Conversas

Adrian Bridge, CEO da Fladgate: "O potencial [do negócio do vinho] é fantástico, mas a capacidade de a Política estragar esse potencial também é real."

Com o "Principal" em cima da mesa, o melhor dos vinhos tranquilos que a Fladgate está a lançar, o seu CEO e não esconde os muitos desafios que o setor e a sua empresa enfrentam, mas também as enormes oportunidades de crescimento para quem tiver a estratégia correta. Isto, se um certo candidato às presidenciais norte-americanas não estragar tudo em novembro...

Foto: DR
Ontem às 11:00 | Bruno Lobo

A apresentação era solene e contou com o ator António Capelo a declamar lírica de Camões, um dos "Principais". O outro, claro, era o vinho que a Fladgate adquiriu com a compra da IdealDrinks, um bairradino que chegou a ser classificado como um dos 10 melhores do mundo e que sai agora, pela primeira vez, sob a sua chancela. Só o facto de ser lançado no mercado 11 anos após a colheita (de 2013) diz muito sobre as suas aspirações, confirmadas no copo: um vinho encorpado, opaco, de acidez fresca e taninos suaves. Enche a boca e deixa uma longa sensação de elegância. Foi feito com o cunho de Pascal Chatonnet, uma eminência parda no mundo dos vinhos franceses, e tem um perfil muito semelhante aos melhores de Bordéus. E, sem dúvida, capaz de se bater com todos eles. 

Nascida em 1692 e incontornável no setor do Vinho do Porto (Taylor’s, Fonseca, Croft), há muito que a The Fladgate Partnership (TFP) vinha investindo muitos milhões no setor do Turismo, em projetos como o Yeatman e o WoW, em Vila Nova de Gaia, ou o Vintage House, no Pinhão (e até o Hotel da Estrela e o Palacete Chafariz D’El Rei, em Lisboa). "Qualquer região dependente de uma só indústria [os vinhos, em especial o do Porto] está mais vulnerável", justifica Adrian Bridge. "O Douro é a mais bonita região vitivinícola do mundo, e temos de aproveitar isso com oferta turística de qualidade."

Adrian Bridge, CEO da Fladgate.
Adrian Bridge, CEO da Fladgate. Foto: DR

A Fladgate era igualmente famosa por resistir, qual aldeia gaulesa, aos vinhos tranquilos, não fortificados, por isso foi com surpresa que o mercado recebeu a notícia da compra das propriedades da IdealDrinks: a Quinta da Pedra e o Paço de Palmeira, no Minho; a Quinta de Bella, no Dão; e a Quinta Colinas de S. Lourenço, na Bairrada, o ano passado. Passava assim a controlar não apenas as marcas, como a estar presente em mais três regiões vínicas. Em março voltou a fazer manchetes ao anunciar a compra da Quinta do Portal, no Douro, uma propriedade histórica com um projeto implementado de enoturismo, que inclui um hotel e uma adega desenhada por Siza Vieira. A aposta, mais uma vez, foi para os vinhos de mesa.

A quinta é, desde há muito, afamada pela qualidade das suas uvas brancas, como vem referido no livro "Facts about Port and Madeira", de Henry Vizetelly, publicado em 1880. O autor destacava ainda outra particularidade da Quinta: foi a primeira a admitir mulheres na pisa da uva, "uma visão certamente agradável, embora talvez não muito decente", escrevia. Costumes à parte, os brancos são a única categoria de vinhos cujo consumo continua a crescer a nível mundial e além disso a compra encaixava bem no portfólio da TFP, que detinha mais de 200 hectares de vinha na região, e passou a contar com uma propriedade onde concentrar todo o processo de vinificação dessas uvas. "Aquilo que aprendemos este ano", explica o CEO, "é que podemos obter muitas vantagens sem aumentar os custos com a aposta nos vinhos tranquilos." 

