A mulher mais temida por Macron
Fez parte do governo de Sarkozy e foi a líder política da região de Paris durante quatro anos. Agora, com a publicação do seu livro – metade ataque a Macron, metade manifesto feminista – o nome de Valérie Pécresse está a ser referido para a presidência de França. Ela até já formou o seu próprio partido político (soa-lhe familiar?)
Se precisasse de uma atriz para fazer um filme sobre uma presidente da república francesa, poderia perfeitamente escolher alguém parecido com Valérie Pécresse. Chique, loura e vigorosa, a líder política de 52 anos da região de Paris emana capacidade de comando com um toque de serenidade, transmitindo o tipo de autoridade e estilo que diz poder francês au féminin.
Pécresse foi ministra do partido conservador e, durante quatro anos, serviu como presidente da região mais rica e dinâmica de França. É um nome familiar desde que exerceu funções no governo de Nicolas Sarkozy há mais de uma década, mas ainda não entrara para as fileiras dos présidentiables – nome pelo qual são conhecidos os candidatos ao Palácio do Eliseu. Agora, porém, a apenas dois anos das próximas eleições, Pécresse entrou em cena com um manifesto pessoal para derrubar Emmanuel Macron, bloquear Marine Le Pen, a líder da extrema direita, e sanar a guerra entre as tribos divididas de França. Estas incluem os coletes amarelos da revolta rural, a juventude muçulmana descontente e os urbanos globalizados. Ela ainda não está abertamente a fazer campanha enquanto candidata conservadora para 2022, mas o seu livro de 329 páginas, apresentado sob a forma de uma conversa com uma jornalista, é uma primeira ofensiva e teve um bom impacto. Ela criou um espaço para uma conservadora liberal reclamar de volta o território do centro-direita, na mesma altura em que Macron lançou a sua campanha contra os marginais insurgentes em 2017. O presidente de 42 anos é um Tony Blair francês que não está a conseguir unir as profundas divisões do país e só irá durar um mandato, afirma.
De uma forma impressionante, Pécresse está a tentar afastar-se da imagem da parisiense chique e distante que marcou a sua carreira. Num livro surpreendentemente cândido, Et c'est cela qui changea tout, ela apresenta-se como uma feminista com desejos de vingança num mundo político masculino sexista que é brutal para com as mulheres enquanto rivais. Produto brilhante das academias de elite francesas, ela é "doravante, uma das poucas présidentiables da direita política", disse a revista Le Point. "Ela revela-se um ser humano animado, divertido, enternecedoramente humano, deliciosamente cruel e politicamente convincente". O Le Monde afirmou que a autoproclamada Gaulista social criou uma "imagem de vingança da condição feminina na política".
A misoginia dos políticos continua a ser impressionante, diz-me Pécresse numa conversa no seu antigo gabinete no opulento 7ème arrondisssement, o coração do poder da Margem Esquerda, com o parlamento, os ministérios e o quartel militar dos Invalides. Esta é a Paris do velho mundo. Yves Saint Laurent viveu os seus últimos 38 anos numa casa aqui perto. Num ato simbólico, Pécresse acaba de mudar a sede do conselho regional para Saint-Ouen, em Seine-Saint-Denis, o problemático subúrbio da zona norte, conhecido pelo desemprego e pelos motins étnicos.
France padece do mal de nunca ter tido uma Margaret Thatcher ou uma Angela Merkel para mostrar que as mulheres podem liderar, diz Pécresse. "Não só ainda somos poucas, como somos muito, mas mesmo muito desacreditadas por sermos mulheres. A grande exceção é Marine Le Pen. É um paradoxo. Ela nunca é atacada quando comete uma gaffe, mas quando são outras mulheres, chamam-lhes vacas burras." Ela cita Ségolène Royal, a candidata socialista à presidência em 2007, cujos erros foram alvo de chacota vinda de todos os lados.
"Já ouvi colegas meus, homens, dizerem coisas estapafúrdias, incluindo no topo da hierarquia do estado, mas isso não é um problema porque os homens são líderes por definição", diz Pécresse. Ela elenca os defeitos que os homens lhe atribuíram ao longo da sua subida da escada do poder político, desde que foi uma jovem deputada dos Yvelines, o próspero departamento suburbano ocidental que inclui Versailles, até integrar a equipa do presidente Chirac. "Pintaram-me como uma rapariga má, incompetente, histérica e com preconceitos religiosos, uma rapariga sem qualquer autoridade ou com demasiada." No seu livro, ela recorda que Dominique de Villepin, a primeira ministra de Chirac, lhe disse em tempos: "Nunca vais ser uma política porque és uma mulher normal. Tens um marido e filhos. Na política, não há mulheres normais. Só há neuróticas."
