Viver

Que futuro para Elon Musk?

Ataques no Twitter, consumo de “erva” e a perda de mil milhões de libras em ações da Tesla num só dia… Estará o visionário da Tecnologia a ser inspirado pela queda livre do Homem de Ferro? Um ano depois, recordamos a reportagem de Nick Rufford para antecipar um 2020 que se prevê de grandes mudanças para Musk.

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09 de janeiro de 2020 | Nick Rufford

Quando Elon Musk pegou um "charro" num web chat show aceitou aquela que seria, certamente, a canábis mais cara do mundo. Independentemente de o inventor multimilionário e executivo da indústria tecnológica ter considerado que fumar "erva" em público lhe daria estilo ou que seria a última baforada para os seus automóveis Tesla, foi um gesto com repercussões altamente negativas. Não só as acções da Tesla caíram 3% e continuaram a deslizar por ali abaixo, fazendo a empresa sofrer uma perda no seu valor de mercado superior a mil milhões de libras, como a imprensa mundial interpretou o episódio como prova daquilo que alguns críticos de Musk já sugerem há algum tempo: ele perdera, finalmente, o juízo.

Com Talulah Riley em 2014, de quem se divorciou duas vezes, a última em 2016
Com Talulah Riley em 2014, de quem se divorciou duas vezes, a última em 2016 Foto: Getty Images

Tudo começou a derrapar no início de 2018. Musk parecia cada vez mais distraído da tarefa de gerir as suas empresas multimilionárias, a Tesla e a SpaceX. Primeiro, lançou um produto que não tinha nada a ver com automóveis ou foguetões – um lança-chamas alimentado a propano chamado Not-a-Flamethrower, por motivos legais. Depois mandou um mini-submarino salvar um grupo de rapazes presos numa gruta inundada na Tailândia para, de seguida, se envolver numa rixa absurda no Twitter com um mergulhador britânico a quem chamou pedófilo depois de este ridicularizar publicamente o veículo. O que se passará, ao certo, no cérebro planetário de Musk?

No dia 7 de Agosto, "tweetou" que estava a pensar em privatizar a Tesla a 420 dólares por acção e que tinha financiamento para tal. As acções da Tesla subiram dramaticamente até a Securities and Exchange Commision (SEC) anunciar uma investigação sobre manipulação de mercado. Musk acabou por concordar em pagar uma multa de 20 milhões de dólares e em entregar o comando da Tesla [a 6 de Novembro último e o seu sucessor imediato é Robin Denholm, de 55 anos, uma profissional com um currículo notável nas tecnologias]. Ao abrigo do acordo, Musk referiu que manteria o título de CEO, tendo anunciado no Twitter, no final de Outubro, que iria prescindir de todos os títulos da empresa e que passaria a ser o "Nada da Tesla". Os mais fervorosos apoiantes de Musk estão habituados a manobras publicitárias, mas isto foi manifestamente estranho. Ninguém assiste a estes desenvolvimentos com mais atenção do que eu [Nick Rufford é jornalista do The Sunday Times, para o qual escreveu este artigo, e é especializado em automóveis], geralmente com a sensação de algo mau estar prestes a acontecer. Sempre que o nome de Elon Musk surge no ecrã das notícias do The Sunday Times, eu franzo o sobrolho.

Elon Musk numa apresentação da Tesla em 2015, na China
Elon Musk numa apresentação da Tesla em 2015, na China Foto: Getty Images

Este jornal foi um dos primeiros a publicar entrevistas sérias a Musk e a ver o potencial das empresas por ele criadas. Elon Musk construiu os melhores automóveis eléctricos do mundo, fez foguetões reutilizáveis que funcionam e desenvolveu painéis solares acessíveis para o mercado de massas. Ao fazê-lo, abriu uma brecha na fortaleza dos gigantes das indústrias automóvel e aeroespacial alimentadas por combustíveis fósseis. Ele atacou as grandes petrolíferas. Sem pedir nada em troca, ele partilhou as suas ideias para incentivar o arranque dos automóveis eléctricos e optou por oferecer as suas invenções, em vez de patenteá-las. Teve a ideia de inventar uma tecnologia de transporte que se desloca a cerca de 1.100 quilómetros por hora. Tem planos para um avião supersónico para suceder ao Concorde que utilizará a rotação da Terra para se impulsionar para outros continentes. Podemos dizer que Musk alcançou mais do que qualquer outro ser humano no combate às alterações climáticas – sem apertar mãos, nem apanhar aviões para participar em conferências internacionais sobre o clima, mas "construindo coisas físicas". Se o pior acontecer e o mundo se tornar inabitável daqui a 100 anos, ele está a trabalhar numa estação intermédia para proceder à colonização de Marte.

Suzy Amis Cameron, Elon Musk, Maye Musk e James Cameron em 2018
Suzy Amis Cameron, Elon Musk, Maye Musk e James Cameron em 2018 Foto: Getty Images

Este era o Musk que conheci há sete anos – um geek afável, mais interessado em ideias do que em dinheiro. Na sede da SpaceX, numa gigantesca antiga fábrica de Boeings, no limite da área metropolitana de Los Angeles, ele deu-me as boas-vindas do seu gabinete de canto, vestindo uma camisa aos quadrados sobre uma T-shirt de manga de cava e calçando sapatilhas, e mexendo nervosamente o gelo de uma Diet Coke. No meio de todas as coisas amontoadas, havia um modelo do Módulo Lunar que transportou os primeiros homens até à Lua, em 1969. "Por que foram as alunagens o pináculo do voo espacial?", perguntou-me. "É chocante que esse tenha sido o ponto mais alto." Tinha sobre a mesa uma cópia do documento da venda de 5,4 milhões de acções da PayPal, a empresa que Musk co-fundou e vendeu à eBay por 1.500 milhões de dólares. Musk usou 180 milhões para fundar a Tesla e a SpaceX. A sua fantástica assistente, Mary Beth Brown, enfiou a cabeça pela porta para avisá-lo que ele estava atrasado para um outro compromisso. Robert Downey Jr. inspirou-se em Musk para a sua interpretação de Tony Stark, o brilhante inventor e industrial dos filmes do Homem de Ferro, cujo alter-ego era um super-herói com um fato de metal. Ele partilhava a preocupação de Stark com o planeta. A espécie humana estava sob ameaça, disse, não apenas do aquecimento, mas da rebelião da inteligência artificial ou de um vírus mutante.

