Sexo casual é bom e recomenda-se?
Vergonhoso e sem importância, é com esta fama às costas que tem vivido o termo (e a prática) referente a sexo ‘casual’. No geral, são vários os motivos apontados. Em particular e visto à lupa, esta escolha parece não representar nada de errado. Formalismos à parte, é claro.
A GQ britânica crê que sim, que o sexo casual é, efetivamente, bom e que se recomenda largamente, evidenciando a sua tese num texto muito bem descortinado e cujo título não deixa margem para dúvidas. Assinado por Justin Myers, The Guyliner, "There's nothing wrong with having casual sex" (Não há mal nenhum em ter-se sexo casual) é prosa da boa, capaz de desfazer em três tempos qualquer bicho de sete cabeças que o sexo (ainda) possa representar — sobretudo o chamado de ‘casual’. O jornalista começa por fazer uma menção a Andrew Scott, o ator que protagonizou o infame ‘padre sexy’ na série britânica Fleabag. Fazendo aqui um parêntesis, a palavra Fleabag define-se na gíria britânica qualquer coisa como ser-se "uma pessoa desagradável". No contexto daquela série, Fleabag reflete um personagem feminino que emana uma sexualidade ávida, repleta de relacionamentos confusos entre parceiros e pais, bem como uma irremediável dificuldade em estabelecer vínculos. A série traz à luz um ponto de vista, ainda ausente, de uma mulher sexualmente independente, mais ou menos resolvida, e que erra ao tentar acertar. A propósito desta série, e das suas ideias e ideais, o ator compartilhou a sua própria visão progressista acerca da sexualidade e, em específico, do sexo ‘casual’: "A ideia de que não se pode extrair qualquer tipo de significado do sexo ‘casual’... Eu acho isso muito perigoso, porque induz a vergonha nas pessoas", exprimiu o ator na sua aparição no podcast How to Fail with Elizabeth Day.
Numa entrevista ao site Business Insider a propósito deste tema, Gigi Engle, educadora sexual e escritora, considera que o sexo casual não merece a sua má reputação. "Todo o efeito colateral negativo do sexo casual apresenta profundas raízes puritanas nascidas a partir da vergonha", deslindou. "Se tivéssemos uma educação sexual abrangente e baseada no prazer, as pessoas teriam os recursos necessários para fazer escolhas empoderadas. Demonizamos o sexo casual porque demonizamos o sexo fora do casamento". À Must, a sexóloga Vânia Beliz adianta que a questão da demonização do sexo casual está, em parte, "associada à promiscuidade e ao pecado carnal de não controlarmos a excitação", valores que foram sendo incutidos, seja via Igreja seja via a própria sociedade, ao longo da história da humanidade. E acrescenta que "durante muitos anos também se associaram inúmeras infeções ao comportamento sexual mais liberal" — ou seja, ‘casual’. É certo que existem riscos associados a qualquer situação sexual, mas o sexo casual parece suportar o peso destes: "Vivemos numa sociedade que nos condicionou a pensar que o sexo precisa de ter um significado emocional para ser bom", explica Engle ao Business Insider. "Quando se diz que fazer sexo casual faz da pessoa uma vadia ou se ele (ou ela) não liga depois [do sexo] é porque a pessoa não vale nada — é claro, isso pode doer." Vânia Beliz amplia esta visão: "A nossa sexualidade não existe sem os afetos, sem as emoções. Somos seres racionais e sexuados. E, por estas razões, é difícil não associarmos comportamentos a sentimentos. Para as pessoas terem sexo podem não estar apaixonadas, mas tem de haver algo que as aproxime — atração, excitação, interesse…".
A este propósito, ironizava aquele jornalista da GQ, "como é que se poderia argumentar que um anel de casamento seria uma garantia de que uma pessoa estaria prestes a ter menos sexo do que nunca antes?". E remata a dizer que "tudo se resume a pontos de vista". Relembremos outras expressões que se usam quando alguém se quer referir ao sexo ‘casual’: "não é nada de sério", "isto é só para curtir", "é sexo sem compromisso", para nomear alguns… Tudo indica que se trata de uma prática sem rumo, caótica até, e algo que coloca o sexo casual na direção oposta àquela que deve ser a de um relacionamento de longo prazo — não é, quem disse que a seguir ao sexo casual não poderia surgir uma grande paixão? Por outro lado, aquelas são expressões que, de certa forma, dão a entender que se o sexo causal é aquela coisa toda simples, descontraída, divertida até, então isso significa que o seu oposto, ou seja que estar com a mesma pessoa 24/7 — quem sabe uma vida toda —, não é nada de extraordinário (para não dizer, um aborrecimento absoluto). E mais, se existe o sexo casual, como é que se chama ao sexo que não é casual? Por ser mais formalizado seria… sexo formal? E qual é a excitação na palavra ‘formal’? Nenhuma. Sexo casual pode sim ser bom e até se recomendar. As ressalvas, assegura Vânia Beliz, prendem-se com o facto de o sexo casual "poder demonstrar alguma carência emocional e uma certa dificuldade no estabelecimento de vínculos por parte da pessoa que o procura. Muitas pessoas preferem relações breves porque não pretendem um compromisso. Mas muitas vezes referem que se sentem sozinhas, vazias…". Tirando estas conclusões de cariz psicológico de cima da mesa (ou da cama), digamos que as atenções a ter no sexo casual acabam por ser praticamente as mesmas apontadas para o sexo… formal: "Usar o preservativo, sempre! Desde que existe o contato íntimo e não esquecer da proteção no sexo oral como tantas vezes acontece". Simples e descomplicado, tanto quanto o sexo casual pode ser.
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