Jogar num tabuleiro masculino implica "reduzir a nossa feminilidade, pois o poder é masculino no imaginário coletivo", comenta. É por isso que ela faz campanha de calças. "Não somos levadas a sério quando estamos em cima de um palco e estão a olhar-nos para as pernas", diz no livro. Para a nossa sessão, Madame la Présidente usou um casaco comprido, calças e botas pretas de salto alto. A sua silhueta elegante revela que ela gosta de praticar exercício físico, incluindo ciclismo, natação, caminhada e, até há pouco tempo, boxe.
Algumas mulheres políticas são hipócritas, diz Pécresse. "Fazem-se de feministas na comunicação social, mas na verdade comportam-se como os piores dos homens em relação às outras mulheres". A sua bête noire, reconhece, é Anne Hidalgo, a presidente da câmara socialista de Paris e uma das poucas outras líderes políticas femininas de França. A prioridade de Hidalgo é "eu, eu e mais eu", diz Pécresse no livro, recordando as "jogadas baixas" de Hidalgo contra ela. As mulheres políticas de esquerda tentaram manchar a sua reputação contando mentiras, acusando-a de ser contra o aborto ou de impedir o aconselhamento sobre contraceção em escolas do ensino secundário. Os socialistas fizeram de tudo para impedi-la de ganhar controlo sobre a Île-de-France, a região de Paris, com os seus 12 milhões de habitantes e 15 mil milhões de euros de orçamento municipal – contra apenas dois milhões de residentes em Paris e um orçamento municipal de 10 mil milhões. "Já sofri muitos golpes. A minha pele tem um metro de grossura", diz, rindo-se. "Não era suposto eu ganhar. Eu era uma usurpadora. Há cinco anos, jovens socialistas telefonaram-me, dizendo que eram a amante do meu marido. Era uma rapariga. Ela estava a gritar, a dizer que o meu marido terminara com ela. Foi tudo me desestabilizar." Jérôme Pécresse contactou a polícia e o casal, que está casado há 25 anos, mandou desinstalar o telefone fixo da sua casa em Versailles.
Pécresse conseguiu proteger a sua vida familiar, mesmo segundo os padrões da política francesa. Ela é uma personagem relativamente rara, tendo mantido o marido e os três filhos, Baptiste, Clément e Émilie, longe da imprensa. Juntamente com Jérôme, diretor da General Electric Renewable Energy, deu vidas normais aos filhos, atualmente com idades entre os 16 e os 24 anos, apesar de ter passado cinco anos como ministra, primeiro liderando uma difícil reforma universitária e enfrentando os protestos sobre o ensino superior e depois gerindo as finanças públicas como ministra do orçamento durante a crise da dívida soberana da Europa.
"Eles tiveram uma mãe que estava a fazer política 60 horas por semana, mas descobriram os seus caminhos e têm uma família intacta", diz. Ela lamenta ter assumido o nome do marido porque isso fez com que as crianças o identificassem mais como o seu próprio.
A sua filha mais nova, Émilie, que está prestes a concluir o ensino secundário, está preparada para a invasão que acompanhará a corrida da mãe ao principal cargo do país. O facto de ela preservar tanto a sua privacidade ajudou os seus adversários a caricaturá-la como uma burguesa de Versailles, admite. "Talvez seja por isso que os franceses me acham mais distante do que as outras mulheres políticas, porque as outras abrem as portas das suas casas à imprensa e eu nunca o fiz. Isso torna-as mais fáceis de gostar devido à moda da partilha da vida pública. Falarmos sobre as nossas dificuldades e experiências dolorosas faz com que seja mais fácil gostarem de nós", afirma. Os dois últimos presidentes, Sarkozy e Hollande, tiveram separação brutais e encontraram novas companheiras enquanto eram observados pelo mundo. "Nicolas Sarkozy falou muito sobre a sua vida privada e isso atingiu-o como um bumerangue, mas também o tornou sympathique", acrescenta.
O seu antigo chefe sugeriu-lhe que descontraísse e se revelasse mais. "Nicolas Sarkozy aconselhou-me a ser eu própria. Ele sabe quem eu sou. Ele disse-me: ‘Sê tu própria e os franceses vão gostar de ti.’ Ele sabe que as pessoas sentem uma grande empatia por aquilo que eu faço."
