O que pode – e o que não pode – roubar em hotéis sem sofrer consequências
Há qualquer coisa nas estadias em hotéis que transforma até a alma mais honrada num cleptomaníaco que rouba champô.
Ao chegar a um hotel boutique em Londres recentemente, ouvi a frase mais mágica que se pode ouvir: "Fizemos-lhe um upgrade para uma suite."
Entre as minhas novas regalias, encontrava-se um mini-bar gratuito. Quando fiz o check out, esvaziei diligentemente todo o seu conteúdo para a minha mala. O chocolate artesanal com pedaços de massa azeda, os bomboms de menta, as saquetas de tisanas e as águas tónicas Fever-Tree eram uma escolha óbvia. Porém, não consegui parar por ali. Também levei comigo as batatas fritas com sabor a carne assada e o sumo de arando – apesar de detestar ambos – bem como, admito, tudo o resto.
Estava ligeiramente preocupada com a possibilidade de o meu pai, que estava hospedado comigo, me julgar pelo meu comportamento açambarcador, mas virei-me e vi-o a embrulhar, delicadamente, um sabonete já aberto em duas camadas de papel higiénico – o bloco de notas, as canetas e os envelopes já estavam na sua mala.
Foi uma cena vagamente patética, mas familiar para muitos – e ocorreu-me que estávamos a apenas um passo de distância do famoso episódio de Friends em que Ross surrupia tudo, desde umas pinhas ornamentais a lâmpadas e pilhas num B&B chique em Vermont (a sua mala demasiado cheia acaba por se abrir em pleno lobby).
A ética da personagem era a seguinte: "Temos de encontrar a fronteira entre roubar e levar aquilo que o hotel nos deve. Secador de cabelo, não, não, não, mas champô e condicionador? Sim, sim, sim."
A fronteira ténue
Para alguns, porém, essa fronteira é indefinível e costuma estar muito para além dos artigos de higiene que desaparecem no final das estadias. As unidades hoteleiras ficam metade divertidas, metade pasmadas com a nossa cleptomania coletiva. Paul Bayliss, diretor geral do Hotel Brooklyn, cujo tema decorativo é Nova Iorque e possui unidades em Manchester e Leicester, insinua que não há nada que os hóspedes não tentem roubar.
"Os hóspedes levarem canetas, blocos de notas e produtos de banho é normal, mas também já nos aconteceu levarem almofadas, retratos, colchas e até colchões e televisores", comentou.
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Num cenário ainda mais avançado, Bengt Mortstedt, proprietário do Bequia Beach Hotel, na ilha de S. Vincente e Granadinas, recorda que um hóspede saiu mais cedo e levou todos os lençóis, cobertores, toalhas e almofadas do seu quarto. Numa cena digna de um drama televisivo de baixo orçamento, o pessoal do hotel conseguiu apanhar o ladrão, que viajara diretamente do hotel para o terminal do ferry a fim de fugir da ilha, embarcando no navio mesmo antes deste sair do porto.
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Ao longo dos anos, os hotéis topo de gama reportaram uma série de furtos de objetos de valor. Não se percebe bem como, mas uma lareira em mármore desapareceu do Four Seasons Beverly Wilshire. Já em Hong Kong, um candelabro foi roubado no Shangri-La e uma obra de arte de Andy Warhol no valor de 300 mil dólares no hotel W. No outro extremo da escala, já foram roubados inúmeros cortinados e espelhos no Travelodge.
Embora a motivação para roubar obras de arte valiosas seja evidente, a compulsão de encher as malas com peças de baixo valor merece ser examinada. A minha própria abordagem de levar tudo (dentro de limites razoáveis) dos hotéis não tem paralelos no meu dia-a-dia e não sou, de todo, ajuizada com os gastos nem ando sempre à procura de pechinchas. No entanto, algo acontece no momento do check out: tenho de ficar com tudo, mesmo que não queira nem precise – como comprovado pelo meu sótão cheio de chinelos de hotel.
