Emicida e o Brasil que ainda desconhecemos. “Temos de nos apegar aos factos, porque opiniões cada um tem a sua”
O rapper, cantor e compositor brasileiro apresenta em Portugal o premiado álbum AmarElo, vencedor de um Grammy Latino e que esteve na origem do muito elogiado documentário 'AmarElo – É Tudo Pra Ontem', estreado no final de 2020 na Netflix e no qual (re)escreve um capítulo apagado da historiografia oficial do Brasil: a dos afrodescendentes
"Gigantesco", "heróico" e "obrigatório" foram alguns dos adjetivos com que o documentário AmarElo – É Tudo Pra Ontem, da autoria de Emicida, foi recebido no Brasil, após a estreia na plataforma de streaming Netflix. O filme, realizado por Fred Ouro Preto, parte de um espetáculo do rapper no Theatro Municipal de São Paulo (um espaço contruído por trabalhadores negros, mas cuja presença naquela sala foi durante décadas negada).
"Nos vemos nos livros de história", despediu-se o artista do público, naquela, também ela histórica, noite. Porque, de facto, é de uma aula que se trata, como assinalaram alguns professores, elogiando o modo como aborda questões como a escravidão, a história do trabalho no Brasil, a realidade da periferia, o surgimento da cultura hip-hop como "voz preta" e a ligação direta desta com o Samba. "De facto, muitas pessoas têm-se referido ao documentário como uma grande aula, mas não era esse o nosso objetivo, pois nunca nos quisemos colocar nesse papel de professores e de donos da verdade, bem pelo contrário", afirma Emicida, lembrado que à medida que se embrenhava na pesquisa histórica dos factos relatados, perdeu por completo "a noção do possível impacto" do filme. "Na verdade apenas pretendíamos elaborar um documentário, com algumas informações importantes, ligadas ao contexto do disco e que precisavam funcionar de um modo incisivo, mas também convidativo, para levar as pessoas a levantar questões", sublinha o artista de São Paulo. Entre elas a do "eterno conflito entre grandeza e mediocridade" que ainda hoje parece assombrar a história do Brasil: "Como é que permitimos que a mediocridade nos sequestrasse? Essa é uma pergunta fundamental e o que contamos no documentário são apenas fragmentos da História, que foram roubados às pessoas na versão oficial contada nos livros. Se tivéssemos tido acesso a tudo isso na escola, no nosso momento de formação, a nossa conceção sobre o que é o Brasil seria completamente diferente".
Baseado no aclamado AmarElo, o álbum editado em 2019 e vencedor do Grammy latino de melhor disco de rock e música alternativa, É Tudo Pra Ontem apresenta um Emicida ao mesmo tempo protagonista e narrador de uma história coletiva que também é a sua, mas igualmente a nossa, como se comprova pelos dois espetáculos lotados no Teatro Tivoli, em Lisboa – ambos no mesmo dia, às 19h e 22h30 de terça, 27, que se seguem a uma primeira atuação no Porto, integrada no Festival Mimo, no domingo, 25. "Acredito que em Portugal exista uma relação semelhante com essa parte da história, portanto o objetivo destes espetáculos será também, talvez, o de fazer as pessoas sentirem que podem sempre fazer mais e melhor pelo outro", acrescenta.
Expondo um protagonismo e consciência de classe talvez só anteriormente conseguida por Gilberto Gil (com quem gravou o single É Tudo Para Ontem, o tema de encerramento do documentário), Emicida é hoje muito mais que um "mero" artista musical, assumindo-se antes como cronista de "uma realidade cada vez mais desafiante" a nível global. "É muito difícil ter-se uma opinião definitiva, que seja entendida como correta do ponto de vista coletivo, porque a toda a hora chega informação nova, à qual queremos ter acesso, para tomarmos uma posição fundamentada. Se até para quem lida com informação já é tão difícil analisar toda essa novidade, imagina as pessoas que não têm tempo ou vontade para o fazer", interroga o artista, justificando dessa forma os crescentes movimentos conservadores que têm surgido um pouco por todo o mundo. "Ser conservador não é necessariamente um defeito, porque todos nós o vamos ser um dia", diz com humor, salientando que estes novos movimentos políticos acabam por "funcionar como resposta" a essa torrente de informação não filtrada. "No fundo, essas pessoas buscam, dentro de si, um momento de segurança e daí essa memória confusa, a que as novas gerações já não têm acesso, de um tempo glorioso, como o da ditadura militar no Brasil ou a de Salazar em Portugal. Quando na verdade as pessoas não tinham era informação, não faziam ideia do que acontecia". E para Emicida, a solução para este problema só pode ser encontrada através da verdade: "Temos de nos apegar aos factos, porque opiniões cada um tem a sua, mas os factos não mudam".
Mesmo assim reconhece que os factos os inspiram cada vez menos, na hora de criar, preferindo "recorrer à emoção, até porque quando falamos a um nível racional corremos sempre um risco de nos desencontrarmos". Por isso, revela, tem-se esforçado para "intensificar as emoções" nas suas composições. "Como digo na primeira música do AmarElo, ‘um sorriso ainda é a única língua que todos entendem.’ É sempre importante ter um ponto de partida factual para fazer uma análise, mas defender uma narrativa baseada nisso também poder ser perigoso, porque as possibilidades são infinitas e, no final, o facto já nem interessa mais", explica. Daí essa tentativa de intensificar a emoção na sua música, para, através dela, conseguir dar-lhe também um lado mais racional. "É esse o meu grande desafio", reconhece o músico, que, como se comprovou em AmarElo, parece estar a conseguir superá-lo com distinção, embora, por vezes, a emoção o possa distrair, em termos de uma análise mais objetiva da realidade. "Não me preocupo com isso, porque ao contrário do jornalismo, a arte não tem essa obrigação. Eu posso lançar mão da poesia e o meu trabalho está feito, mas um jornalista, quando muito, apenas pode polvilhar a informação com alguma poesia, porque nunca pode deixar de ser objetivo", observa, até porque "a grande provocação da arte é a de nos permitir sairmos de dentro de nós próprios e vermos o mundo com outros olhos".
É com base nesse "superpoder" que, nos espetáculos, tenta sempre "levar as pessoas numa viagem", da qual espera que regressem "com um outra perspetiva", sobre o mundo mas especialmente sobre o outro. "No final, se calhar, é apenas esse o verdadeiro valor daquilo que faço".
Emicida
Festival Mimo, Largo Amor de Perdição, Porto. 25 de setembro, domingo, 21h30. Entrada Livre
Teatro Tivoli BBVA, A. da Liberdade, 182 A, Lisboa. 27 de setembro, terça-feira, 19h e 22h. €18 a €30
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