Cai na real, Batman – o Robin sempre foi gay
As mais recentes reações chocadas à revelação da sexualidade de Robin são desconcertantes, uma vez que as preferências do assistente de Bruce Wayne já eram óbvias há 80 anos.
A enxurrada de títulos de primeira página a que assistimos nos últimos dias deu a impressão de que Robin, o fiel assistente de Batman, tinha feito alguma espécie de anúncio bombástico sobre a sua sexualidade. Não sendo contextualizado, o título "Robin surge como bissexual na banda desenhada da DC Comics" (como referiu o website de entretenimento TMZ) só poderia surpreender aqueles que, de entre nós, partiram do princípio que ele era a personagem fictícia gay mais óbvia do universo. Dever-se-á depreender que Robin agora também sai com mulheres?
Acontece que este Robin em particular é Tim Drake, o terceiro adolescente a assumir o papel de Robin [o primeiro foi Dick Grayson e o segundo foi Jason Todd], surgindo assim como ajudante-herói de Batman [antes de viver aventuras em nome próprio], e quer-nos parecer que ele demora a compreender as coisas, em termos de preferências (um super-herói pode demorar tempo a perceber as coisas a nível interno).
Nos anteriores livros de banda desenhada da editora DC, Tim interessou-se romanticamente por mulheres. Só agora, na sexta edição da antologia Batman: Urban Legends, é que ele se apercebeu que gostaria de convidar um homem, seu vizinho, para sair. Por isso, assumiu o manto de "primeiro Robin canonicamente bissexual" e está a receber elogios pelo seu corajoso anúncio, a par com algum falso choque. "Minha Nossa!", exclamou o The Daily Mail em título.
Isto levanta uma questão: será um pré-requisito para qualquer Robin usar aqueles collants e pender, pelo menos em parte, para a homossexualidade? Talvez os anteriores Robin nunca tenham ido tão longe na divulgação de informação pessoal, mas há muito que havia sinais disso – há uns bons 80 anos.
Em abril de 1940, o Robin estreou-se na 38.ª edição da Detective Comics como forma de captar leitores mais jovens. As tiras desse período mostram Dick Grayson (o primeiro Robin) e Bruce Wayne (Batman) a partilharem duas camas encostadas uma à outra e que não se diferenciam de uma cama de casal, e a conversarem sobre tomar um duche frio [Batman acorda, com Robin na cama ao lado, e diz ‘C’mon, Dick…a cold shower, a big breakfast!’ – dick, em calão, significa o órgão sexual masculino]. Sejamos realistas.
O psiquiatra Fredric Wertham, no seu famoso livro Seduction of the Innocent (1954) [Sedução dos Inocentes], aludiu ao que chamou de "má conduta" deste par, dizendo que "as histórias do Batman são psicologicamente homossexuais". Na realidade, ele via nisso motivo para alarmismo, tendo mesmo chegado a dizer que "só alguém que desconhece as bases da psiquiatria e da psicopatologia do sexo é que não consegue perceber a subtil atmosfera de homoerotismo que transpira nas aventuras do maduro Batman e do seu jovem amigo Robin".
Se Wertham estava convencido, na década de 1950, de que este par "impróprio" estava a corromper a moral das crianças, só Deus sabe o que ele teria dito da mal-afamada versão burlesca para TV na década de 1960. Burt Ward (que desempenhava o papel de Robin nessa série televisiva) admitiu na sua própria autobiografia que a relação entre as duas personagens era bastante íntima. Os guionistas da história para a banda desenhada e para os ecrãs de TV e cinema têm avançado e retrocedido em relação a este tema – por vezes, o Batman é convictamente apontado como não homossexual, ou como não tendo vida sexual de que se falar –, mas tendem a ficar mais calados quando se trata de Robin, o que não é de surpreender.
Quando vemos os filmes do Batman realizados pelo falecido cineasta Joel Schumacher… bom… Não era apenas a questão dos mamilos nos peitorais da armadura ou a popular braguilha que Chris O’Donnell (a desempenhar o papel de Robin) considerou "invulgar", ou os olhares de adoração que frequentemente se observavam entre o par principal, mas também a forma como a relações entre ambos se intensificou de forma óbvia entre Batman Forever (1995) [Batman para Sempre] e Batman & Robin (1997).
Batman Forever (bastante controverso) apresenta Batman na versão mais pura possível da escolha que já tínhamos observado no filme Sophie’s Choice (A Escolha de Sofia – em que esta tem de escolher, num campo de concentração, entre salvar o filho ou a filha), quando Jim Carrey, que interpreta o papel do cientista Edward Nygam/Enigma, acaba por atirar os seus dois atraentes aliados para o poço e o obriga a decidir – vai salvar Robin ou salvar a "Dr.ª Chase Meridian" (Nicole Kidman)? Só digo uma coisa: apenas um deles entra na sequela.
Posteriormente, o visível desconforto de Val Kilmer perante toda aquela tónica desapareceu com George Clooney, que surgiu como um Batman com um ponto de vista muito mais confiante, mesmo que quase arruinador de carreira: "fiz dele uma personagem gay". A flagrante "saída do armário" decidida por Schumacher, ao colocar não apenas Robin mas as duas personagens como um casal de fetiches BDSM envergando fatos de cabedal, foi recebida com sobressaltos de ridícula homofobia, décadas antes de o MCU (Marvel Cinematic Universe – universo cinematográfico Marvel) começar a deixar sinais de que as personagens LGBTQ+ poderão começar a surgir, talvez na Fase 63 ou algures por aí [os Estúdios Marvel dividem o seu universo cinematográfico em etapas, tendo a Fase 1 surgido em 2008 com O Homem de Ferro; atualmente está na Fase 4].
Depois de todo aquele escárnio, não admira que a trilogia do realizador Christopher Nolan tenha tido de retroceder da maneira mais taciturnamente imaginável para o patamar heterossexual, com um Robin tão "dentro do armário" que só revela que é o Robin no final do filme The Dark Knight Rises [‘O Cavaleiro das Trevas Renasce’ – terceiro e último filme da série Batman de Nolan]. Essa caracterização atrasou a personagem mais do que se calhar nos apercebemos – depois das cenas filmadas por Nolan, chegámos a um ponto em que o Rapaz Maravilha precisa, uma vez mais, de "sair do armário", desta vez oficialmente, só para empurrar a porta do armário envergonhadamente entreaberta.
É finalmente aceitável revelar a sua face enquanto bissexual e talvez no próximo filme ele possa assumir-se orgulhosamente como tal assim que surja no ecrã.
Tim Robey/The Telegraph/Atlântico Press
Tradução: Carla Pedro
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