A psicologia
O psicoterapeuta Noel McDermott sugere que, quando levamos objetos dos hotéis, estamos a tentar preservar a experiência das nossas férias. Segundo ele, "os hóspedes dos hotéis não resistem a levar estas amenidades para casa porque são, basicamente, recordações. É um fetiche inofensivo da experiência."
"Investir em objetos com conteúdo e significado emocional é algo que começa cedo. Pense, por exemplo, na mantinha especial de uma criança, que substitui a experiência real de ser abraçado. Desenvolvemos esta capacidade de transpor relações para outras coisas e depois podemos projetá-las noutros objetos, por isso levamos as coisas connosco como uma forma de conservarmos as experiências que tivemos."
Devemos dizer que a maioria das pessoas sabe onde se encontra a fronteira – é evidente que meter na mala umas quantas saquetas de chá Earl Grey não se compara com uma lâmpada. Os artigos de higiene pessoal costumam ser considerados legítimos, embora esta questão esteja a tornar-se mais complicada agora que as miniembalagens de plástico estão a ser substituídas por recipientes recarregáveis de maior dimensão.
O grupo Artist Residence, por exemplo, que fornece embalagens de tamanho normal de produtos de banho Bramley (com um preço de venda de cerca de 20 libras esterlinas) nos seus hotéis boutiques do Reino Unido, avisa os hóspedes que, embora possam usar o gel de banho à vontade durante a estadia, se o levarem consigo, este será cobrado. Outros hotéis prendem as embalagens à parede para dissuadir os visitantes de mão leve, o que destoa um pouco nos estabelecimentos mais caros e requintados.
Objetos como cabides, pilhas (do comando à distância, por exemplo), lâmpadas e rolos de papel higiénico encontram-se numa zona cinzenta: é pouco provável que lhos cobrem, mas talvez deva proceder a um exame de consciência caso decida levá-los consigo.
Casa longe de casa
À medida que os hotéis adotam uma tendência estética "casa longe de casa", as probabilidade de serem vítimas de roubo podem aumentar por os hóspedes se sentirem demasiado à vontade ou quererem levar consigo uma dose de lifestyle.
Focados no público millennial, os hotéis Max Brown, com unidades em Amsterdão, Berlim, Dusseldorf e Viena, revelam que discos de vinil e gira-discos, bem como telefones vintage e saleiros kitsch, são regularmente levados dos quartos. Por outro lado, por vezes os hóspedes deixam para trás objetos invulgares – já encontraram umas cuecas dentro de uma chaleira.
Com as grandes cadeias hoteleiras a apresentarem-se igualmente como marcas de lifestyle – veja-se o sucesso da Soho Home, cujas velas e mantas são peças obrigatórias nas mansões de Montecito – os furtos poderão tornar-se menos problemáticos. Paul Bayliss, do Hotel Brooklyn, diz: "Facilitamos a vida aos nossos hóspedes que querem levar uma recordação informando-os de que está tudo à venda (quase todos os objetos que se encontram no quarto), por isso se levarem alguma coisa, estão na verdade a comprá-la. Achamos que esta abordagem funciona porque os nossos prejuízos são mínimos."
De facto, se tudo já estiver avaliado e contabilizado, como nos mini-bares, é muito mais fácil diminuir os roubos clandestinos. No que diz respeito ao efeito psicológico exercido sobre os hóspedes, o facto de levarem algo, sabendo que o podem comprar online ou numa loja de lembranças, faz com que a peça tenha um preço efetivo, transformando o ato de o meter na mala num furto assumido.
Em última análise, se gostar mesmo daquele objeto, a mensagem é que pode levá-lo, se assim o desejar, mas esteja preparado para o ver na conta.
Em síntese
Embora as políticas variem, existem normas gerais quanto ao que é aceitável levar consigo do hotel. É evidente que o facto de poder levar algumas coisas não significa que deva, sobretudo tendo em conta que a indústria em geral está a fazer um esforço para reduzir o desperdício.
Emma Beaumont/The Telegraph/Atlântico Press
Tradução: Érica Cunha Alves
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