Isto Lembra-me Uma História: Um preso político é um morto em potência
A morte de Alexei Navalny faz lembrar certos tiques stalinistas que facilitavam a eliminação da oposição - até porque simplesmente a eliminavam. O que nos leva, pelo trilho da memória, a outras mortes na cadeia e a outros presos políticos.
A morte de Vladimir Ilyich Ulianov, mais conhecido por Lenine, levaria a um inesperado revés na vida de Lev Davidovich Bronstein, que o mundo conheceu e ainda conhece pelo nome artístico Leon Trotsky. Poeta brilhante, jornalista e pensador, Trotsky ocuparia, durante os primeiros sete anos após a Revolução Bolchevique, cargos de topo no Politburo e na própria URSS, tendo sido, de facto, o número dois da hierarquia soviética durante os anos de implantação do novo regime, depois de derrubado o império dos czares. Contudo, a ascensão de Josef Stalin ao poder - Stalin tornar-se-ia secretário-geral do Partido Comunista soviético - deixaria Trotsky numa posição frágil. Contrariado pelas ideias de Stalin, o romântico ideólogo nascido em solo que é hoje ucraniano fez-se forte opositor do stalinismo. Houve consequências. Primeiro, foi expulso do Politburo, em 1926; depois, do Partido, em 1927; acabaria exilado - que é como quem diz preso - dentro da URSS, em Alma Ata (hoje Almaty, Cazaquistão), no ano seguinte. Em 1929, Trotsky era finalmente deportado.
É impossível olhar para o caso da perseguição de Vladimir Putin a Alexei Navalny e não ver nela traços profundos do stalinismo. Se Trotsky, na década de 1920, beneficiou do estatuto dentro da União Soviética - um estatuto conquistado pelo papel fundamental que desempenhou na revolução comunista - e da presença ainda recente de Josef Stalin no posto mais alto da nação, outros opositores do regime não tiveram a mesma sorte: a tortura, os campos de trabalho e a morte foram o destino de muitos dissidentes de Stalin, que outrora haviam sido seus camaradas.
O caso de Navalny e de Putin tem contornos em muito semelhantes aos das perseguições stalinistas que resultavam na eliminação de ex-camaradas tornados adversários. Não é que Navalny alguma vez tenha sido camarada de Putin - pelo contrário, foi sempre seu opositor, situando-se à direita no espetro político russo, nas listas do partido Yabloko (dito "social-liberal"), pelo qual foi eleito para diversos cargos, nomeadamente no município da capital, Moscovo. Navalny, porém, esteve sintonizado com Putin durante a invasão russa da Geórgia na chamada Guerra da Ossétia do Sul, em 2008, por exemplo. Foi depois de 2008 que as revelações de Alexei Navalny, então já um conhecido advogado e ativista, começaram a pôr em xeque - na realidade, desmascararam o que já era sobejamente alvo de suspeita - as práticas dentro da cúpula do regime russo, as quais envolviam necessariamente o presidente Putin.
E foi no seguimento das revelações inconvenientes que a perseguição de Putin a Navalny escalou, ganhando contornos de filme de espionagem, por exemplo, no caso do envenenamento de Alexei. De tal modo que a morte de Navalny na prisão de Iamália- Nenétsia pode ser tudo o que quisermos e a imaginação permitir - só não é surpreendente. O próprio parecia contar com este desfecho. O ativista pode até ter morrido de ataque cardíaco ou acometido de qualquer outra doença súbita. Mas, se não foi o regime russo que o matou, não terá sido por falta de esforço nem por escassez de tentativas. Mais ainda: nem terá sido por falta de prática. Podemos facilmente recordar, a título de exemplo, a estranha morte de Sergei Magnitsky, preso em 2008. No ano seguinte, Magnitsky morreria de "lesão cerebral interna", sem outras explicações. Mais tarde, viriam a público denúncias de que Magnitsky teria sido espancado até à morte por vários guardas prisionais. Recorde-se que Sergei Magnitsky, sintonizado com Navalny, era um contabilista com acesso às contas do governo e que denunciou as práticas fraudulentas e abusivas do poder - a denúncia foi feito com as palavras todas: o governo roubava o estado russo.
