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Salvem as enguias, o bacalhau e todos os peixes de mar e água doce

A partir do Dia Mundial dos Oceanos, que se celebra amanhã, dia 8 de junho, vamos fazer como a Relais & Chateaux e riscar do menu todos os peixes em risco de extinção. É a única forma de os salvarmos. A eles e a nós.

Foto: DR
07 de junho de 2024 | Bruno Lobo

Toda a vida ouvimos dizer que comer peixe faz bem à saúde. O problema é que nos outros países diziam o mesmo e agora 35% das espécies marinhas estão sobre-exploradas, algumas em risco crítico de extinção. Uma percentagem idêntica é desperdiçada, simplesmente porque nem todo o peixe que vem à rede é o queremos. Estes acabam largados no mar, mas em condições tão deficientes que o resultado é quase sempre a morte do animal. Temos ainda os problemas inerentes à poluição marítima, como os microplásticos, a destruição dos habitats naturais ou a pesca ilegal, que as estimativas colocam acima dos 20% da captura global, entre os 11 e os 26 milhões de toneladas por ano.

São dados assustadores e um grito de alerta para os riscos ambientais do consumo de pescado. Daqui em diante o melhor será consumir com moderação e muita atenção às espécies, sob pena de as ver desaparecer do prato. De vez.

Foi o que fez Olivier Roellinger, em 2014. Vice-Presidente da Relais & Châteaux, e um dos mais conceituados chefs franceses, Roelliinger percebeu que a restauração não podia continuar a fazer parte do problema e decidiu lançar um repto a todos os membros da associação − e são quase 600 hotéis e restaurantes por todo o mundo, entre eles mais de 400 estrelas Michelin, para não servirem mais peixe de espécies em risco. O impacto ia muito para além do grupo, dado o peso e a influência de todos esses chefs estrelados, com uma capacidade enorme de influenciarem outros a seguir o seu exemplo.

A enguia praticamente desapareceu dos rios europeus, tendo perdido 90 a 99% da sua população nos últimos 40 anos, e mesmo assim a pesca continuou – e continua − a ser permitida.
A enguia praticamente desapareceu dos rios europeus, tendo perdido 90 a 99% da sua população nos últimos 40 anos, e mesmo assim a pesca continuou – e continua − a ser permitida. Foto: DR

Paralelamente, assinou também um protocolo com a Ethic Ocean, uma ONG francesa que permitia perceber exatamente os peixes que podiam utilizar e de que áreas de pesca. As quotas de pesca impostas pelos estados não podem ser consideradas fiáveis e não seguem muitas vezes as recomendações dos cientistas, mas interesses económicos. A Red List da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) – provavelmente o maior catálogo de espécies ameaçadas em todo o mundo – acabava também por não ter nem o detalhe, nem a atualidade necessária para avançar com uma iniciativa deste género. A Ethic Ocean, pelo contrário, está permanentemente a recolher e a atualizar os dados, pelo que fornece um indicador muito mais fiável para os stocks existentes.

A enguia, o bacalhau ou o atum-rabilho são excelentes exemplos daquilo que temos vindo a falar. Ou péssimos exemplos. A enguia praticamente desapareceu dos rios europeus, tendo perdido 90 a 99% da sua população nos últimos 40 anos, e mesmo assim a pesca continuou – e continua − a ser permitida. Muitos cientistas alertam para o perigo de se ter atingido um ponto de não retorno, e para a inevitabilidade da sua extinção em poucos anos. Temos, felizmente, casos em que essas medidas restritivas levaram à recuperação da espécie, como o Atum-Rabilho do Atlântico Nordeste, que em 15 anos passou de perigo crítico de extinção a ter stocks estáveis. Mas temos igualmente casos em que essas medidas foram insuficientes ou tomadas tarde demais, como no caso do bacalhau da Terra Nova onde, apesar da interdição de pesca imposta há 30 anos a população nunca conseguiu recuperar. Para o fiel amigo, o melhor mesmo é consumir o célebre Bacalhau da Noruega ou das ilhas Faroé. Tudo o resto será de evitar, mesmo que venha do mar de Berentz (como a maior parte do bacalhau congelado) ou da Islândia. Já a sardinha, e porque estamos na altura delas, saibam pode ser consumida sim, embora com moderação. Ou seja, em vez de dez sardinhas no pão bastam cinco. Todas estas recomendações (menos a última) são precisamente da Ethic Ocean, e estão disponíveis não só para os chefs da Relais & Chatêaux como para qualquer pessoa que as queira consultar, online ou na app da ONG. Só está em francês e embora esta prevista para breve uma versão em inglês, vai ser sempre necessário fazer uma pesquisa na google para saber o nome do peixe na outra língua. Um pequeno esforço mais do que justificado pela importância do que está em causa e pela responsabilidade especial que nós, portugueses, temos na matéria. Afinal, somos o terceiro maior consumidor de peixe, a nível mundial.

David Jesus
David Jesus Foto: DR

Em Portugal, todos os 13 restaurantes Relais & Châteaux – onde se incluem o Belcanto, o Vista, o Restaurante do Yeatman, a Malhadinha Nova, a Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo ou o Mapa, do L’and and Vineyards – já submeteram as suas cartas e ajustaram-nas às considerações da ONG. O Mapa, em pleno Alentejo − e agora liderado por David Jesus, ex-chef residente no Belcanto –, foi escolhido para organizar a ação de promoção desta iniciativa, , porque era importante alertar também a situação calamitosa das espécies de água doce. Afinal, representam metade das espécies em todo o mundo e cerca de um terço está em risco de extinção. A iniciativa contou ainda com a presença da diretora da Ethic Ocean Elisabeth Vallet, mas foram sobretudo as criações de David Jesus quem brilhou. Afinal, como refere o chef, a sustentabilidade pode ser um excelente motor para a criatividade e "faz-nos ter mais cuidado com os produtos que escolhemos e pensar em novas formas de os trabalhar", por isso "mais do que uma limitação é um desafio e um estímulo". Num grande restaurante ou na mais pequena das cozinhas.

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