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Isto Lembra-me Uma História: Prendem-se os pacifistas como se fossem radicais

O palco é o mesmo e os protagonistas de hoje fazem lembrar os do passado: na Universidade de Columbia, o campus tornou-se território de protestos. Hoje como há 56 anos, quem levanta a voz para exigir a paz é detido como se fosse um extremista. Mas quem são os verdadeiros extremistas?

Foto: Getty Images
28 de abril de 2024 | Diogo Xavier

Estranho tempo este, em que manifestantes exigindo que se pare de matar inocentes são considerados radicais e acabam presos. Ao mesmo tempo que as manifestações decorrem, o Governo do Estados Unidos da América aprova orçamentos de milhares de milhões de dólares para o armamento de Israel, no que vem sendo cada vez mais ampla e unanimemente visto pela comunidade internacional como uma limpeza étnica na Faixa de Gaza.

Vêm sendo notícia com cada vez maior frequência as manifestações de civis, um pouco por todo o mundo ocidental, contra a ação de Israel sobretudo em Gaza. Nos Estados Unidos, país que é historicamente o maior aliado de Israel, essas manifestações que agora se intensificam têm existido praticamente desde o início do conflito - que só pode ser considerado conflito precisamente no seu início, já que o termo exige a existência de pelo menos duas partes; depois desse início e daí em diante, tem sido uma chacina, um massacre, uma limpeza étnica. Logo em novembro do ano passado, pouco mais de um mês após os terríveis ataques do Hamas a civis israelitas e logo quando as forças militares de Israel mostraram ao que vinham, destruindo completamente infraestruturas do Norte de Gaza e obrigando à fuga de muitos milhares de palestinianos - além de terem matado indiscriminadamente um número indefinido de civis inocentes (mais de metade, mulheres e crianças) -, a cidade de São Francisco, por exemplo, foi palco de várias manifestações contra a intervenção israelita. O aeroporto internacional da cidade ou a célebre ponte Golden Gate, por exemplo, foram alguns dos cenários das manifestações de que os noticiários deram conta. E logo na altura o desfecho para boa parte dos manifestantes foi semelhante ao que tem sido nas últimas duas semanas para quem se tem manifestado da mesma forma: muitos acabam detidos pelas autoridades.

Estamos, à data a que este artigo é publicado, em plena Páscoa Judia, a celebração a que os americanos chamam a "Passover", uma das mais importantes festas do judaísmo, uma das três festividades de peregrinação, e que assinala, durante cerca de uma semana, o Êxodo do povo judeu do Egito bíblico. E é precisamente neste período que parte da comunidade judaica, principalmente concentrada na cidade de Nova Iorque e arredores, escolheu manifestar-se contra as ações militares israelitas na Faixa de Gaza, o que não pode deixar de ser significativo por uma série de razões, mas principalmente por uma: estas manifestações vêm, de uma vez por todas e caso ainda fosse preciso esclarecer alguém, desmistificar a fálacia que diz que protestar contra Israel - neste caso específico e concreto, contra as acções militares de Israel em Gaza, que sob muitos pontos de vista constituem crimes contra a humanidade - é ser-se anitessmita. Como podem os judeus ser antissemitas? Nem sequer faz sentido.

Estamos num ponto em que chegam quase diariamente notícias de feitos e factos que vão desde o que é claramente ilegal aos olhos da lei internacional - uma comissão independente considerou que o uso por Israel do armamento providenciado pelos EUA constituía "a violação da lei humanitária internacional" (já agora: nos últimos quinze dias, a administração Biden aprovou um orçamento de 95 mil milhões de dólares em armamento para Ucrânia, Taiwan e Israel) - até ao que constitui um vexame, um ultraje e uma tragédia desmedida - vão sendo mais frequentes as descobertas como aquela recente em Khan Younis, em Gaza, onde foram desenterrados mais de 300 corpos de uma vala comum no Complexo Médico de Nasser. E, no entanto, no meio de tudo isto, são os manifestantes que exigem o fim de uma intervenção que se estende muito para lá do que seria admissível e legítimo do ponto de vista da lei internacional. Massacra-se um povo encurralado e sem meios de defesa, financia-se ainda o armamento da fação mais poderosa naquilo a que chamam guerra, mas do qual só se vê uma parte agressora e outra indefesa, agredida, e depois manda-se prender os manifestantes pela paz como se fossem cidadãos radicais, capazes de pôr em perigo um qualquer bem maior - mas torna-se impossíveld decifrar que bem é esse.

De entre as manifestações que têm decorrido nos EUA, os protestos na Universidade de Columbia, Nova Iorque têm dado muito que falar. A maneira como a prestigiada universidade nova-iorquina tem tentado gerir os manifestantes, que chegaram a montar acampamento no campus universitário, tem merecido grande contestação de diversas origens. A presidente da universidade, Minouche Shafik, tem sido alvo de duras críticas por tentar silenciar os manifestantes pró-palestinianos - no caso, talvez fosse mais rigoroso chamar-lhes "manifestantes anti-genocídio" -, tratando-os como antissemitas. A 23 de outubro, foi notícia a intervenção policial no campus universitário de Columbia, com as autoridades a derrubarem os acampamentos dos manifestantes que ali se mantinham, mesmo depois de vários dias de avisos da presidência da universidade, ameaçando os manifestantes de que os seus protestos "teriam consequências". No mesmo dia, dezenas (talvez centenas? Não há números precisos) de estudantes foram detidos pela polícia.

E isto lembra-me uma história - ainda dizem que não há coincidências: há exatamente 56 anos, a 23 de abril de 1968, precisamente ali, naquele campus da mesma universidade, centenas de alunos ocuparam os edifícios do estabelecimento numa segunda vaga de manifestações que se tornou violenta e que acabou em severos conflitos com a polícia, e que resultou em centenas de detenções entre os manifestantes. Na época, no centro da questão, estava também uma guerra - a Guerra do Vietname. Também essa guerra mobilizava, mundo afora, manifestantes pela paz e contra anintervenção americana naquele país asiático. Hoje, não são soldados americanos a combater em Gaza, mas os israelitas usam armamento americano nas suas ações. Na época, em 1968, o que provocou e desencadeou os protestos dos estudantes da Columbia foi a descoberta de um documento, supostamente secreto, que ligava a universidade à intervenção das forças americanas no Vietname. Os manifestantes ocuparam edifícios numa primeira vaga, em março desse ano. Na segunda vaga, a 23 de abril, a situação escalou e as consequências foram pesadas.

A Guerra do Vietname durou de 1 de novembro 1955 até 30 de abril de 1975. Foram quase 20 anos de operações que resultaram em centenas de milhares de baixas de ambas as partes. Foi uma guerra que deixou marcas profundas na sociedade americana, que hoje, 50 anos depois do fim do conflito, ainda não conseguiu recuperar totalmente dos danos que a guerra causou - há uma espécie de trauma geral que prevalece, e o Vietname continua a ser tema e mote para diversos objetos e produtos da cultura popular americana. Mas as manifestações da Universidade de Columbia, em abril de 1968, foram um momento determinante na contestação ao conflito. Hoje, tal como há 56 anos, espera-se que os protestos da Universidade de Columbia exerçam pressão suficiente para que a administração americana acaba, de uma vez por todas, com um conflito - que não é sequer um conflito, é uma limpeza étnica. Para o bem de todos, seria importante que não demorasse 7 anos até ao fim da guerra - sete dias já seria demasiado tempo. Porém, parece mais urgente deter universitários que se manifestam pela paz do que parar com o fornecimento milionário de armas para que o massacre continue.

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