Conversas

José Neves, Farfetch: "Estamos perante uma mudança de paradigma nos hábitos do consumidor"

O CEO e fundador do site de vendas de luxo fala à MUST sobre a primeira grande iniciativa da sua nova fundação: a doação de 5 milhões para bolsas de estudo. Apostar na educação e na formação dos portugueses é uma das prioridades do empresário.

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11 de dezembro de 2020 | Rita Silva Avelar

Lançada há mais de uma década e a somar conquistas ano após ano, a plataforma de venda de marcas de luxo Farfetch continua a ser uma das mais competitivas do segmento, reunindo mais de 3 mil designers num só domínio com um alcance de milhões de clientes em 190 países. Depois de um segundo trimestre de crescimento acentuado, com a chegada de mais de meio milhão de novos clientes na plataforma, a Farfetch lançou também um rebranding sob o mote "Portas abertas para um mundo de moda", com um vídeo criativo.

Mas a maior novidade da Farfetch é a fundação de cariz solidário que José Neves, fundador e CEO, criou, e que aposta na formação e na educação dos portugueses, tendo como missão "criar uma nação de conhecimento". Conversámos com o empresário.

Estabelecer uma fundação foi algo que sempre quis, a par da Farfetch?

A ideia de criar a minha própria fundação surgiu há quase três anos, antes do IPO [oferta pública inicial] da Farfetch, e após algumas conversas com o Carlos Oliveira e o António Murta, que se tornaram cofundadores. Sou muito grato pelo percurso da minha vida, tive a sorte de fazer aquilo de que gosto. A criação da fundação vem dessa gratidão, desse sentimento de partilha. Sinto orgulho e uma tremenda gratidão, e quero partilhá-la com os portugueses.

A primeira iniciativa foi a doação de 5 milhões para bolsas de estudo. A educação é um tema que sempre lhe disse muito?

A Fundação José Neves está focada na educação e na importância da aprendizagem ao longo da vida, consciente de que a procura de conhecimento é essencial para o desenvolvimento humano. Só com a permanente atualização de conhecimento (reskill e upskill), os portugueses poderão preparar-se para os desafios do futuro e adaptarem-se às exigências de um mercado de trabalho em que a mudança é cada vez mais veloz. Para fazer face a isso mesmo, a Fundação desenvolveu dois programas inovadores para ajudar os portugueses a apostarem na sua educação e a fazerem as melhores escolhas para o seu futuro. Um desses programas é o ISA FJN, no qual vamos investir, nos próximos dois anos, 5 milhões de euros para a atribuição de cerca de 1500 bolsas de estudo.

José Neves, fundador da Farfetch.
José Neves, fundador da Farfetch. Foto: Cortesia da Farfetch

O facto de estas bolsas não se limitarem a licenciaturas e mestrados é talvez um sinal de que acredita que a educação e a formação vão além dessas qualificações e às vezes nem passam por elas. A formação e a empregabilidade mudaram, mas Portugal só está a acordar agora? Ou simplesmente são as pessoas que estão mais despertas para tal?

O país tem de desenvolver muito a formação de curta-duração, para além das licenciaturas e mestrados, que já têm apoios para a sua frequência. O que nós queremos é que as pessoas invistam na sua formação. A Fundação José Neves, através do ISA FJN, paga a propina, mas este investimento é de cada uma dessas pessoas, em tempo, energia e talento, e sobretudo em áreas com alta probabilidade de empregabilidade e de subida do patamar salarial e das respetivas condições de vida. 

Quem pode beneficiar do acesso a estas bolsas?

O ISA FJN é um programa de apoio para todos os portugueses que pretendam investir na educação, independentemente da sua situação pessoal, profissional ou capacidade financeira. Podem beneficiar do ISA FJN estudantes no ciclo normal de educação e profissionais que já estejam no mercado de trabalho – mesmo que se encontrem numa situação de desemprego – mas queiram apostar no desenvolvimento das suas competências.