A sua experiência como presidente da região prova que ela põe as pessoas em primeiro lugar, diz Pécresse. Ela refere a questão dos transportes públicos baratos para jovens e idosos – essenciais em cidades com maus serviços de autocarros e comboios, que dificultam as deslocações a quem não possui um automóvel. Pécresse deixou a sua marca como líder regional, apresentando-se como uma rival forte da presidente da câmara Hidalgo, mas também trabalhando com ela em algumas causas, como a conquista dos Jogos Olímpicos de 2024 para a área metropolitana de Paris. Enquanto líder da região, Pécresse detém poder sobre o investimento nos transportes, escolas, universidades e negócios. Nessa frente, ela lançou-se numa campanha para atrair empresas e talentos britânicos e do resto do mundo para a Île-de-France no rescaldo do Brexit. "Agita a tua carreira", diz o slogan que pretende trazer investigadores e trabalhadores da área tecnológica para o planalto de Saclay, a zona imediatamente a sudeste da capital que França está a tentar promover como o Silicon Valley europeu. A região de Paris é agora o principal destino do investimento estrangeiro, tendo superado Singapura, sublinha.
Pécresse, que fala inglês fluentemente, está a desfrutar de uma pequena vingança contra Boris Johnson, que fez uma famosa oferta aos bancos franceses quando foi presidente da câmara de Londres e ela era ministra do orçamento. "Fui lá enquanto embaixadora, pois era uma das poucas anglófilas do governo. Houve alguma tensão. Tive algumas dificuldades com Mr. Osborne e Mr. Cameron", recorda.
Mais recentemente, ela pediu conselhos a Cameron depois de Macron revirar a paisagem eleitoral, deixando os republicanos, a mais recente versão do centro-direita de De Gaulle, dolorosamente inclinados para a direita. Ela quis saber como Cameron conseguira recuperar os Conservadores ao fim de 13 anos sob a liderança do New Labour. "Fui perguntar-lhe como deveríamos falar com os franceses dez anos depois de Mr. Blair. Ele disse-me que os Conservadores se tinham retirado para o ultraconservadorismo e que isso os mantivera na oposição, pois uma grande parte da população fora conquistada pelo discurso e pelo carisma de Tony Blair."
Depois de os republicanos serem derrotados com Laurent Wauquiez nas eleições europeias do ano passado, Pécresse decidiu afastar-se e iniciar o seu próprio movimento, chamado Libres! (Livres!), uma alternativa esclarecida, musculada e pró-empresarial ao République En Marche de Macron. "Fundei o Libres! para criar uma sensibilidade moderna, com consciência ecológica, embora em matérias de estado eu seja a favor da lei e da ordem", diz. O seu credo baseia-se na tradição do movimento Gaulista, cujo líder de longa data foi o seu mentor, Jacques Chirac.
A sua rutura com os republicanos no verão passado relevou as inimizades escondidas nas fileiras do topo. Wauquiez, líder do partido da oposição, foi captado num vídeo fazendo troça do seu histórico como ministra: "Ah, tantas asneiras que ela é capaz de fazer!", gracejou.
Pécresse é apelidada de esquerdista pelos membros mais à direita do seu partido, mas terá de se esforçar para convencer os eleitores de que está em sintonia com le peuple. A sua grande desvantagem continua a ser o triplo rótulo que os seus críticos lhe fixaram: "Burguesa, Católica, Versaillaise".
"Demasiado suave, demasiado loura, demasiado perfeita, demasiado feminina num sentido clássico", foi a abordagem da edição francesa da revista Elle ao seu problema de imagem em novembro, antes de a deitar completamente abaixo.
Em 2016 Hidalgo acusou-a de bajular os católicos ultraconservadores após a sua oposição da lei do casamento homossexual em 2014, uma postura que Pécresse, entretanto, inverteu.
Na campanha para a presidência regional de 2015, Claude Bartolone, o seu adversário socialista, excedeu-se, chamando-lhe "a candidata reacionária de Sarkozy" que defende "Versailles, Neuilly e a raça branca". Neuilly é o subúrbio ocidental opulento onde Pécresse cresceu e Sarkozy governou como presidente da câmara durante anos.
Enquanto presidente regional, Pécresse conquistou a admiração relutante dos seus críticos. Bénédicte Monville, líder Verde e sua feroz adversária, chamou-lhe "a rainha do espetáculo político" que gere "uma novela permanente", mas também é fácil de gostar e "uma mulher inteligente e ciente da emergência ambiental".
No outono passado, disse-se que Emmanuel Macron estava a pensar em Pécresse para ser a sua próxima primeira ministra, mas ela silenciou esses boatos, dizendo que nunca trabalharia para ele.
