Prazeres / Lugares

"Eu tive uma quinta no Douro, perto de Ervedosa, no lugar de Ventozelo"

Há muitas grandes quintas com hotéis no Douro, mas em Ventozelo sempre nos receberam com o prazer de quem recebe os amigos, e um copo de vinho na mão. E celebram dez anos de olhos postos em São Salvador da Torre, um novo projeto nos Vinhos Verdes.

Foto: DR
07 de agosto de 2024 | Bruno Lobo

Debruçada sobre as encostas de vinha, como se fosse um socalco mais, a piscina infinita de Ventozelo oferece uma vista imperdível sobre o Douro. Com o Pinhão ao fundo, é seguramente um dos locais mais instagramáveis do Douro − e um postal perfeito para o hotel −, mas não explica nem um décimo daquilo que é Ventozelo. 

As imagens nem sempre valem mil palavras, contam o prazer com que somos recebidos ou a magia de beber um vinho debaixo do Chorão, no sítio onde nasce. A hospitalidade, o saber receber e a tranquilidade de Ventozelo são a razão de termos roubado descaradamente as palavras da baronesa Von Blixen, em "África Minha" ("I had a farm in Africa"), porque não é difícil sentirmo-nos em casa.    

Ventozelo é uma das maiores e mais antigas quintas do Douro, com uma área de 400 hectares, metade dos quais de vinha, e um passado que remonta pelo menos a D. Diniz. Era um gigante adormecido até à compra pela Granvinhos em 2014, renascida depois por um dos mais sérios projetos de viticultura e de enoturismo que o Douro assistiu na última década. "Foram dez anos fantásticos", saúda o CEO do grupo, Jorge Dias, admitindo "sem falsas modéstias" que o que conseguiram fazer nesse período "foi notável a todos os níveis. No turismo e nos vinhos."

Ventozelo é uma das maiores e mais antigas quintas do Douro, com uma área de 400 hectares, metade dos quais de vinha, e um passado que remonta pelo menos a D. Diniz.
Ventozelo é uma das maiores e mais antigas quintas do Douro, com uma área de 400 hectares, metade dos quais de vinha, e um passado que remonta pelo menos a D. Diniz. Foto: DR

Especialmente quando se recorda de ter lido, no esboço do livro Ventozelo, uma Quinta Milenar no Douro Vinhateiro, de Gaspar Martins Pereira, "o problema de Ventozelo é a sua dimensão. É tão grande que nenhum dos antigos proprietários teve meios suficientes para concluir os projetos". Leu-o pouco depois de comprarem a quinta e "para onde quer que me virasse via edifícios em ruínas, estradas por fazer, vinha por restruturar…" Pensou "no que me fui meter…" 

Em dez anos replantaram cerca de 40 hectares de vinha e trataram dos outros 160. Arrancaram castas estrangeiras, como Cabernet Sauvignon e Merlot, e voltaram a plantar autóctones. "Só deixámos ficar o Syrah, porque era tão bom que não tivemos coragem". Lançaram quase trinta referências para o mercado, entre as quais os superlativos Essência de Ventozelo, e excelentes monocastas com destaque para o Viosinho, Rabigato, Tinta Amarela e Tinto Cão.  

"O vinho do Douro é um vinho do lote, mas temos aqui tantas castas, em quase todas as altitudes, que valia a pena apostar nisso. É muito engraçado provar os monocastas e depois o blend, as pessoas percebem melhor o que está no copo". 

Desde o primeiro ano "os resultados suplantaram o estudo de viabilidade económica" e, mesmo assim, "o potencial de Ventozelo está por realizar. Do ponto de vista vitícola, 10 anos não é nada", diz. A aposta continuará focada nos DOC Douro e agora mais em vinhos de lote e field blends, com vinhos de parcela. Do lado dos Porto, a novidade será um Tawny Colheita. A quinta tem capacidade para produzir um milhão de garrafas, e produz atualmente cerca de 300 mil, pelo que há muito ainda por onde crescer.

Em dez anos replantaram cerca de 40 hectares de vinha e trataram dos outros 160. Arrancaram castas estrangeiras, como Cabernet Sauvignon e Merlot, e voltaram a plantar autóctones.
Em dez anos replantaram cerca de 40 hectares de vinha e trataram dos outros 160. Arrancaram castas estrangeiras, como Cabernet Sauvignon e Merlot, e voltaram a plantar autóctones. Foto: DR

No enoturismo foi necessária alguma insistência até conseguirmos levantar a ponta do véu sobre um "pequeníssimo núcleo de casas na árvore, junto ao rio", um pouco à semelhança do que foi feito em Pedras Salgadas. Um núcleo ainda sem número de casas definido, mas que se vai juntar à atual oferta de 29 quartos, tantas vezes esgotados. Serão os primeiros construídos de raiz, num hotel que teve a particularidade de ter nascido sem construção nova, apenas transformando os antigos edifícios de trabalho da quinta em lugares surpreendentes, como os dois enormes balões de cimento que serviam para armazenar vinho e que deram lugar a duas espaçosas suites. A antiga Casa do Feitor, o velho celeiro ou os Cardanhos, os dormitórios onde os trabalhadores ficavam hospedados, são outros desses espaços. 

Mantiveram a Cantina (e o nome) como restaurante, e apostaram no receituário tradicional da região, num levantamento levado a cabo por Miguel Castro e Silva. A Cantina está agora nas mãos mais do que competentes do chef José Guedes, e é mais um lugar para se ser feliz em Ventozelo.

