Negócios do Luxo

Gucci. O impacto das mudanças de diretores criativos no negócio das marcas de luxo

A marca, que representa a maior fatia das receitas da Kering, luta para recuperar o prestígio e relevância num mercado em desaceleração. A constante mudança na direção criativa levanta questões sobre o impacto dessas decisões no desempenho financeiro e na identidade da Gucci.

Foto: Getty Images
Ontem às 17:58 | Safiya Ayoob

A italiana Gucci tem sido, ao longo das últimas décadas, um dos pilares do mercado de luxo global. Como principal marca do portefólio da Kering, a sua trajetória reflete os desafios e oportunidades inerentes à indústria da moda de alta-costura. No entanto, a constante necessidade de reinvenção criativa e a influência do diretor criativo sobre o desempenho comercial da marca tornaram-se evidentes nos últimos anos, com mudanças que tiveram impactos diretos nas receitas e na perceção do público. A saída de Sabato De Sarno após menos de dois anos no cargo e a recente nomeação de Demna Gvasalia evidenciam a complexidade da gestão criativa e estratégica da marca italiana.

Historicamente, a Gucci tem demonstrado como a escolha de um diretor criativo pode definir o sucesso ou o declínio da marca. Nos anos 90, Tom Ford revolucionou a Gucci com uma estética sensual e provocadora, transformando a marca num fenómeno de desejo global. Depois, a Gucci enfrentou um período de instabilidade até Alessandro Michele assumir a direção criativa em 2015. A abordagem maximalista e nostálgica, repleta de referências vintage e um estilo excêntrico, impulsionou a marca para um novo auge, tornando-a uma das mais relevantes do setor.

No entanto, com a chegada da pandemia, a Gucci viu um declínio nas suas vendas, refletindo uma mudança nos gostos dos consumidores e uma desaceleração geral da procura por luxo. Para responder a essa nova realidade, a Kering apostou em Sabato De Sarno, ex-diretor de design da Valentino, que assumiu a Gucci em 2023 com o desafio de redefinir a marca após o período maximalista de Alessandro Michele. A abordagem minimalista e sartorial procurava atrair um público mais maduro e consolidado, afastando-se da estética excêntrica e altamente reconhecível da era Michele. Contudo, essa estratégia revelou-se arriscada.

Os primeiros sinais de dificuldades surgiram rapidamente. No quarto trimestre de 2024, as vendas da Gucci caíram 24%, um declínio acentuado que teve um impacto direto no desempenho da Kering, cujas receitas globais diminuíram 12% no mesmo período. O segmento de luxo atravessava um momento desafiante, com a desaceleração da procura na China e uma base de clientes aspiracionais nos EUA a perder força, revela a BOF. No entanto, enquanto marcas como a Bottega Veneta mostravam crescimento (+12%), a Gucci não conseguiu recuperar o fôlego.

O mercado não respondeu positivamente à estética contida de De Sarno, tão diferente da do seu antecessor. A falta de uma proposta de valor emocional e culturalmente impactante contribuiu para um decréscimo na tração da marca, levando a uma queda significativa nas receitas, que atingiram 7,7 mil milhões de euros em 2024, menos 23% em relação ao ano anterior. Mesmo os esforços para reposicionar os artigos em pele e revalorizar os modelos icónicos da Gucci, como a mala Jackie, não foram suficientes para compensar o declínio noutros segmentos, como o retalho de viagem e os artigos de entrada (ténis, sweatshirts e mini-bolsas), revelou o relatório partilhado pela Kering.

Diante desse cenário, a saída de De Sarno, anunciada em fevereiro de 2025, não foi uma surpresa. Como destacou o analista Luca Solca, da Bernstein, à Yahoo Finance, "o estilo recatado de Sabato De Sarno não se enquadrava na imagem exuberante que os consumidores construíram da Gucci nos últimos 30 anos".

A nomeação de Demna Gvasalia como novo diretor criativo da Gucci foi recebida com surpresa. Conhecido pelo trabalho disruptivo na Balenciaga, onde conseguiu transformar uma marca de nicho num gigante do setor, Demna traz consigo uma visão radicalmente diferente da abordagem clássica pretendida por De Sarno. A assinatura estética, marcada pelo streetwear e pelo design conceptual, poderá significar um regresso da Gucci a uma postura mais vanguardista e ousada.

Apesar da confiança demonstrada pela Kering na escolha de Demna - François-Henri Pinault, CEO do grupo, afirmou em comunicado que "o seu poder criativo é exatamente aquilo de que a Gucci precisa" - os investidores reagiram de forma negativa. No dia do anúncio, as ações da Kering caíram 10%, resultando numa perda de 4,25 mil milhões de euros na valorização de mercado da empresa.

Os analistas permanecem céticos quanto ao impacto que Demna poderá ter na Gucci. Embora a sua visão tenha funcionado na Balenciaga, em que o volume de negócios é consideravelmente menor (cerca de 2 mil milhões de euros, face aos 8 mil milhões da Gucci), o seu estilo iconoclasta pode não ser adequado para uma marca com um legado e uma escala tão distintos. Luca Solca apontou que "Demna foi o prodígio da moda entre 2014-2020", mas questionou se a sua abordagem será sustentável para um nome tão estabelecido como a Gucci.

A marca italiana encontra-se, mais uma vez, num momento crítico. Representando cerca de metade das receitas da Kering e dois terços do lucro operacional, a marca continua a ser a peça central do conglomerado francês. No entanto, a instabilidade criativa dos últimos anos tem prejudicado a sua performance. A aposta em De Sarno revelou-se insuficiente para reverter a desaceleração das vendas, e agora Demna enfrenta o desafio de reavivar a marca sem alienar a base de clientes tradicional.

O impacto das mudanças na direção criativa das marcas de luxo vai muito além das passerelles. Um diretor criativo não é apenas um designer; é um engenheiro que precisa de entender o equilíbrio entre inovação e identidade, cultura e comércio. A Gucci já viveu grandes renascimentos sob a alçada de Tom Ford e Alessandro Michele, e agora resta saber se Demna Gvasalia conseguirá repetir essa fórmula – ou se a marca continuará a lutar para encontrar um rumo estável. Financeiramente, sobretudo.

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