Prazeres / Artes

Quando o design, o património e a sustentabilidade dialogam

“Diálogos” é a exposição de cinco coleções nascida da partilha entre artesãos e designers que inovam a tradição com fibras vegetais.

Foto: DR
28 de outubro de 2024 | Lara Duarte / Com Rita Silva Avelar

A rapidez e automatização do nosso dia-a-dia tornou-se insustentável e as técnicas mais valiosas do património do País têm vindo a desaparecer. O consumo de artesanato português está em decadência, mas a sua qualidade mantém-se. "Diálogos" surge da necessidade de trazer as técnicas ancestrais portuguesas para uma luz contemporânea, e conseguiram-no através de cinco coleções em que designers e artesãos cesteiros trabalharam a quatro mãos e pensaram a duas cabeças, criando autênticas peças de luxo.

Através dos objetos finais é possível ler a história das gerações que passaram o seu conhecimento para que este não se perca em diálogo com a inovação dos designers, como se o passado e o presente se fundissem em cada peça. A inovação não nasce do nada. Pegar na herança cultural de um ponto de vista contemporâneo faz com que as técnicas ancestrais prosperem na atualidade e no futuro.

Através dos objetos finais é possível ler a história das gerações que passaram o seu conhecimento para que este não se perca em diálogo com a inovação dos designers.
Através dos objetos finais é possível ler a história das gerações que passaram o seu conhecimento para que este não se perca em diálogo com a inovação dos designers. Foto: @Inês Silva Sá

A "Diálogos" foi organizada pela Passa Ao Futuro, uma iniciativa que através da pesquisa apoia a transmissão do conhecimento ancestral para o futuro. Promovem, desde sempre, a colaboração entre artesãos portugueses e designers tanto locais como internacionais, tendo sempre como objetivo final a preservação, promoção, inovação e ativação do artesanato português.

Esta iniciativa da Passar ao Futuro acontece no contexto do projeto Made in Platform for Contemporary Crafts & Design, uma iniciativa que defende exatamente o que este projeto se trata: a colaboração entre artesãos tradicionais e designers contemporâneos, incentivando a invenção de novas abordagens de investigação do processo de design relacionados com a degradação dos recursos naturais, extração e modelos de produção sustentável. As residências foram co-financiadas pelo Programa Europa Criativa da União Europeia. A De La Espada, uma empresa de mobiliário habituada a colaborar com designers internacionais combinando a tecnologia com o artesanato, bem como a Companhia das Culturas e Loulé Criativo - Câmara Municipal de Loulé e Esporão também fizeram parte do apoio deste projeto.

"Campo" nasce da colaboração de Sam Baron com Toino Abel. Sam é um designer francês e consultor de marcas como Dior Maison, La Redoute, Vista Alegre e Diptyque. Colabora nesta coleção com Toino Abel, uma empresa fundada em 2010 com o objetivo de preservar a cestaria de junco, promovendo condições de trabalho dignas ao quebrar o sistema de pagamento à peça. Juntos criaram três peças de junco moldado a um candeeiro de mesa, um aplique de parede e uma tapeçaria, inspirados no fardo de junco e nos campos selvagens de Porto de Mós. Inovam na abordagem ao material ao utilizar o elemento floral que acaba por ser habitualmente descartado.

"Campo" nasce da colaboração de Sam Baron com Toino Abel. Foto: @Inês Silva Sá
Juntos criaram três peças de junco moldado a um candeeiro de mesa, um aplique de parede e uma tapeçaria.
Juntos criaram três peças de junco moldado a um candeeiro de mesa, um aplique de parede e uma tapeçaria. Foto: @Nuno Henriques

"Sundays" foi desenhada por Christian Haas, nascido na Alemanha, mas habitante do Porto, e feita à mão por Domingos Vaz, nascido de Odeleite em 1954, onde começou a aprender o ofício com os mais velhos por necessidade de auxílio à agricultura e pastorícia, bem como para vender. Domingos foi dos primeiros a sair da sua terra rumo a Lisboa para estudar, onde se licenciou em Engenharia Civil, nunca deixando a paixão ao ofício da cana. Dedicou-se totalmente ao artesanato na sua reforma, desde 2011. Agora, em colaboração com o designer alemão, conhecido pela sua simplicidade e elegância, criam uma coleção que evidencia a matéria prima, com pormenores em cana inteira no meio das tiras finas e entrelaçadas do cesto. A matéria prima desta coleção é colhida e preparada pelo artesão. Estas peças são também as mais baratas da Diálogos.

