Beijos, cadeiras e decotes
Que o chefe de Estado se ocupe do seu estado de saúde, todos compreendemos. O que fica mais difícil perceber é que um Presidente da República manifeste publicamente a sua apreensão relativamente às gripes hipotéticas de adolescentes com decotes.
Às vezes, parece que Portugal ainda é um país onde as pessoas encaram com excessiva reverência aqueles a quem tratam por senhor doutor. A frase é metafórica, não me refiro especificamente aos senhores doutores, o que importa reter é que ainda há um respeitinho descabido pelo estatuto social de certas figuras. Só assim se explica que haja tamanha tolerância, tão grande capacidade de compreensão e tão exagerada condescendência para com aqueles que, do alto dos cargos que ocupam, cometem erros crassos e apresentam condutas inadmissíveis.
Veja-se os casos recentes em que Marcelo Rebelo de Sousa esteve envolvido. Sem pensar muito, nem consultar notícias pelo Google: há talvez duas semanas, gozou com uma senhora perguntando-se, e perguntando a todos os presentes, se a cadeira onde aquela se ia sentar aguentaria o seu peso, insinuando, pressupõe-se, que aos olhos do Presidente da República a mulher em questão teria excesso de peso - ou, numa linguagem mais de acordo com as últimas tiradas do Presidente, que a senhora, "desculpe lá que lhe diga, não me leve a mal, está a puxar ao gorducha e um bocadinho de exercício não lhe fazia mal nenhum"; não muitos dias depois, o mesmo Presidente da República, até porque só temos um de cada vez, comentou, como se o seu gabinete ficasse no cimo de um andaime em 1982, o decote de uma jovem, acompanhada pela mãe - Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de demonstrar publicamente preocupação com o decote da moça, não fosse ela "apanhar uma gripe", insinuando que a roupa da jovem apresentava uma abertura demasiado generosa para o tempo que faz (ou, numa linguagem mais o jeito do que vai na cabeça do Presidente de todos nós, que a moça "andava ali um bocado descapotável demais, não acha? A sua menina assim ainda se constipa, minha senhora").
O mais perturbador, para além do óbvio, ou seja, para além do facto de termos um Presidente da República que não tem qualquer pudor em fazer este tipo de comentários publicamente, diante de câmaras de filmar e de microfones - comentários que qualquer outro septuagénario minimamente educado teria vergonha de fazer até num café de aldeia, quanto mais diante de jornalistas e de cidadãos que observam e escutam atentamente -, é haver quem desvalorize os episódios, como se estes não tivessem qualquer importância. O problema é que têm. Até porque parecem ser sintomas de qualquer coisa - por exemplo, podem ser sintomas de que Marcelo já não está em condições de ocupar o mais alto cargo da Nação, sendo o seu mais eminente representante em todos os assuntos e ainda o mais relevante magistrado e todas as matérias. Não podemos ter como símbolo máximo da consciência social de um Estado alguém que comenta, sem um pingo de vergonha, o decote de uma adolescente e que alude indelicadamente ao excesso de peso de uma mulher. O que é que vamos ter a seguir? Marcelo põe os pés em cima da mesa do Conselho de Estado enquanto palita os dentes e pede ao staff uma mini?
Estas matérias, sobretudo quando estão em causa condutas eventualmente machistas, são sensíveis. E longe de mim deduzir que o Presidente da República Portuguesa é machista só porque chamou - mesmo sem ter chamado - gorda a uma senhora e disse de uma rapariga - mesmo sem o ter dito - que andava com as maminhas praticamente à mostra. Mas também não vou pôr de parte essa hipótese.
Voltando ao mais perturbador: haver quem desvalorize estes episódios. Poder-se-ia pensar que, em 2023, ainda temos uma maioria de pessoas que não consegue conceber que este tipo de atos e gestos podem melindrar as mulheres. Só que isso não é verdade. Felizmente. O caso mediático que envolveu recentemente uma futebolista da seleção espanhola - uma campeã do mundo no momento em que celebrava e era consagrada - e o então presidente da Federação Espanhola de Futebol deixou bem claro que, por cá, existe consciência. As críticas foram massivas e acredito que não haja risco em dizer que a esmagadora maioria dos portugueses, homens e mulheres, condenaram, mesmo que só em pensamentos, o beijo descabido, machista e malcriado que Luis Rubiales deu a Jenni Hermoso no dia 20 de agosto de 2023. Quando paramos para pensar melhor no assunto, até parece estranho que não tenha havido, entre os portugueses, o mesmo tipo de comoção e de agitação quando, 17 dias antes, uma grande figura de Estado recebeu a seleção nacional portuguesa de futebol feminino após a participação no Mundial da Austrália e Nova Zelândia. Foi a 3 de agosto de 2023 que um muito efusivo e aparentemente fora de si Marcelo Rebelo de Sousa - esse mesmo, o Presidente da senhora demasiado pesada e da moça excessivamente despida - recebeu a comitiva portuguesa. Na ocasião, Marcelo agarrou o mais que pôde e beijou com as forças que tinha, uma por uma, as jogadoras da Seleção Nacional, até chegar ao ponto de as que ficaram para o fim, e depois do que haviam visto o Presidente fazer com as companheiras de equipa, se recusarem a ser beijadas pelo chefe de Estado.
Não quero pôr Marcelo Rebelo de Sousa ao mesmo nível de Luis Rubiales, mas a verdade é que ser presidente de uma federação de futebol também não está ao nível do que é ser-se Presidente da República. A verdade é que uma história faz, ainda que vagamente, lembrar a outra. Mas, pior ainda, todas estas histórias dão que pensar e causam apreensão. Acredito que todos os portugueses têm - ou tinham, pelo menos - Marcelo como uma pessoa idónea e de bem, alguém com uma conduta exemplar, para não dizer irrepreensível, um homem sensato e ponderado, sem que isso alguma vez tivesse significado acanhado ou silencioso na hora de se manifestar e de dizer o que pensava sobre determinado assunto. O que se passa então com o Presidente? O que é que pode levar a que o Marcelo que fomos conhecendo, domingo após domingo, enquanto nos explicava o que pensar acerca das múltiplas e complexas realidades que envolvem a vida nacional e a conjuntura internacional, se tenha transformado de repente num homem sem maneiras, que já não sabe estar em público? Ou será que não foi de repente e o que aconteceu foi simplesmente o tempo a passar por ele e nós nem demos conta? Não estou com isto a dizer que Marcelo Rebelo de Sousa está velho, tal como o próprio nunca disse que a outra senhora estava gorda. Mas será que ele se aguenta na cadeira?
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