Os franceses rejeitaram Macron – cujos índices de popularidade continuam péssimos – porque lhe falta firmeza e ele não está a conseguir lidar com as maleitas sociais que estão a assolar França, diz Pécresse. "Existe uma crescente rejeição do presidente. Estamos perante uma crise de autoridade", diz, enumerando a revolta do subúrbio islamizado, a violência nas ruas e nas escolas e a revolta dos coletes amarelos entre as classes rurais mais baixas. "A estratégia de Macron é clara: criar um duelo entre ele e Marine Le Pen e repetir a competição de 2017 em 2022. O problema é que, se não houver alternativa a Emmanuel Macron, existe o risco real de Marine Le Pen chegar ao poder. Vimo-lo com o movimento dos coletes amarelos. Vemo-lo nas grandes tensões sobre as reformas pensionistas e na violência usada contra o governo."
A presidência disruptiva de Macron será um momento fugaz na história de França", diz. "O Macronismo vai fazer desaparecer Emmanuel Macron."
França encontra-se ameaçada pelos "islamo-esquerdistas" cuja influência nos subúrbios está a espalhar-se, diz. "Os guetos têm de acabar." Ela é direta sobre a sua oposição ao hijab – à semelhança da maioria dos franceses, sejam de esquerda ou de direita, considera-o um símbolo da submissão feminina aos homens. A reconciliação nacional e a integração sob uma identidade francesa são essenciais na região de Paris, onde uma em cada duas crianças tem um progenitor estrangeiro, acrescenta.
Pécresse acha que está equipada para liderar devido à sua longa experiência, que começou na equipa do presidente Chirac em 1997, passando pelo parlamento, o governo de Sarkozy e a presidência regional, desde dezembro de 2015. É um disparate tentar rotulá-la como menina da elite de Paris, apesar de ela ter estudado na École Nationale d'Administration e ter iniciado a sua carreira como membro do Conseil d'État, o mais alto órgão administrativo do país, diz Pécresse.
Ela orgulha-se de representar a mancha urbana em expansão, com as cidades periféricas da região, a "França do gasóleo e dos cigarros", segundo a infame descrição de um ministro de Macron. "Sou a revolta do subúrbio que diz ‘Não’ a Paris. Fui eleita pelo subúrbio, pela esperança que o subúrbio tem de vir a fazer parte da região", diz ela. Nenhum poder político instalado teria mudado o conselho regional para Saint-Ouen, o lar suburbano da maior feira da ladra do país. Isto é importante porque a região sempre esteve sob o controlo do presidente da câmara da cidade e do governo central, diz Pécresse.
Esta conversa rebelde costumava divertir os adversários de Pécresse, tendo em conta os seus antecedentes e educação, mas eles ganharam consciência da audácia por detrás do seu estilo. Isto manifestou-se quando ela ainda era nova. Aos 15 anos decidiu que queria aprender russo e passou o verão na União Soviética num Komsomol, ou acampamento comunista para jovens (ela ainda fala russo).
Há poucos potenciais candidatos presidenciais no lamacento campo conservador. Este mês, o Le Monde listou os três principais concorrentes: Pécresse; François Baroin, um ministro popular sob a liderança de Chirac; e Xavier Bertrand, antigo ministro de Sarkozy que é presidente da região do norte de França. Se for reeleita como presidente regional no próximo ano, Pécresse terá boas possibilidades de vencer as eleições primárias como candidata de centro-direita em 2022, apesar de já não pertencer ao partido republicano, o seu partido principal. Os partidos são importantes, mas não essenciais para França escolher o "homem providencial" – para usar a fórmula antiga – que vai eleger para reinar como monarca durante cinco anos. Macron chegou ao Palácio do Eliseu depois de lançar o seu próprio movimento pessoal, apenas um ano antes das eleições.
"Ela é uma mulher sólida, com uma longa carreira política", diz Marion Van Renterghem, cujas longas entrevistas com Pécresse serviram de base para o seu livro. Pécresse ainda precisa de aprofundar a sua ligação ao país em geral, mas a sua imagem como peso-leve contradiz a sua força, diz-me Van Renterghem. "Ela superou obstáculos enormes e a resistência masculina. Ela demonstrou muita perseverança e ambição. Por que não haveremos de pensar nela como presidente? Ser mulher pode ser uma vantagem nos dias que correm. Aquilo que, no passado, era uma fraqueza pode agora ser uma mais-valia."
Exclusivo The Times Magazine/Atlântico Press
Tradução Erica Cunha Alves
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