Até ao momento, o ISA FJN está disponível em 22 universidades, institutos politécnicos e diversas escolas de formação prática e intensiva. São mais de 120 os cursos e formações elegíveis para candidatura, com uma duração máxima de 24 meses. Estão abrangidos mestrados, MBA’s, Pós-Graduações, formações para executivos, cursos vocacionais, cursos profissionais, bootcamps, entre outros. Os cursos estão focados em áreas estratégicas que permitem a aquisição de competências que serão críticas no futuro. Estão abrangidos pelo ISA FJN cursos ou formações nas áreas da ciência, tecnologia, engenharia, matemáticas, tecnologias da informação, economia, gestão, entre outras.

Há também um portal educativo no lançamento da FJN. Para si, encontrar formas de combater a era da desinformação era um ponto essencial?

O maior contributo do Brighter Future é permitir a todas as pessoas, estudantes ou profissionais à procura de um rumo ou de um novo rumo para as suas carreiras, tomarem decisões com base em factos e informação relevante sobre o mercado de trabalho, as competências e os empregos do futuro.

Trata-se de uma plataforma única em Portugal, gratuita e de acesso livre e anónimo, que transforma dados em conhecimento. É a maior base de conhecimento sobre emprego, competências e educação. Reúne e interliga indicadores, dados estatísticos e informação relevante sobre Emprego, Competências e Educação em Portugal. No total, este portal permite comparar e relacionar informações sobre cerca de 4.000 cursos e formações, mais de 200 profissões e mais de 200 competências relevantes. 

A preparação para a realidade do mercado de trabalho foi uma prioridade desta plataforma?

De uma forma resumida, o Brighter Future permite identificar, de forma simples, as grandes tendências, no que diz respeito às profissões mais representativas do mercado de trabalho, às profissões mais procuradas, às competências mais valorizadas pelas empresas e à empregabilidade das diferentes áreas de formação. No nosso entendimento, a plataforma Brighter Future contém informação valiosa e que pode ser utilizada também por todas as entidades que trabalham no setor da educação em Portugal. Queremos que seja também uma fonte de informação para as instituições de ensino poderem preparar formações de curta duração ou ajustar os currículos às necessidades do mercado.

Quais são as suas aspirações para Portugal e para os jovens portugueses ao nível do conhecimento? Há potencial por explorar?

Temos em Portugal um potencial enorme. O nosso maior potencial é o potencial humano. E nós, através da Fundação José Neves e dos programas que colocamos à disposição das pessoas, estamos a dar os primeiros passos, com uma contribuição humilde para transformar para melhor a vida de muitos portugueses. Somos uma fundação geracional, que pretende criar impacto para as gerações vindouras.

Qual tem sido o maior desafio desta iniciativa?

O maior desafio da Fundação José Neves é introduzir a formação contínua no dia a dia dos portugueses. A educação e o conhecimento são fundamentais para o crescimento de um país e para a sua afirmação no plano internacional, mais ainda para um país periférico e sem recursos naturais. Todos nós, individualmente e coletivamente, temos de ajudar. Temos de pensar nas nossas competências e na importância da aprendizagem constante. Não basta tirar um curso superior ou uma pós-graduação e parar por aí. Temos de pensar em como podemos alargar e fazer crescer as nossas competências.

Falando mais da Farfetch como plataforma de vendas em si: de que forma evoluiu o modelo de negócio da empresa desde o seu lançamento até à atualidade?

A Farfetch foi fundada em 2008 com a visão de ser uma plataforma para a indústria da moda de luxo, uma visão de longo prazo assente no mesmo modelo de negócio desde o primeiro dia. Hoje a Farfetch é muito mais que um marketplace. Adquirimos lojas físicas, como a Browns, desenvolvemos a nossa Store of the Future e a área da Platform Solutions, assinámos parcerias estratégicas muito importantes e fechámos a primeira década de uma forma muito marcante, com uma entrada em Bolsa que nos deve deixar a todos orgulhosos.