A Cantina está agora nas mãos mais do que competentes do chef José Guedes, e é mais um lugar para se ser feliz em Ventozelo. 
A Cantina está agora nas mãos mais do que competentes do chef José Guedes, e é mais um lugar para se ser feliz em Ventozelo.  Foto: DR

O Centro Interpretativo 

O centro interpretativo é a outra prova de que Ventozelo é um hotel diferente, porque é um espaço onde se pode ficar a conhecer melhor a história do Douro, o vinho e a quinta. "Para mim era inimaginável criar Ventozelo sem este centro interpretativo", revela Jorge Dias, que, antes de assumir a liderança do grupo, foi coresponsável pela candidatura do Douro a Património Cultural da Humanidade. Curiosamente, a escritura de compra deu-se, precisamente, a 14 de dezembro, no mesmo dia em que a UNESCO tinha promovido a região. O centro tem atraído vários visitantes fora do hotel, serão mais de 17 mil já, e só não serão mais porque quando o hotel está completamente cheio têm de fechar portas. Cá fora, o Jardim dos Aromas transporta-nos para as muitas fragrâncias de Ventozelo, e é ali que se colhem os botânicos que vão criar outro grande produto de Ventozelo: o Gin. 

O centro tem atraído vários visitantes fora do hotel, serão mais de 17 mil já, e só não serão mais porque quando o hotel está completamente cheio têm de fechar portas.
O centro tem atraído vários visitantes fora do hotel, serão mais de 17 mil já, e só não serão mais porque quando o hotel está completamente cheio têm de fechar portas. Foto: DR

A primeira vez que visitei Ventozelo foi em setembro de 2015, poucos meses depois da aquisição. Ainda não havia piscina, nem hotel, mas já havia vinhos, embora sem rótulo, e foi possível perceber que tinha nascido algo especial. Entre as experiências, inclusivamente, já lá estava o (agora) famoso Viosinho, engarrafado como monocasta. Provámos essas novidades à sombra do velho chorão, junto à casa velha e à vinha que leva o seu nome. A vista pode não ser tão fotogénica como a da piscina infinita, mas é mais rural, com as Carvalhas em frente e a Roêda, do outro lado do rio. É um lugar muito especial de Ventozelo, e foi com enorme prazer que me sentei uma vez mais à sua sombra este ano, para provar outras novidades e brindar aos dez anos, agora já com um espumante Grande Reserva, colheita de 2018. E o mínimo que se pode dizer é que a estreia é auspiciosa. Feito a partir de Malvasia Fina, Rabigato, Códega e Gouveio, e com a mão também de Celso Alves, das Caves Transmontanas, tem a cremosidade e o brilho imprescindíveis em todos os grandes espumantes.

A quinta tem capacidade para produzir um milhão de garrafas, e produz atualmente cerca de 300 mil, pelo que há muito ainda por onde crescer.  
A quinta tem capacidade para produzir um milhão de garrafas, e produz atualmente cerca de 300 mil, pelo que há muito ainda por onde crescer.   Foto: DR

Um grupo, tantos projetos 

Para depois do verão está marcada a próxima grande novidade, com entrada nos vinhos verdes após a aquisição de São Salvador da Torre. A ideia de lançar um verde depois do verão tem um propósito, e é precisamente demarcar-se da ideia "dos vinhos de piscina" e enfatizar que se trata de algo mais sério, um Loureiro, sobre o qual têm "as melhores expectativas". Os vinhos serão feitos em mais uma parceria, desta vez com Anselmo Mendes "o Sr. vinho verde", que já estava ligado a este projeto. 

Trata-se de uma propriedade com 37 hectares, completamente murada, e um enorme potencial enoturístico, com uma casa construída no século XVI e vários acrescentos até ao século XX. "Um património edificado que permite fazer uma coisa muito engraçada recuperando o que já existe, como fizemos em Ventozelo". Além disso, está a uma hora do Porto, a 20 minutos de Espanha, a sete quilómetros do mar… 

Serão os primeiros construídos de raiz, num hotel que teve a particularidade de ter nascido sem construção nova, apenas transformando os antigos edifícios de trabalho da quinta em lugares surpreendentes,
Serão os primeiros construídos de raiz, num hotel que teve a particularidade de ter nascido sem construção nova, apenas transformando os antigos edifícios de trabalho da quinta em lugares surpreendentes, Foto: DR

Na ilha da Madeira, onde detêm a marca Justinos, estão igualmente a desenvolver um espaço de enoturismo em tudo semelhante ao Porto Cruz em Gaia. Numa zona anteriormente ocupada por cinco prédios na baixa do Funchal, vai nascer um edifício único, com um centro interpretativo do vinho da Madeira, loja, restaurante e terraço, que vai procurar "descomplicar o consumo do vinho da Madeira". Terá cocktails para apelar a um público mais jovem e terá, igualmente, os vinhos de Porto Santo, que também produzem com Caracol e Listrão. 

De regresso ao Douro, perto do Peso da Régua, estão a investir 25 milhões de euros numa nova adega, que se vai juntar à de Alijó. Ambas permitem fazer vinhos fortificados e tranquilos, mas enquanto Alijó está mais pensada para os Porto, aqui será ao contrário.  

A detentora das marcas Dalva e Porto Cruz não terá outros planos de investimento, embora Jorge Dias admita que gosta muito "do Dão e da Bairrada, pelo estilo de vinhos que produzem". Sendo certo que há dois anos tentaram adquirir as Caves de São João. Mas "teria de ser uma grande oportunidade, porque depois de tudo isto estamos, basicamente, a lamber as feridas." 

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