Prazeres / Lugares

O hotel preferido de Sissi e de Churchill continua a ser um clássico de luxo

Há mais de 130 anos que o Reid’s Palace, assente sobre uma falésia no Funchal, é uma referência mundial do luxo e do bom gosto. Cheio de histórias das grandes figuras internacionais que o escolheram, concilia as glórias do passado com um conforto contemporâneo que passa pelo design, pela gastronomia e pelo bem-estar.

Foto: Armando Jorge Mota Ribeiro
22 de maio de 2023 | Maria João Martins

Na véspera de natal de 1893, a capitania do Funchal e os navios da Royal Navy ali ancorados assinalaram com 21 salvas de canhão a chegada da imperatriz da Áustria-Hungria, Elizabeth de Habsburgo, conhecida em todo o mundo pelo petit nom de Sissi, que, precisamente nessa data, celebrava 56 anos. Os carregadores, que imediatamente acorreram ao iate imperial "Greif," sabiam de antemão onde deveriam conduzir os reais viajantes e sua abundante bagagem: Ao Reid’s Palace Hotel, inaugurado apenas dois anos antes, mas cuja fama de requinte sem igual já chegara aos príncipes de sangue e da indústria de todo o mundo. Sua Majestade Imperial, tida ainda por cima como uma das mulheres mais belas da Europa, ali permaneceria durante quase dois meses, já que o Reid’s lhe deu o sossego e discrição a que aspirava no final de uma vida frequentemente visitada pela tragédia, ao mesmo tempo que proporcionava à sua comitiva um glamour rodopiante digno da Viena de Strauss pai e filho. Sissi voltava, assim, à ilha que visitara na juventude e onde, segundo escreve Agustina Bessa-Luís no romance A Corte do Norte, deixara uma forte impressão, levando as donzelas do Funchal a trocar os ingénuos vestidos de cambraia a que estavam habituadas por modas mais elaboradas. 

Reid’s Palace Hotel há alguns anos atrás.
Reid’s Palace Hotel há alguns anos atrás. Foto: D.R/Belmond Reid´s Palace

Tal escolha de alojamento não passou despercebida aos pares europeus de Sissi, já que, nas décadas seguintes, o Reid’s seria procurado por outras cabeças coroadas da Europa como Umberto de Sabóia, último Rei de Itália, Zita, última Imperatriz da Áustria que aqui se deslocaria anualmente para visitar o túmulo do marido falecido na Madeira, o duque de Windsor e vários membros da família real espanhola. Ou vários titulares britânicos, o mais famoso dos quais foi Winston Churchill, cujas presenças assíduas levaram a que se chamasse à sala de jantar do hotel "Câmara dos Lords." Na origem de tudo está a visão empreendedora de William Reid, que ainda adolescente chegou à Madeira em busca dos invernos amenos que a sua Escócia natal lhe negava. Sem meios de fortuna, o rapaz começou por trabalhar numa padaria, mas em breve começaria a procurar oportunidades de negócio, decidindo-se pela exportação de vinho de Madeira e mais tarde também pela exploração de chalets e quintas para aluguer a turistas endinheirados que, em número crescente, procuravam a região para estadias de média e longa duração. Seria, aliás, no âmbito desta atividade que, em 1847, William conheceria a sua futura mulher, Margaret Dewey, dama de companhia de Lady Camden, que chegara à ilha para escapar ao inverno britânico, tão desfavorável aos pulmões, e que consigo levara mobília e pessoal doméstico. 

Esplanada antiga Reid´s Palace.
Esplanada antiga Reid´s Palace. Foto: D.R/Belmond Reid´s Palace

O casal começaria por abrir um primeiro hotel - o Royal Edinburgh - mas não se daria por satisfeito. Compraria uma falésia rochosa às portas do Funchal, com uma vista privilegiada sobre a cidade e sobre o porto, também conhecida por Salto do Cavalo, e entregaria o projeto arquitetónico de um novo hotel a J. T. Mickelthwaite e George Sommers Clarke — este último responsável pelo mítico Shepherd’s Hotel, no Cairo. O novo estabelecimento abriria portas a 1 de novembro de 1891, três anos depois da morte de William, mas com os seus dois filhos mais velhos, William (Willy) e Alfred Reid na liderança. O Reid’s ficaria na família até 1925. Desse tempo resta o núcleo central do hotel, a que foram acrescentadas sucessivas alas, e o quarto mais antigo está devidamente assinalado com a placa "28", bem perto da monumental sala de jantar que, no final do século XIX, acolheu a Imperatriz da Áustria e seus cortesãos. Mantida ao gosto dessa época, a decoração permite-nos fechar os olhos e imaginar o som das sedas a deslizar ao som das valsas interpretadas pela orquestra. Ou talvez não seja só imaginação, já que, entre os muitos atrativos deste lugar histórico, contam-se as suas histórias de fantasmas renitentes em abandonar tão aprazível morada.