A Farfetch tem uma plataforma distribuída, tem acesso a $3b em inventário de parceiros, milhares de stock points nos mais de 50 países fornecedores, e capacidades únicas do ponto de vista de operações que nos permitem servir milhões de clientes em 190 países, através de múltiplas combinações de rotas e fornecedores de logística. Temos 3400 designers na plataforma, e queremos continuar a ajudar os nossos parceiros, queremos continuar a melhorar o nosso serviço e os conteúdos da plataforma.

A plataforma tecnológica global da Farfetch foi construída à medida da indústria da moda de luxo, e estou confiante de que os investimentos que fizemos e que continuamos a fazer, colocam-nos numa posição privilegiada para continuar a capturar quota de mercado e continuar a fazer aquilo a que sempre nos propusemos: ser a marca de ligação entre criadores, curadores e consumidores da moda de luxo.

Que tendências novas nota que sobressaem hoje junto dos consumidores?

Há muitos consumidores que estão a comprar online pela primeira vez. Há anos que não tínhamos tantos novos clientes na plataforma como agora. Só em Q2 e Q3, portanto entre abril e setembro, tivemos quase 1 milhão de novos clientes e isto está a acontecer simplesmente porque muitas pessoas nem sequer pensavam em comprar luxo pela internet. Agora estão a tentar e a gostar, porque o serviço está a corresponder àquilo que é a expectativa de um cliente que procura um artigo de luxo e encontra um serviço ao mesmo nível. O tráfego na plataforma tem vindo a subir, os downloads da app também, portanto houve um engagement muito grande que se traduziu num aumento das vendas.

Depois, o confinamento teve também um impacto no comportamento do consumidor. Basta pensar no repatriamento das compras de luxo. Com as viagens internacionais condicionadas, os gastos dos consumidores acontecem em casa, através da internet. Os consumidores chineses, por exemplo, que deixaram de poder viajar para fazerem as suas compras, viraram-se para o digital e acreditamos que muitos vão continuar a utilizar esta solução.

O que é que mudou de forma derradeira nos últimos cinco anos relativamente ao e-commerce, e que nunca mais será igual?

A indústria de luxo, que ainda tinha uma penetração no e-commerce relativamente baixa, está agora a fazer esse caminho de forma muito rápida. Já o vinha fazendo nos últimos anos, mas nota-se uma aceleração significativa. A percentagem de vendas online, que alguns analistas previam pudesse chegar aos 25% em 2025, estará muito provavelmente por essa altura mais perto dos 30%, ou até acima desse valor.

Estamos a assistir a uma aceleração daquilo que já estávamos a ver e que apontávamos para 2025 ou depois, o que tem naturalmente também a ver com a situação de pandemia. Mas aquilo que gostava de destacar é que não duvido de que estamos perante uma mudança de paradigma. Aliás, temos estudos que nos confirmam que cerca de metade destes novos clientes planeiam continuam a comprar online no futuro, portanto esta mudança de hábitos do consumidor veio para ficar.

Qual é o peso atual da comunidade de influenciadores no volume de compras da Farfetch?

A Farfetch é um parceiro da indústria e é parte de uma comunidade, onde coexistem marcas, boutiques, criadores, curadores, consumidores e naturalmente também todos os influenciadores com quem trabalhamos e que nos ajudam nesta nossa missão de sermos a plataforma que liga todos estes elementos.

Nós temos mantido um crescimento acelerado, num contexto global muito adverso para a indústria do luxo e, como já disse, tivemos um crescimento muito significativo de novos clientes nos últimos 6 meses no marketplace. A experiência destes novos clientes é absolutamente crítica para nós. São clientes que estão a descobrir a moda de luxo online e a Farfetch, e no fundo toda a comunidade, têm responsabilidade nessa descoberta e na forma como lhes dá acesso e abre portas para um universo incrível de moda e criatividade, e de afirmação da sua individualidade.

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