Negócios do Luxo

Mónica Seabra-Mendes: “É o luxo que determina a inovação e a criatividade e é assim que deve ser"

A Diretora do Programa de Gestão do Luxo da Universidade Católica diz que Portugal tem produtos deste segmento, mas não consegue criar marcas de luxo. A Must aproveitou a conferência Negócios do Luxo para conversar com ela sobre o que tem de ser feito para mudar esse cenário.

Foto: Bruno Colaço
11:32 | Madalena Haderer

Mónica Seabra-Mendes, diretora do Programa de Gestão do Luxo da Universidade Católica, foi curadora e uma das convidadas da conferência Negócios do Luxo, organizada pelo Jornal de Negócios e pela Must, e que decorreu na semana passada, no Sheraton Cascais Resort. Esta especialista tem um currículo que a posiciona no topo das pessoas mais capazes para falar sobre o setor do luxo e sobre o que Portugal tem de fazer se quiser investir a sério neste mercado – não será fácil e Mónica Seabra-Mendes diz que já esteve mais otimista.

Com um mestrado em Gestão do Luxo, da Moda e da Arte pela Universidade Sorbonne e licenciatura em Comunicação Empresarial, Seabra-Mendes iniciou a sua carreira no departamento de imprensa da Guy Laroche, em Paris. Ocupou diversas funções na área da comunicação e marketing no grupo L’Oréal, foi diretora de marketing da Shiseido em Portugal e consultora para o mercado ibérico, bem como diretora de marketing da Clarins. É fundadora da Affluencial – uma plataforma dedicada à consultoria e formação na área da gestão do luxo. Dirigiu o Programa Executivo Luxury Brand Management em Miami, em parceria com o Institut Supérieur de Marketing du Luxe, de Paris. E foi curadora das experiências internacionais do programa Inspirando Mulheres Empreendedoras no Dubai, Itália e Portugal. 

Na sua opinião, que impacto é que o luxo tem na sociedade e na cultura? 

Um impacto enorme. O luxo, desde logo, é um negócio que é, por definição, sustentável. Não quer dizer que o seja nos quatro pilares – social, ambiental, cultural e económico –, no ambiental não é, mas do ponto de vista económico é um negócio que é um contraponto à atual economia descartável. A ideia de produzir produtos de qualidade intrínseca e design intemporal, que podemos herdar, deixar para as novas gerações, podemos reparar, podemos guardar e que tem realmente esse valor – acho isso incrível, sempre foi assim, e acho que hoje ainda faz mais sentido. 

Depois há a questão da profundidade de pensamento. O luxo tem por obrigação ir um pouco mais longe, ser mais criativo, dar-se mais tempo e ser culturalmente mais profundo, isso faz dele uma charneira para os outros setores. A Zara não existiria se não existisse o luxo. É o luxo que determina a inovação e a criatividade e é assim que deve ser. Para isso, precisa de um pensamento mais profundo. Se erradicássemos o luxo da sociedade, esta seria menos rica. O luxo, hoje em dia, também tem um papel muito importante na valorização da cultura, do património e do saber-fazer. O luxo tem sido, de certa forma, o grande mecenas, não só da arte – sobretudo da arte contemporânea, onde tem dado a mão a muitos artistas –, mas, hoje, é o luxo que reabilita grandes edifícios arquitetónicos. O mais recente foi a Catedral de Notre Dame. O setor doou cerca de 30% do valor necessário para a reconstrução e foi logo o primeiro a oferecer.

E tem também um importante papel na recuperação de saber-fazer que já ninguém tem. E por que é que recupera? Porque ao dar vida, ao comercializar, ao integrar nos seus produtos esses saber-fazer [essas técnicas artesanais], dá viabilidade económica a uma herança cultural de manualidades que nós temos vindo a perder.

Mónica Seabra-Mendes durante o debate sobre o Luxo e a Economia Global com Isabel Ucha, presidente da Euronext Lisboa
Mónica Seabra-Mendes durante o debate sobre o Luxo e a Economia Global com Isabel Ucha, presidente da Euronext Lisboa Foto: Bruno Colaço

Na sua opinião, por que têm os seres humanos necessidade de luxo? 