No almoço de apresentação do Principal, no Mira Mira by Ricardo Costa, houve espaço ainda para mais um convidado especial: o Principal de 2009, o tal que, numa prova cega, ficou ao nível dos grandes vinhos do mundo, como o Domaine de la Romanée-Conti, Premier Grand Cru do Château Lafite Rothschild e Domaine Armand Rousseau, Cheval Blanc, Petrus... todos com etiquetas de preço muito diferentes. Apesar de o Principal não ser um vinho barato, os 110 euros que custa o de 2013 são muito distintos dos 1.000 ou até 10.000 euros dos vinhos acima referidos. Por isso, foi também considerado a revelação número 1 no mundo. 

No almoço de apresentação do Principal, no Mira Mira by Ricardo Costa, houve espaço ainda para mais um convidado especial: o Principal de 2009.
No almoço de apresentação do Principal, no Mira Mira by Ricardo Costa, houve espaço ainda para mais um convidado especial: o Principal de 2009. Foto: DR

O 2013 ainda não é o 2009, mas foi um ano extraordinário para grandes vinhos na Bairrada, com uma componente marcadamente atlântica, e tem muito por onde crescer. Um dos objetivos da TFP passa aliás, por reduzir o tempo de lançamento do vinho no mercado para oito anos. 

Durante muitos anos, a empresa evitou entrar no segmento dos vinhos tranquilos, mas quando o fez, foi em força, com duas aquisições num curto espaço de tempo. Sempre entendemos que, para entrar, teria de ser com muita qualidade. No caso do Douro, era muito importante para não criar concorrência interna pelas melhores uvas. 

E a escolha da IdealDrinks? 

O Carlos Dias fez um excelente trabalho ao criar a empresa. É uma pessoa muito criativa e obviamente focada na qualidade, como já tinha provado na Suíça (onde lançou a Roger Dubuis, uma marca de alta relojoaria atualmente parte do grupo Richemont), e foi isso que nos atraiu na empresa. Mas, para alguém que está fora deste mundo, é mais difícil compreender certos aspetos do negócio, da logística e operacionais. Dou-lhe um exemplo: em 2023 perdeu-se 80% da colheita de vinhos verdes por causa do míldio. Este ano, não perdemos nada. 

Relativamente à internacionalização, estava quase tudo por fazer… 

Sim, a Ideal vendia mais de 90% da produção em Portugal, e isso é outra vantagem, porque partimos de uma folha em branco e podemos recorrer exclusivamente aos nossos parceiros e contactos. O negócio do Vinho do Porto faz-se, basicamente, com a exportação, pelo que a nossa ideia é claramente internacionalizar esses vinhos. O perfil também ajuda, porque são feitos maioritariamente com castas internacionais. 

Ainda procuram novas aquisições? 

Se surgir alguma oportunidade pontual, que encaixe bem naquilo que já temos, por que não?

Alargar o negócio a outras regiões? 

Noutras regiões, não faz sentido. Ir para o Alentejo ou para as ilhas só complicava; não nos daria economia de escala. No Douro, temos 780 hectares, por isso, diria que já chega, assim como no Dão, onde temos grande capacidade para aumentar a área de vinha dentro da Quinta Bella. Eventualmente, aumentar a área no Minho e na Bairrada poderão ser boas hipóteses.

"No Douro, temos 780 hectares, por isso, diria que já chega, assim como no Dão, onde temos grande capacidade para aumentar a área de vinha dentro da Quinta Bella." Foto: DR

Nesse caso, qual é a estratégia para aquilo que já existe? 

A nossa visão passa pela concentração de marcas, e não pela fragmentação. Conseguir ter marcas conhecidas, que se possam vender lá fora. Nós até podemos vender em 105 mercados, mas realisticamente, 18 ou 20 representam 95% das vendas, e é aí que queremos promover estes vinhos. 

Com o mercado mundial em queda, não estão a navegar contra a corrente? 

