pessoas onde cresci, dizem sempre ‘Uau, como foi isso?’, como se tivesse sido difícil", diz. "Eu presumo que tive uma infância melhor do que a maioria das pessoas que crescem em ambientes espetaculares. Era um miúdo feliz e ativo ? brincava na rua, trepava às árvores, ia ao grupo de teatro. Havia uma forte noção de comunidade e tínhamos muita coisa para fazer."
Também houve momentos sombrios, porém. A família vivia no mesmo complexo que Damilola Taylor, o rapaz de 10 anos que foi golpeado até à morte com uma garrafa partida enquanto ia para casa vindo da biblioteca de Peckham, em 2000. Dois adolescentes foram condenados pelo seu homicídio, em 2006. Diz-se que Boyega e Grace foram das últimas pessoas a ver Taylor com vida e, em 2017, ele esclareceu essa questão numa entrevista: "Eu só caminhei um pouco com ele antes de aquilo acontecer. Eu e a minha irmã não sabíamos de nada até a polícia aparecer."
Ele não fica incomodado quando puxo o assunto. Na verdade, tem falado bastante sobre os crimes cometidos com armas brancas, os quais atingiram o auge dos últimos nove anos em Inglaterra e no País de Gales. Ele critica a recente campanha governamental #knifefree das embalagens de galinha frita ? uma tentativa de impedir os jovens de andarem com facas imprimindo histórias inspiradoras na lateral das embalagens de comida. "Isso nunca vai funcionar", admite Boyega. "Eles estão a apontar para uma demografia específica, o que não tem problema algum, mas acha mesmo que uma frase escrita numa embalagem vai fazê-los largar as facas? Não me parece que as suas vidas ou que as dificuldades que eles enfrentam tenham sido levadas em consideração."
O que poderá, então, funcionar? "Haver clubes e centros comunitários que abram as portas depois das aulas para dar oportunidades aos miúdos. Ensinar-lhes valores históricos e culturais, em vez das tretas do costume. Apoiar as mães solteiras, os pais solteiros e os professores. Se cortarmos o financiamento às escolas, ficamos com meia dúzia de professores em salas de aula cheias, sem motivação para ensinar os miúdos e sem saberem lidar com tantas personalidades e problemas diferentes."
Boyega diz que, além de o manterem longe de sarilhos, as suas atividades extracurriculares também lhe despertaram o interesse pela representação. Quando tinha 10 anos, ganhou uma bolsa de estudo para o Theatre Peckham e, mais tarde, frequentou a Identity School of Acting. A sua colega de turma, Letitia Wright, também conquistou a fama em Hollywood, tendo participado em Black Panther. "Eu ia imenso ao McDonald’s de Dalston com a Letitia e ela dizia-me como lhe estava a correr a vida e todas as coisas que iam acontecer", recorda.
John Boyega também admite ter ficado à porta de um teatro para conhecer Daniel Kaluuya, outro nativo de Londres que se tornou famoso e foi nomeado para o Óscar, em 2018, pelo papel principal em Get Out, depois de assistir a uma das suas primeiras peças. "Quando vemos muitas pessoas crescerem sozinhas e não é só por causa da sua cor, mas por causa do seu talento… é isso que nós queremos. Queremos ver o nosso mundo representado de uma forma natural e com estilo", diz Boyega.
A comédia de terror e ficção científica Attack the Block, de 2011, foi a grande oportunidade de Boyega e chamou a atenção de JJ Abrams, o realizador de O Despertar da Força. "Conheci-o nos EUA e ele disse que iria arranjar-me qualquer coisa", relembra Boyega. "Eu pensei: ‘Promessas… Não venham para cima de mim com essas tretas de LA. Não é preciso. Gostei muito de te conhecer e acabou.’ Mas não, ele cumpriu!" Após um processo de audições de nove meses, incluindo um programa de levantamento de pesos para um papel que ainda nem recebera, Boyega transformou-se em Finn. Quando o trailer o mostrou como o primeiro stormtrooper negro, a Internet passou-se – de uma forma não inteiramente positiva. Ele respondeu a perguntas sobre a etnia da sua personagem num post no Instagram, escrevendo: "Habituem-se." Em 2016, conquistou o cobiçado prémio Bafta Rising Star Award, anteriormente dado a personalidades como Tom Hardy e Kristen Stewart. No ano seguinte, John Boyega foi aclamado pela sua participação na peça Woyzeck, no [The] Old Vic [Theatre], e foi dirigido por Kathryn Bigelow em Detroit, o drama histórico da década de 1960.
Boyega continua a não ficar muito impressionado com as "merdices de LA". "Eu não me sinto atraído pelas coisinhas arrogantes", admite. "A Soho House, aquelas doses minúsculas de comida nas festas… Eu prefiro passar tempo com os meus amigos." Afirma que o álcool não lhe interessa, mas, por isso mesmo, adora ser o condutor escolhido pelos seus amigos quando saem à noite. "Eu tenho um gene de avô, por isso gosto de ficar em casa a ver Cash in the Attic [programa da BBC]. Quando quero divertir-me, dou uma festa em casa ou vou sair à noite." O seu sítio preferido em LA não é Beverly Hills, mas o bairro menos famoso de Inglewood: "Uma boa comunidade de classe operária, habitada predominantemente por negros, muito criativa e com uma história forte. Faz-me lembrar Peckham."
A Ascensão de Skywalker manteve Boyega ocupado até ao fim de 2019. Só o teaser trailer foi visto 111 milhões de vezes, nas primeiras 24 horas, e as teorias dos fãs são insanas. No próximo ano irá participar em Small Axe, uma série de antologia da BBC1, realizada por Steve McQueen, sobre "o papel dos negros na construção da Grã-Bretanha", na qual interpreta um dos primeiros agentes policiais afro-caribenhos do Reino Unido.
"A vida corre-me bem", diz, rindo-se. "Estou bem de saúde. A minha família está boa. Mas não ponho de parte a ideia de ter companhia." Atualmente solteiro, Boyega diz-me que já esteve apaixonado e que manteve uma relação durante cinco anos. Será que a fama dificulta a vida amorosa? "Não, e quem lhe disser que sim, está a mentir", grita, rebentando a rir. "Mas é complicado. Há pessoas que reagem excessivamente à nossa fama e temos de tratar disso logo no início. Eu nunca compreendi as pessoas que dizem: ‘Eu não posso estar contigo porque quero concentrar-me na minha carreira.’ Em que estavam concentradas antes? Porque não podem concentrar-se nas duas coisas? É tudo uma questão de nos apoiarmos mutuamente."
Já alguém famoso lhe enviou uma mensagem privada através das redes sociais? "As minhas mensagens privadas são uma seca! No outro dia, os meus amigos estavam a dizer-me: ‘Vamos ver as tuas mensagens privadas. Vamos ver como é [ser-se famoso].’ E um amigo meu começou a ler [risos]: ‘Bruv [mano], esta pessoa aqui está a perguntar em que planeta fica Tatooine.’" Ele parte-se a rir. "São ‘cromos’ da Guerra das Estrelas. São quem me manda mensagens", revela. "Mas eu acho piada. Sejamos honestos: eu adoro ‘cromices’." Um homem de família com preocupações políticas que tem um coração romântico e que é fanático por Guerra das Estrelas. Nada mau para um rapaz de Peckham.
Exclusivo revista Style/The Sunday Times/Atlântico Press.
Tradução: Erica Cunha e Alves
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