Não se pense, todavia, que o Reid’s Palace vive das lendas gloriosas do passado. Na atualidade, o hotel é frequentemente votado como um dos 30 melhores resorts da Europa pelos leitores da Condé Nast Traveller. Com uma oferta de 123 quartos e suites, que variam entre muito confortáveis Classic Rooms e imponentes Presidential Suites (incluindo aquela em que Churchill e a mulher Clementine viveram durante largos meses) com varandas ou terraços com vistas arrebatadoras sobre o Atlântico ou o porto do Funchal, luxuosas casas de banho em mármore, o Reid’s dispõe ainda de três piscinas, duas aquecidas e uma de ondas e água salgada. 

Um dos quartos do hotel.
Um dos quartos do hotel. Foto: D.R/Belmond Reid´s Palace

Um dos seus maiores trunfos é o imenso jardim, bem representativo da riquíssima flora da ilha. Aqui coexistem, favorecidas por um clima único, madressilvas, orquídeas,  jasmim,  estrelícias, lavanda, frangipani, aloe vera, palmeiras, ciprestes, oliveiras selvagens, buganvílias (na Madeira, florescem durante todo o ano), a flor do jade, oriunda das Filipinas, representada no serviço de louça que a Vista Alegre concebeu em exclusivo para o Reid’s, mas também árvores de fruto como a pitangueira, romanzeira ou mangueira

Jardim exterior equipado com piscinas e espaços de lazer.
Jardim exterior equipado com piscinas e espaços de lazer. Foto: D.R/Belmond Reid´s Palace

Algumas destas flores adornam os vários espaços públicos do hotel, em arranjos sempre frescos, enquanto os frutos contribuem para a excelência da oferta gastronómica, muito variada e capaz de agradar aos mais diversos apetites. Tudo começa logo pela manhã, com a experiência do pequeno-almoço no Pool Terrace, quando a variedade dos frutos tropicais se impõe, e o bolo do caco acompanha com uma manteiga capaz de nos fazer esquecer qualquer intenção de dieta. Os hóspedes também podem almoçar neste restaurante, com pratos confeccionados com produtos locais e biológicos. A experiência gastronómica continua no William Restaurant, detentor de uma estrela Michelin, assim nomeado em honra do fundador do hotel, William Reid.

Em junho, já com uma nova decoração, o William servirá de palco ao festival The Art of Flavours (16 e 17 de junho), que reúne no hotel um grupo de chefs com estrela Michelin nacionais e estrangeiros além de várias "rising stars" da arte da gastronomia. Numa das noites haverá mesmo um jantar com menu preparado pelos chefs participantes e noutra uma festa à volta da piscina, que mete um showcooking ao vivo e muita animação. 

Uma das fantásticas vistas do hotel na sala de chá.
Uma das fantásticas vistas do hotel na sala de chá. Foto: D.R/Belmond Reid´s Palace

Mais informal é o Ristorante Villa Cipriani, especializado em cozinha italiana, onde é possível provar pasta caseira e outros pratos regionais, num espaço em que a "estrela" é, uma vez mais, a arrebatadora vista sobre o Oceano Atlântico. Isto sem esquecer o Gastrobar, com uma vasta seleção de bebidas de autor e a indispensável tradição do chá da tarde no Terraço, na melhor tradição inglesa, com sandes doces e salgadas e uns scones de comer e chorar literalmente por mais, acompanhado por uma vasta gama de chás. Tudo servido no belo serviço que a Vista Alegre concebeu em exclusivo para o Reid's, no seu terraço mais antigo, aquele em que, noutras eras, a Imperatriz da Áustria ou o mais mítico dos políticos britânicos puderam descansar a mente dos muitos problemas que tinham deixado para trás, na agitação das grandes capitais.

Glamorosa mesa de refeição com vista para o oceano.
Glamorosa mesa de refeição com vista para o oceano. Foto: D.R/Belmond Reid´s Palace

Cada vez mais direcionado para as famílias (tal como a própria Madeira, que há muito deixou de ser encarada como um spot para o turismo sénior), o hotel aposta na diversificação de atividades proporcionadas aos hóspedes como o Sunrise above the clouds, que permite assistir ao nascer do sol no Pico do Arieiro, o cruzeiro às ilhas Desertas, o piquenique sob as palmeiras, os ateliers de confecção de velas ou de arte botânica. Isto sem esquecer a indispensável passagem pelo spa com 4 salas de terapia, jacuzzi e sauna, o ténis (é possível ter aulas) e o golfe. Para os aficionados deste desporto, o Reid's proporciona aos seus hóspedes a utilização dos dois campos profissionais da ilha. 

Piquenique sob as palmeiras.
Piquenique sob as palmeiras. Foto: D.R/Belmond Reid´s Palace

Hoje integrado no grupo francês LVHM, o Reid's concilia o luxo mais exclusivo, sem a menor concessão ao novo-riquismo, com o melhor da tradição bem portuguesa de bem receber, já que nos trunfos deste hotel de cinco estrelas está a enorme simpatia e profissionalismo do seu staff. O seu objetivo não é apenas zelar pelo seu bem-estar, mas fazer-lhe sentir que o paraíso na terra, afinal, existe. Está aqui, na ilha descoberta pelo português João Gonçalves Zarco, por volta de 1419, e combina o cheiro do mar com o dos frutos tropicais.

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