Isto Lembra-me Uma História: Dos Beatles renascidos ao defunto dos Nirvana
Na indústria da música, pessoas que já não estão vivas tendem a gerar dinheiro, muito dinheiro. E as fontes de onde esse dinheiro vem - ou os motivos que o justificam - podem, por vezes, ser insólitas.
A música nunca é só música, principalmente quando se trata do rock e das suas estrelas. Há um par de semanas, foi notícia que os Beatles - vejam bem, logo os Beatles - tinham lançado uma música nova. Sim, esses Beatles, os fab four que começaram por ser cinco, em Liverpool, que foram reduzidos a quatro depois da estadia em Hamburgo, com a saída de Stuart Sutcliff - aquele que, desiludido com as poucas perspectivas de sucesso da banda e iludido pelo amor e pela pintura, decidiu seguir outro caminho -, e que a vida, o tempo e um assassino chamado Mark David Chapman tratariam de reduzir a dois, subtraindo John Lennon, primeiro, e George Harrison, depois, à vida.
A tal canção chama-se Now and Then e foi escrita em 1970 por John Lennon, que a gravou numa demo tape no seu apartamento em Nova Iorque. Pouco tempo depois, a banda acabou. Os Beatles separaram-se em 1970, deixando para trás 13 álbuns que foram gravados e editados em apenas sete anos. Deixaram também para trás todas as esperanças de qualquer banda ou músico terem maior influência na cultura pop num tão curto espaço de tempo. Após o assassinato de John Lennon, a fita de Now and Then terá sido entregue aos sobreviventes dos Beatles pela viúva do músico, Yoko Ono, que considerou, segundo alguns meios, tratar-se de uma composição do marido para a banda e não para si mesmo. A história da entrega não é lá muito clara.
Os três Beatles que à época - mais de dez anos após o fim da banda - restavam, tentaram, em 1995, reformular a música e recriar a voz de John Lennon, mas a tecnologia que existia até então não era suficiente para permitir semelhante feito. Três décadas e menos um Beatle mais tarde - George Harrison morreria em 2001 -, a tecnologia lá permitiu, através da Inteligência Artificial, recriar a voz de Lennon. E assim, os Beatles que sobram, Paul McCartney e Ringo Starr, conseguiram finalmente completar a canção, que foi lançada em novembro e que integrará uma compilação revista e remasterizada da banda, a lançar em breve.
Não é preciso ser-se um génio nem um especialista em música, nem em cultura pop, para se saber que obviamente se tratou de um enorme sucesso. Chamar a Now and Then uma "música dos Beatles" pode ser exagerar - no fundo, é uma manta de retalhos que foi sendo revista e aumentada ao longo dos seus 53 anos de existência, sem que a banda inteira tivesse verdadeiramente trabalhado nela -, mas nestas coisas de pôr os mortos a gerar dinheiro, uma boa etiqueta pode valer milhões. E não há melhores etiquetas para a música do que "composta por John Lennon" e "gravada pelos Beatles".
Outro defunto que tem gerado muitos milhões de dólares nos últimos 30 anos é Kurt Cobain. Pode não estar no mesmo patamar de John Lennon e dos Beatles, mas também quem é que está? De Cobain já se lhe extraiu praticamente tudo. De canções inéditas a gravações privadas, de material para biopics a poesia escondida, o guitarrista, vocalista, compositor e, de um modo geral, mentor dos Nirvana tem dado de comer a muitas famílias, começando pela sua, sempre sob a sábia gestão da viúva Courtney Love, e acabando nas de todos os que vão partilhando o bolo dos direitos sobre o espólio que deixou.
Não é certo que as canções compostas por Kurt Cobain já tenham acabado - é sempre possível que exista mais uma fita com quatro acordes e uns murmúrios capaz de ser posta em disco e lançada como "a última composição de Cobain" -, mas é improvável que essa corda ainda possa ser esticada. E, no entanto, o célebre músico de Seattle, apesar de morto desde 1994, continua a gerar dinheiro a partir das origens mais inusitadas.
Da última vez, num leilão de pertences seus, foram angariados, por exemplo, aproximadamente 5 mil euros (o leilão foi em dólares, mas prefiro apresentar a conta já feita, para pouparmos nas conversões) num maço de tabaco. Um maço de cigarros encertado, uns American Spirits de mentol que, segundo o companheiro de quarto de Kurt Cobain no Exodus Recovery Center, em Los Angeles, onde Cobain esteve internado em reabilitação dias antes de se suicidar - o músico fugiu do centro de reabilitação para se recolher na sua mansão nos arredores de Seattle, onde eventualmente acabou por tirar a própria vida.
Kurt Cobain deixou esse maço de cigarros e mais alguns pertences ao seu colega de quarto, que agora os libertou para o leilão Played, Worn, & Torn: Rock 'N' Roll Iconic Guitars And Memorabilia, em Nashville, Tennessee. Este é, muito provavelmente, o maço de cigarros mais caro da história, e a licitação final superou as melhores expectativas da própria leiloeiro, que esperava atingir um valor entre os 740 e os 1100 euros. Afinal, valeram cinco vezes mais.
Não restam dúvidas de que Kurt Cobain é um dos mortos mais rentáveis do rock. Também recentemente, e num outro leilão, a guitarra que mais usou no decurso da digressão de In Utero - segundo fontes oficiais, Cobain tocou-a em 53 dos 63 concertos que os Nirvana deram depois do lançamento do seu derradeiro álbum de originais lançado ainda em vida -, a Fender SkyStang 1, modelo para canhotos desenvolvido pelo próprio músico a partir da original Mustang, foi arrematada por quase um milhão e meio de euros. Mais cara do que os cigarros, sem dúvida, mas também muito mais útil e menos prejudicial à saúde, pelo que se compreende a diferença de preços.
As calças de ganga que usou num videoclip, os rascunhos das letras que escreveu à mão para algumas das mais conhecidas canções, até os casacos de malha que usava em concertos: tudo serve para a etiqueta que diz Kurt Cobain gerar mais e mais dinheiro. Se Dave Grohl se sentar na bateria, e se Krist Novoselic pegar no baixo, e se ainda recrutarem Pat Smear para a guitarra, talvez os Nirvana consigam seguir o exemplo dos Beatles e, with a little help da amiga Inteligência Artificial, gerar a voz de Kurt Cobain só para lançar, agora sim, a última canção dos Nirvana. Talvez não seja possível emular o génio de Cobain, mas nunca se sabe e os fins justificam os meios.
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