O caso de Navalny é, hoje, menos claro do que o de Magnitsky, tudo o que se sabe é que terá morrido após uma caminhada no campo prisional. Todavia, a morte de Navalny na prisão lembra outras histórias de mortes convenientes de detidos que podiam representar perigo para terceiros. Porque não, ninguém esperava que Alexey Navalny tivesse destino semelhante ao de Rudolf Hess na prisão de Spandau - Hess foi o último criminoso de guerra (da Segunda Guerra Mundial) preso na cadeia de Berlim Ocidental que era regida pelas quatro forças aliadas; condenado a prisão perpétua, cumpria pena em Spandau juntamente com outros seis criminosos de guerra nazis; os outros seis, ou foram morrendo, ou sendo libertados por motivos de debilidade de saúde, acabando por restar apenas Hess; Rudolf Hess permaneceu preso completamente sozinho desde 1966 até 1987, quando se suicidou, enforcando-se, aos 93 anos.
Pelo contrário, encontrar Alexei Navalny morto na prisão do Círculo Polar Ártico era tão expectável quanto dar com Jeffrey Epstein - o ex-magnata que foi preso por crimes de abuso sexual de menores, entre outros crimes relacionados com sexo e menores, e que era amigo de gente muito poderosa e influente - convenientemente suicidado na sua humilde cela no estabelecimento correcional Metropolitan de Nova Iorque. Há causas de certas mortes que dispensam autópsias, especialmente quando se trata de presidiários que podem guardar consigo segredos obscuros e verdades inconvenientes. Não quero com isto insinuar que Epstein não se suicidou mesmo, mas talvez seja de sublinhar determinados factos, como a ausência de vigilância à sua cela durante a noite em que morreu - e quando falamos de vigilância, isso inclui as câmaras de videovigilância da prisão naquele setor que, por motivos de absoluta e pura coincidência, não funcionaram durante a noite e a madrugada de 9 para 10 de agosto de 2019.
Regressando a um âmbito mais político - e sem perder de vista a prisão de Alexei Navalny, que é obviamente política -, podemos recordar a história flagrante do nigeriano Moshood Abiola, que em 1993 concorreu e ganhou as eleições presidenciais no País contra o amigo pessoal Ibrahim Babangida, a quem tinha prestado apoio nas eleições de 1985. Acontece que, amigos amigos, presidências à parte, Babangida não gostou de perder para Abiola, contestou os resultados, questionou a legitimidade do ato eleitoral, suspendeu e anulou tudo. A amizade foi abalada, como é evidente, e Abiola não se ficou: queria tomar posse. Para evitar conflitos, Babandiga mandou prender Abiola, que acabaria por morrer na prisão em 1998, vítima de causas não determinadas. Ou seja, a causa mais comum nestes casos.
Podemos também recordar Saeed Emami, o iraniano que foi, durante anos, responsável pela perseguição e abate dos dissidentes do Irão, opositores ao regime que se tornavam aos olhos deste persona non grata. Emami acabou por ser acusado, julgado e condenado como principal responsável pelos "chain murders", o nome com que os jornais internacionais batizaram a sequência de assassinatos políticos dos dissidentes, ocorridos entre 1988 e 1998. Foi preso em 1999 e, poucos dias mais tarde, a 20 de junho, foi noticiada a sua morte. Oficialmente, Emami morreu três dias depois (a 19 de junho de 1999) de ter ingerido creme depilatório na casa de banho da prisão - não sabemos o suficiente acerca das prisões iranianas, ninguém tem de achar estranho que um homem que carrega segredos que podem envolver toda a cúpula do poder de um estado em assassinatos metódicos dos seus cidadãos tenha bebido uma substância na casa de banho… mesmo que essa substância seja creme depilatório. Numa prisão masculina. De alta segurança. No Irão. Creme depilatório. Tudo é possível. Como no caso de Alexei Navalny, aliás. Quando se é um preso político, tudo é possível. Até uma morte acidental.
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