É aquilo que nos separa dos animais, é aquilo que nos separa da vida cotidiana, é aquilo que nos permite imaginar o que é o extraordinário. O ordinário é outra coisa, são aquelas coisas simples do dia-a-dia – temos de ir caçar, no caso, temos de ir trabalhar, para ganhar dinheiro, para comer, para ter uma casa, para pagar a escola dos nossos filhos, isso é aquilo que é igual a qualquer outro animal. Tudo o que vai para além disso, é aquilo que nos permite transcender e elevar-nos para a beleza, para o conforto, para o refinamento. Quando temos as nossas necessidades básicas solucionadas, tendemos a procurar aquilo que nos distingue, que é o imaterial. No final do dia, luxo é aquilo que nos traz alegria, as imaterialidades que nos trazem felicidade. Somos o único ser com a ideia de contemplação: olhamos para uma pedra e conseguimos imaginar que podemos fazer dali uma catedral. 

Os mais jovens estão a aderir em peso à compra de produtos em segunda-mão, o que agora se chama pre-loved, isso pode ser um problema para as marcas de luxo? 

O pre-loved vem provar o valor do luxo e serve pessoas que, de outra forma, não poderiam, naquele momento, aceder a uma peça em primeira mão. Mas há muitas pessoas que compram produtos pre-loved e que têm poder económico para comprar no primeiro mercado. Há várias motivações para comprar no pre-loved, uma delas pode ser procurar peças que já não estão à venda, peças muito particulares, de uma cor ou de um tamanho que já se perderam. Obviamente que as pessoas que compram são pessoas que têm sentido estético e que gostariam de comprar luxo, mas não têm poder de compra, portanto compram no pre-loved, não quer dizer que, mais tarde, quando puderem pagar, não comprem no mercado principal. E podem comprar peças no mercado principal e peças no mercado pre-loved. Aliás, por exemplo, no setor da alta-relojoaria, muitos relógios que hoje em dia as pessoas querem nem sequer existem à venda no mercado principal, portanto têm de ir procurar nos mercados secundários. 

Portanto, não é uma ameaça? 

Não. De tal maneira não é uma ameça que as marcas têm vindo a apostar no mercado pre-loved e têm comprado plataformas, têm vindo a investir e têm feito curadoria. A única coisa que as marcas querem mesmo ter a certeza é que as coisas que lá estão têm boas condições e são bem apresentadas. Mas há plataformas incríveis que dão um excelente serviço ao consumidor e isso trabalha a favor das marcas. A única razão pela qual o pre-loved não existia há 10 anos e existe agora tem a ver com a profissionalização do setor e com este melhoramento da apresentação dos produtos. 

Mónica Seabra-Mendes, ao centro, durante o debate sobre o Luxo e a Economia Global, acompanhada de, à esquerda, Diana Ramos, diretora do Negócios, e Isabel Ucha, presidente da Euronext Lisboa, e, à direita, Carlos Santos Lima do banco de investimento UBS
Mónica Seabra-Mendes, ao centro, durante o debate sobre o Luxo e a Economia Global, acompanhada de, à esquerda, Diana Ramos, diretora do Negócios, e Isabel Ucha, presidente da Euronext Lisboa, e, à direita, Carlos Santos Lima do banco de investimento UBS Foto: Bruno Colaço

E se calhar está também associada a preocupações de sustentabilidade… Acha que não? 

Tenho muitas reticências em relação a isso, não direi que algumas pessoas não pensem nisso, mas a razão pela qual as pessoas compram luxo é porque gostam dos produtos, ponto. Não é porque a marca A é mais sustentável que a marca B. Claro, se a marca não for sustentável ou tiver um problema – como aconteceu há pouco tempo com a Dior –, a pessoa preocupa-se e, provavelmente, toma uma ação relativamente a isso.

Dirige o Programa Executivo sobre Gestão do Luxo na Universidade Católica. O que é que se aprende nesta formação? 

