Vinhos para guardar ou beber já? Especialistas respondem
Produtores, enólogos, académicos, jornalistas, responsáveis de restaurantes e garrafeiras responderam sobre o tema dos vinhos de guarda. A ideia foi saber o que são vinhos para envelhecer, os mais adequados, como se fazem no terreno e nas adegas.
O que são afinal vinhos de guarda? Há um conceito associado? A definição de vinhos de guarda desperta vários assuntos, mas parece ser consensual a relação entre a qualidade e o correto envelhecimento.
Para Francisco Bento dos Santos, responsável da Quinta do Monte d’Oiro, vinhos que envelhecem bem "podem ser guardados em cave por muitos anos pois evoluem bem em garrafa, ganhando complexidade aromática e elegância, refinando a sua personalidade e proporcionando um enorme prazer que largamente compensa o tempo de espera". Paulo Coutinho, enólogo e produtor independente, refere que um vinho de guarda "deve ter a capacidade de envelhecer por mais de 10 anos, enquanto um vinho branco de guarda deveria durar mais de 5 anos, pelo menos". Para a especialista no setor Mariana Siqueira, da Garrafeira Imperial, são vinhos lançados para o mercado "ainda com potencial de evolução positiva, ou seja, que ainda vão melhorar com o tempo, desde que armazenados de maneira correta".
A jornalista Maria João de Almeida, garante que "são vinhos com boa acidez, taninos robustos e uma estrutura que lhes permite amadurecer e evoluir na garrafa". Luís Costa da Revista de Vinhos - A Essência do Vinho, sustenta que os vinhos de guarda "raramente estão num ponto ideal de consumo quando são lançados para o mercado". Pierre de Lemos, diretor-geral da Quinta de Lemos, garante que na sua propriedade não acreditam no vinho como um produto de grande consumo, "mas sim como um néctar", por isso, produzem vinhos para guardar.
O professor Virgílio Loureiro afirma que não há uma definição legal de vinho de guarda, "embora seja um conceito geralmente aceite e cada vez mais reconhecido". A produtora e enóloga Joana Roque do Vale simplifica: "São os vinhos que guardamos na nossa memória". Ou a versão minimalista do também enólogo e produtor duriense Luís Soares Duarte, que os define com "a capacidade de resistir com saúde ao passar do tempo". Num entendimento mais académico, o produtor e enólogo António Ventura avança que estes vinhos "revelam na sua composição físico-química, na sua estrutura e na prova organolética, aptidões superiores para poder evoluir por vários anos na garrafa em trajeto ascendente e de forma equilibrada".
Que vinhos guardar
A ideia de que vinhos com mais acidez são melhores para preservar parece ser relativamente consensual. A responsável da garrafeira Wines 9297, Helena Pereira Muelle, refere "a acidez natural e taninos, geralmente de regiões mais frias e altitudes mais elevadas" como os vinhos ideais para conservar. A mesma opinião tem Sérgio Frade, proprietário dos restaurantes Guelra e Frade em Lisboa, que aponta a tríade "álcool, acidez e taninos".
Para o enólogo e produtor Jorge Alves, para envelhecer são os que possuem "bom equilíbrio entre a estrutura, o corpo, o álcool, a concentração, o pH e acidez fixa, a gravidade e a precisão". Refere que os fortificados como vinhos do Porto, "na categoria Vintage são quase imortais". Virgílio Loureiro diz que "a ciência ainda não conseguiu identificar todos os fatores que condicionam o envelhecimento" e confessa-se "admirador dos vinhos na idade adulta". Costuma estar muito atento quando os prova e já conseguiu identificar algumas relações causa/efeito como "os vinhos novos com pouco ou nenhum aroma que melhoram muito com o tempo de guarda, enquanto os muito aromáticos o vão perdendo".
Paulo Coutinho destaca aspetos como "o tipo e cor da garrafa, o tipo de rolha e sua taxa de transferência de oxigénio (OTR), e as condições de envelhecimento da garrafa", como determinantes, mas refere que o fator mais crucial "é a forma como o vinho foi elaborado" que, neste caso, de um vinho destinado a ser guardado "deve ser submetido a uma fermentação com curtimenta, mesmo que parcial". Francisco Gonçalves, enólogo e produtor, salienta que se encontram "vinhos que demonstram uma excelente capacidade de envelhecimento e isso deve-se ao conhecimento que se adquiriu ao longo dos anos". O jornalista Luís Costa refere que toda a tipologia mostra capacidade de guarda, "basta pensar nos grandes brancos do Buçaco ou da Borgonha ou no Barca Velha e nos vinhos de Bordéus, falando dos tintos".
Para a enóloga Martta Reis Simões, da Quinta da Alorna, os mais adequados para envelhecer são os "os brancos, tintos, fortificados, espumantes e, dentro de cada categoria, existem os que beneficiam com o envelhecimento, de um modo geral tintos e portos Vintage". Maria João de Almeida não tem dúvidas que "historicamente os grandes brancos e tintos encorpados das regiões do Dão e da Bairrada sempre envelheceram bem, mas hoje o conhecimento da vinha e a qualidade do vinho aumentaram tanto, que isso também acontece em outras regiões nacionais". Para Luís Soares Duarte, são os licorosos mais apropriados para guardar, enquanto para Carlos Bagio, proprietário do restaurante Alentejo.Come, "independentemente do seu tipo, cor ou castas, é uma decisão do seu produtor e enólogo. Desde a vinha, na adega e na conservação, tudo é diferente".