No caso do Vinho do Porto, alguns mercados estão saturados, mas o negócio do vinho de mesa, para nós, é totalmente novo. A IdealDrinks faturou, no ano passado, dois milhões de euros. A nossa ideia é faturar oito milhões. É um aumento de 400%, praticamente à custa das nossas ligações a esses mercados. 

Como é que fica o negócio do Vinho do Porto? 

Vamos continuar a apostar nas categorias especiais (datados e mais antigos), porque acreditamos que ainda têm bom potencial de crescimento — embora limitado pelos stocks existentes. Acreditamos que ter estas duas vertentes será benéfico para ambas, porque os vinhos de mesa vão ajudar a vender Vinho do Porto, e este, evidentemente, já está a abrir muitas portas aos vinhos de mesa. Há muitas sinergias a fazer entre as duas. 

O turismo representa também um potencial enorme para os vinhos tranquilos? 

Há 10 anos, tivemos 30 mil turistas americanos. No ano passado, foram 2 milhões e este ano pensamos em 2,2 milhões... O mercado americano está completamente pronto para receber vinhos nacionais de qualidade.

"Vamos continuar a apostar nas categorias especiais (datados e mais antigos), porque acreditamos que ainda têm bom potencial de crescimento — embora limitado pelos stocks existentes" Foto: DR

Mas o setor — e vocês em particular — queixavam-se de que o mercado americano é muito injusto em termos de preços. 

É verdade. No Reino Unido, por exemplo, subimos pelo menos 10% no preço dos vinhos para fazer face ao aumento de custos, mas nos EUA não passámos dos 2%. No caso do Vinho do Porto, há muito stock no mercado. Se Donald Trump ganhar em novembro, já disse que vai aumentar as taxas em 20%. Também disse que os americanos não vão sentir o aumento de preços, porque os exportadores assumiriam esse custo, mas isso não vai acontecer, evidentemente. Nós não podemos suportar esse valor, por isso o importador vai ter um aumento de 20%, que passará para o distribuidor, depois para a loja, e da loja para o consumidor. Provavelmente, o consumidor final acabará por pagar mais 50% pelo Vinho do Porto. 

Se isso acontecer, como é que fica o negócio? 

Pois... também não sei se ele vai fazer o que disse ou não. Para já, espero que os americanos tenham bom senso, mas como diz a máxima: 'a esperança não é uma estratégia'. O potencial [do negócio do vinho] é fantástico, mas a capacidade de a Política estragar esse potencial também é real. Por termos tantos desafios pela frente é que procuramos diversificar os nossos investimentos. A TFP assenta atualmente em três pilares: Hospitality, onde estão os hotéis, restaurantes e museus; Distribuição, com a Heritage Wines, Grossão e Onwine; e os Vinhos, que agora se dividem em vinhos do Porto, tranquilos e espumantes. 

Falando em hotelaria, qual o ponto de situação com o Bearsley? 

(Será o hotel "irmão" do Yeatman, que leva também o nome de um dos fundadores e está previsto nascer nos terrenos dos armazéns da Fonseca, em Gaia). Tivemos finalmente a aprovação da Câmara Municipal, pelo que já começámos a tratar das acessibilidades na zona envolvente, mas com a chegada do mau tempo, preferimos adiar as obras para março do próximo ano, o que vai empurrar a abertura para a Páscoa de 2027. São anos de atraso para o que tínhamos inicialmente previsto, mas pelo menos começou a avançar. No Pinhão (onde o grupo tem igualmente planos para expandir o Vintage House com 25 novas suítes, um spa, um restaurante e um museu dedicado aos vinhos do Porto e do Douro), continuamos à espera das alterações ao PDM. Precisamos urgentemente de tomar decisões e não podemos esperar eternamente. Não existem negócios fáceis, mas com 332 anos de história, a nossa perspetiva é que também já houve épocas mais complexas do que esta. Temos de dar a volta. 

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