Legado, “um vinho que só podia nascer aqui”
A chegada do novo Legado, colheita de 2015, era um dos lançamentos mais aguardados. O ano prometia e a prova confirmou: estamos perante um tesouro, um vinho para guardar.
2015 foi um ano em que o calor se sentiu muito por estas bandas, permitindo "obter um Legado mais robusto e encorpado, com intensidade de cor, boa estrutura e volume" explica-nos Luís Sottomayor, o enólogo responsável pelos vinhos do Douro na Sogrape. Mas é também um vinho, parece-nos, que vai evoluir muito bem em garrafa — e que daqui por uma dezena de anos estará ainda melhor. Se conseguir esperar, claro está.
O Legado é um dos grandes vinhos nacionais. O "outro" Barca Velha da Sogrape com quem, aliás, partilha a equipa de enologia. Já teve pontuações altíssimas em revistas da especialidade, e voa mais alto na ementa da primeira classe da Emirates, onde disputa as atenções com os melhores Bordéus e outros néctares de fama mundial. É um testemunho do melhor que o Douro pode oferecer, e é quase doloroso imaginar como este vinho esteve quase, quase(!) para nunca acontecer – só a visão de um homem o salvou…
Se estivéssemos a escrever um guião, o cenário seria a Quinta do Caêdo, uma propriedade incrível, de difícil acesso, mas relativamente perto do Pinhão. Situada na margem esquerda do Douro, estende-se por 30 hectares ao longo de uma ribeira que lhe dá o nome, como num anfiteatro natural de grande beleza, e onde os socalcos, muitos ainda pré-filoxéricos, acrescentam impacto. É, também, a mais quente de todas as propriedades da Sogrape. Mais quente ainda do que a Quinta da Leda, aqui no Douro, e do que a Herdade do Peso, em pleno Alentejo. Tem 24 hectares ocupados por vinhas, mas a nós interessam-nos apenas oito, de uma vinha velhíssima, estima-se que anterior a 1910, pois é precisamente aqui que nasce o nosso néctar.
Quanto à ação, essa começava em 1990, quando a Sogrape adquire a quinta e a equipa de viticultura inicia um programa de modernização das vinhas, arrancando castas antigas e plantando novas, com uma capacidade de produção bem maior (só para se ter uma ideia, se uma vinha nova produz 40 toneladas de vinho, a mesma área de velhas não produz mais de 8). Arrancaram quase tudo, até porque a maioria das vinhas não estava nas melhores condições, e assim continuariam não fosse a notícia ter chegado aos ouvidos do CEO, Fernando Guedes. Foi ele quem mandou parar imediatamente o processo, salvando aqueles últimos oito hectares, que seriam tratados e recuperados. Foi, na altura, o único a perceber como ali poderia nascer qualquer coisa de especial. O tempo deu-lhe razão, e hoje quem prova um Legado colhe os frutos dessa visão – e da capacidade de um CEO em apostar no futuro e não optar pelo lucro imediato.
Fernando Guedes sempre entendeu este vinho como um legado ao Douro e às suas gentes, mas para a sua família — porque hoje são os filhos quem gere os destinos da empresa — é mais um legado à vida e obra de pai, como nos contou o actual presidente, Fernando da Cunha Guedes: "Por tudo o que significa, pela forma como foi sonhado, este é para nós um vinho muito emocional, que a cada edição lembra a memória de meu pai, e tudo aquilo que aprendemos com ele." Disse-nos num jantar na sede da Sogrape, em Avintes, durante a apresentação deste vinho, e onde foi também revelado um mural de Vhils, em homenagem a este homem cuja obra permanece bem presente na empresa que transformou na maior do sector em Portugal, e numa das mais respeitadas internacionalmente.
Luís Sottomayor, o enólogo responsável pelos vinhos do Douro na Sogrape, gosta de referir que este é o vinho onde menos intervém "apenas para afinar uma ou outra coisa" porque o que se trata aqui é de "transmitir a autenticidade do terroir, e a elegância e classe obtidas a partir destas castas ancestrais". São muitas, Tinto Cão, Sousão, Tinta da Barca, Donzelinho, Tinta Amarela, Roriz, Rufete... Nenhuma videira produz muito, não mais de dois ou três cachos, mas cada bago tem uma concentração absolutamente incrível de néctar, consequência da vetusta idade.
O Legado é necessariamente um vinho raro. Em quantidade — este ano produziram-se apenas 4 666 garrafas — e sobretudo em qualidade, porque as condições que aqui se encontram são irrepetíveis em qualquer outro lugar. Nem sequer no Douro.
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