"Sundays" foi desenhada por Christian Haas e feita à mão por Domingos Vaz. Foto: @Inês Silva Sá
Criam uma coleção que evidencia a matéria prima, com pormenores em cana inteira no meio das tiras finas e entrelaçadas do cesto.
Criam uma coleção que evidencia a matéria prima, com pormenores em cana inteira no meio das tiras finas e entrelaçadas do cesto. Foto: @Inês Silva Sá

"Ó la ri Loulé, ó la ri Loulé" é uma coleção de malas desenhadas por Joana Astolfi e produzidas por Sónia Mendes e Susana Mendez. Joana é arquiteta, artista e designer, nascida em Lisboa, com uma paixão especial por misturar cores, geometria, fantasia, memórias, sofisticação e simplicidade para contar histórias através de espaços e objetos. Já trabalhou para marcas como Hermès, Hotel Ritz e Grupo Torel, mas desta vez junta-se a duas artesãs algarvias. Sónia Mendez, que aprendeu a trabalhar a palma com a avó quando voltou da Venezuela para Portugal, aos oito anos, fez da arte sua profissão nove anos mais tarde, com 17 anos e Susana Mendez, especializada em tecelagem manual, tinturaria natural e licenciada em design gráfico, foca-se em criar peças para a casa. Juntando estas três mulheres portuguesas às suas inspirações de formas tradicionais elípticas e redondas, nascem uma pochete, um saco com alças e um porta revistas para a casa com toques coloridos dos fios de algodão tecidos por Susana.

"Ó la ri Loulé, ó la ri Loulé" é uma coleção de malas desenhadas por Joana Astolfi e produzidas por Sónia Mendes e Susana Mendez. Foto: DR
Nascem uma pochete, um saco com alças e um porta revistas para a casa com toques coloridos dos fios de algodão tecidos por Susana.
Nascem uma pochete, um saco com alças e um porta revistas para a casa com toques coloridos dos fios de algodão tecidos por Susana. Foto: DR

"Espartano" foi desenvolvida pela colaboração de Henrique Ralheta, um designer e diretor criativo nascido em Loulé, com Isidoro Ramos, que aprendeu a empreita de esparto com a mãe e avó. Isidoro só se dedicou ao artesanato enquanto profissão há quatro anos mas, desde aí, recolhe a planta autóctone do Algarve e, agora cria uma poltrona e banco com o designer. A dupla parte das rodilhas de esparto utilizadas para atenuar o peso dos cântaros levados à cabeça ou como assentos de chão para criar estas peças.

"Espartano" foi desenvolvida pela colaboração de Henrique Ralheta com Isidoro Ramos Foto: DR
A dupla parte das rodilhas de esparto utilizadas para atenuar o peso dos cântaros levados à cabeça ou como assentos de chão para criar estas peças.
A dupla parte das rodilhas de esparto utilizadas para atenuar o peso dos cântaros levados à cabeça ou como assentos de chão para criar estas peças. Foto: DR

"Junto" junta Toni Grilo a Abílio Ferreira. Toni é um designer e diretor artístico que nasceu em França e vive há 20 anos em Lisboa, onde veio à procura das suas raízes e se apaixonou pelos processos técnicos e pelos materiais. Abílio conta já mais de 55 anos a fazer cestaria, tendo aprendido a técnica aos 14 anos, dedicou-se somente a ela com 40. O artesão tem uma pequena plantação de vime para assegurar a produção local e junta a esse vime madeira de espécies arbóreas invasoras nas suas criações. Juntos criaram uma linha de móveis modelares com forma de cestos invertidos que inclui bancos, cadeiras, poltronas e sofás compostos por dois elementos de duas alturas repetidos e dispostos de maneira diferente, com o reforço interior de uma estrutura de metal tubular. Esta coleção poderia continuar quase infinitamente pela conjugação destes dois módulos.

"Junto" junta Toni Grilo a Abílio Ferreira. Foto: @Inês Silva Sá
Juntos criaram uma linha de móveis modelares com forma de cestos invertidos que inclui bancos, cadeiras, poltronas e sofás.
Juntos criaram uma linha de móveis modelares com forma de cestos invertidos que inclui bancos, cadeiras, poltronas e sofás. Foto: DR

Estes diálogos entre o passado, o presente e, esperançosamente, o futuro, está em exposição na Galeria De La Espada com possibilidade de compra, mas acima de tudo, fomentando as técnicas tradicionais portuguesas de norte a sul do país que integram a cultura e o conhecimento português.

Quando? De 16 de outubro a 15 de novembro, Quintas e Sextas-feiras das 11h às 16h. Onde? Galeria De La Espada, Travessa de Cedofeita 65-37, Porto Marcação de visita galeria@delaespada.com

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