Antes do vinho ser vinho
A viticultura pode ajudar na preparação de um vinho para envelhecer, mas para Paulo Coutinho "é o viticultor que realmente faz a diferença, é ele quem tem a capacidade de adaptar-se ou contornar as condições em que as diferentes castas estão inseridas", ou seja, "escolher o momento certo de colheita e tomar decisões durante todo o processo". Sérgio Frade aponta uma "viticultura cuidada que respeite a maturação certa e potencialize o terroir e a força de cada casta", enquanto Francisco Gonçalves desvaloriza a importância de um tipo de viticultura específico, "até porque temos vinhos antigos extraordinários, onde não havia o conhecimento de hoje e vemos vinhas velhas que nos oferecem vinhos inusitados". Helena Pereira Muelle refere que "há que pensar no tipo de solo, na exposição solar, em vindimas mais precoces e na seleção de castas". Por seu lado, Jorge Alves releva "técnicas de viticultura equilibradas, produções baixas e sanitariamente perfeitas e maturações irrepreensíveis".
Para o produtor e enólogo Luís Soares Duarte, o segredo é "uma viticultura equilibrada e regenerativa, mas o tipo de solo, as castas, o clima, a altitude e a zona/região, são fundamentais". Virgílio Loureiro destaca o clima e a fertilidade do terreno como "mais importante do que a viticultura". O professor refere que em regra, "poder-se-á afirmar que quanto maior a produção de uva por hectare menor a longevidade do vinho". Carlos Bagio também privilegia "uma vinha com baixo rendimento, de idade adulta, com pouca disponibilidade hídrica, favorecendo assim o equilíbrio e a concentração das uvas". Já para António Ventura, a viticultura tem que "respeitar a natureza e a própria planta, com cargas produtivas muito controladas e um plano de nutrição capaz de suprir as carências mais acentuadas".
Papel do alquimista
No que respeita à forma como o vinho vai ser feito, com o intuito de o guardar, António Ventura garante que a vinificação que melhor potencia o envelhecimento é a que "seleciona as melhores uvas à entrada da adega e os contactos peliculares mais ou menos prolongados". Luís Soares Duarte considera que as vinificações mais adequadas "são sempre as que mantêm contato pré, durante e pós fermentativas, tanto para tintos como para brancos".
Luís Costa levanta a questão de ter provado vinhos de baixa intervenção na adega "com enorme capacidade de envelhecimento, pelo que a resposta não pode ser taxativa", mas vai apontando as "vinificações que puxam pela estrutura dos vinhos e pressupõem estágios prolongados em barrica" como mais favoráveis. Maria João de Almeida também defende um processo com "uvas de grande qualidade com macerações prolongadas", aliada "à utilização de leveduras naturais, fermentação em barricas de carvalho e uma estabilização e filtração moderadas". Para a enóloga Martta Reis Simões, "a expressão "menos é mais" aplica-se neste caso, tal como "respeitar as uvas e seguir processos simples". Diversas práticas como fermentar com ou sem engaço, temperaturas de fermentação, tempo de remontagens, pisa a pé, momento da desencuba, estágio nos diversos vasilhames são, para a responsável, "uma opção do enólogo de acordo com um estilo de vinho que queira fazer tendo em vista a sua maior ou menor longevidade".
O professor, e também enólogo Virgílio Loureiro, prefere falar no "tipo de manipulação do vinho na adega, que inclui a vinificação (e momento da vindima) e o estágio antes do engarrafamento". Diz mesmo que quando procura fazer um vinho de grande longevidade costuma optar por "vindimar antes das uvas atingirem os 13 graus, embora dê ainda mais atenção à acidez total, que deve ser sempre superior a 6 gramas por litro".
Onde guardar
A conservação é importante na medida em que pode determinar a longevidade. Há regras e hábitos, alguns pessoais, como descreve Paulo Coutinho que confessa não guardar muitas garrafas. O enólogo e produtor diz que as que quer beber num futuro próximo "são mantidas na posição vertical, enquanto aquelas destinadas a um envelhecimento mais longo são armazenadas deitadas em local fresco e com poucas variações de temperatura". Para Carlos Bagio "?o vinho é como as pessoas que se preparam para um envelhecimento longo e saudável que terão mais probabilidade de o conseguir, mas há fatores internos e externos que podem jogar contra as probabilidades". Sérgio Frade indica "luz, temperatura e humidade no ponto certo", enquanto Helena Pereira Muelle, da garrafeira Wines 9297, garante que para conservar um vinho além da temperatura, humidade, exposição à luz, as garrafas devem estar na posição horizontal "para que o vinho permaneça em contato com a rolha". A especialista Mariana Siqueira diz que "o vinho deve ser conservado num local com temperatura idealmente constante pelos 14 graus, sem trepidações, longe da luz direta e com humidade a volta de 70%". Refere que as garrafas devem estar deitadas "para que a rolha se mantenha húmida e não encolha deixando passar demasiado oxigénio".
O enólogo Jorge Santos não tem dúvidas que a conservação deve ser feita num local fresco entre 14 e 16 graus "ao abrigo da luz, com a garrafa deitada, sem trepidações". Para Luís Soares Duarte, a guarda deve ser feita "com paciência e o mínimo de condições de temperatura e humidade". Maria João de Almeida refere que os vinhos licorosos estagiados em madeira, e posteriormente engarrafados, "podem manter-se de pé, pois já oxidaram tudo o que tinham a oxidar". Martta Reis Simões alerta para que "a cozinha será sempre o local menos apropriado devido às fontes de calor e oscilações de temperatura".
Já o professor Virgílio Loureiro diz que um fator decisivo é a temperatura de armazenagem, "pois quanto mais elevada, mais rápido é o envelhecimento". Aponta como determinante "a qualidade da rolha, que tem de assegurar a hermeticidade da garrafa". O professor revela que uma técnica para saber quanto tempo aguenta um vinho "consiste em ir abrindo uma garrafa da mesma caixa para acompanhar a sua evolução".
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