Tentamos que as pessoas tenham uma visão panorâmica sobre aquilo que são os negócios do luxo. Que entendam o que é o luxo e que aprendam a atuar nos seus diversos e mais importantes setores de atividade, que são muitos. Podemos falar da gestão da moda, podemos falar da gestão de um cosmético, da gestão de iates privados, são formas diferentes de estar. É muito importante que as pessoas saiam deste curso com ferramentas para poderem atuar nos seus setores de atividade, quer sejam de luxo ou não. Posso trazer luxo para o meu produto através de um serviço de excelência, posso incorporar ferramentas de luxo num produto de consumo normal, como um iogurte, e isso traz valor ao meu produto e faz com que eu possa pedir um valor premium. 

Durante o debate disse que Portugal tem produtos de luxo, mas não tem uma indústria de luxo. O que é que falta para darmos esse passo?

Temos produtos de luxo, mas aquilo que cria ligação com o consumidor são marcas de luxo, porque a marca tem uma série de evocações que o produto não tem. Para construir marca, tenho que construir uma série de camadas intangíveis: contar histórias, a forma como eu apresento o produto, os detalhes que acrescento, o lugar onde o vendo, a forma como o comunico – tudo isso são camadas de refinamento que são importantes para que se criem marcas fortes, porque são essas marcas que vão criar o desejo junto dos consumidores. Portanto, faltam-nos estas camadas todas, basicamente. Falta-nos uma cultura de luxo, uma cultura do detalhe. Temos de perceber que, no luxo, todos os pontos de contacto são importantes e temos de ter detalhe em todos eles - e todos têm que ser geridos de uma forma muito particular. Sabemos fazer produtos de qualidade, mas não sabemos fazer tudo o resto. 

Mala Aveiro da Carolina Herrera
Mala Aveiro da Carolina Herrera Foto: DR

E sente que estamos a melhorar ou que estamos estagnados nesse não saber o que fazer? 

Acho que a vinda de estrangeiros para Portugal, a vinda de turistas, a vinda de muitos artistas, começa a trazer um olhar novo sobre os nossos produtos. Nós não os víamos daquela maneira e começámos a perceber que [os estrangeiros] traziam criatividade, que conseguiam pô-los em plataformas diferentes das que nós tínhamos, e eu acho que isso permitiu-nos olhar para os nossos produtos e dizer, "espera lá, afinal está aqui alguma coisa com valor que eu não dava valor...". Acho que esse olhar ajuda, mas ainda há muito para fazer. Já fui mais otimista, confesso.

Vou dar um exemplo. Tenho uma daquelas cestas de vime artesanais. Toda a gente tem uma. A Carolina Herrera pôs-lhe umas pegas em pele – excelente ideia porque as originais são rijas e magoam as mãos –, pôs-lhe uns berloques em pele engraçados. Isto é trazer mais refinamento e mais detalhe ao produto em si. Claro, tem uma etiqueta a dizer Carolina Herrera, foi posta à venda nas suas plataformas da marca. Portanto, este mesmo produto que a marca vende por 530 [no site da marca, neste momento, já só há dois modelos, um pequeno, que custa 640 euros, e um médio, que custa 760 euros], nós vendemos na feira a 19 euros. É diretamente comparável? Não. Porque trouxe um bocadinho mais de valor acrescentado ao próprio produto. Depois trouxe outras camadas. Associou-o à sua marca, não fez apropriação cultural, porque deu-lhes o nome de Aveiro e diz que são fabricadas em Portugal.

Quando nós olhamos para estas coisas, dizemos: "Bolas, este produto tem potencial! O que é que falta construir?" Normalmente o que o português pensa é: "Não falta nada, é pôr à venda 10 vezes mais caro e está feito!" Mas não, porque o circuito para vender 10 vezes mais caro implica trazer valor acrescentado ao produto, criar valor, criar uma história, criar desejo sobre esse produto, pô-lo à venda no sítio certo. 

Saiba mais Negócios do Luxo, Ciclo de conferências, Mónica Seabra Mendes, Programa de Gestão do Luxo, Universidade Católica
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