Se Musk fosse Stark, Mary Beth seria a sua Pepper Ports. Ele descreveu-a como a sua âncora. Ela era a sua guardiã, verificando os seus visitantes, organizando a sua agenda – um dos seus poucos colaboradores capazes de acompanhar o seu lendário horário de expediente. Quando a nossa entrevista se prolongou foi ela quem o fez correr porta fora para ir a um baile da Força Aérea dos EUA, depois de lhe organizar o meio de transporte, o smoking e uma lata de Diet Coke de emergência. Corria o ano de 2011 e Musk estava casado com Tallulah Riley, uma actriz britânica que o fez, nas suas palavras, "muitíssimo feliz" e deu imensa estabilidade à sua vida. Riley era 14 anos mais nova do que Musk e ele disse-me, com orgulho, que a conhecera no clube nocturno Whisky Mist, em Mayfair. Ela interpretara o papel de Mary Bennet numa versão de Orgulho e Preconceito e de uma ágil estudante com meias altas e suspensórios num filme de Giras e Passadas. "Fomos apresentados e tivemos conversas interessantes sobre foguetões, carros e Física", disse Musk, sorrindo. "Ela acabara de vir de um baile de caridade do Prince’s Trust. Estudava enquanto trabalhava como actriz, frequentando disciplinas de Física, Economia e Matemática na Open University. Era uma pessoa muito inteligente e com quem era possível ter uma boa conversa." Encontraram-se para jantar na noite seguinte e ele confessou-lhe que estava a divorciar-se e que tinha cinco filhos com Justine Wilson, a sua primeira mulher – mas o seu romance floresceu. Casaram-se na Catedral de Dornoch, nas Terras Altas escocesas, e o copo-de-água foi no Castelo de Skibo, onde Madonna e Guy Ritchie deram o nó. No espírito tipicamente excêntrico de Musk, a festa incluiu um grupo de anões chamado Dwarf Vader, os seus Short Troopers [uma paródia à Guerra das Estrelas]. Quando eu lhe pergunto se ele é minimamente parecido com Stark na vida real, abana negativamente a cabeça. "O Tony Stark não tem filhos. Eu passo o meu tempo livre na Disneylândia e a fazer coisas com as crianças e isso não aparece nos filmes do Homem de Ferro. Aquilo em que somos parecidos – e a razão pela qual Robert Downey Jr. quis conhecer-me – é que eu sou o tipo técnico e o CEO, o que não costuma acontecer [nas empresas]." Musk disse-me que achava que nenhum homem fora à Lua nos últimos 50 anos porque nos tornáramos adversos ao risco. "Menos pessoas estão dispostas a arriscar, hoje em dia", disse.

Na Met Gala de 2018 com a artista Grimes, com quem namorou
Na Met Gala de 2018 com a artista Grimes, com quem namorou Foto: Getty Images


A capacidade para assumir riscos ousados e calculados definem melhor Musk do que qualquer outro atributo. Edward Ho, seu antigo parceiro de negócios, comentou a decisão de Musk de afundar na Tesla e na Space X os seus milhões ganhos na PayPal: "Faz parte do que distingue o Elon dos comuns mortais. Ele está disposto a correr uma quantidade insana de riscos pessoais." O problema de Musk era que o seu alter-ego, em vez de ser um super-herói, era um doido por festas. Musk mudou-se de S. Francisco para Los Angeles para estabelecer a SpaceX entre a maior concentração de engenheiros aeroespaciais do mundo, mas não tardou a descobrir algumas vantagens colaterais. Los Angeles era a cidade do celulóide, o lar de Hollywood. A fama bateu-lhe à porta e ele teve dificuldades em resistir-lhe. Jon Favreau, o realizador de Homem de Ferro, falou sobre o papel desempenhado por Musk como fonte de inspiração para a sua versão de Stark e propôs-lhe uma participação especial em Homem de Ferro 2. Musk foi puxado para a vida social e nocturna de L.A. Desajeitado e introvertido na infância, a sua personalidade e o dinheiro recentemente adquirido transformaram-no, subitamente, no centro das atenções. "Havia qualquer coisa para fazer todas as noites", disse Bill Lee, amigo íntimo de Musk que o apresentou a Riley.

Quando lhe perguntei sobre as suas saídas nocturnas, Musk respondeu: "Eu gosto de me divertir. A vida é curta, sabe? Porque não?" Ele organizou a festa do seu 40.º aniversário no Expresso do Oriente, com uma lista de convidados que incluía Sergey Brin, co-fundador da Google, e quis que fosse "a maior festa que o Expresso do Oriente alguma vez vira". Este estilo de vida não era adequado para Riley, que se sentia encalhada em Los Angeles, longe dos seus amigos e do West End londrino, e eclipsada pela crescente fama de Musk. Pouco depois de eu o conhecer, começaram a surgir problemas entre o casal. Perguntei-lhe se poderia entrevistá-lo com Talulah para uma entrevista "íntima" na sua mansão de Bel Air, mas ele disse que ela estava em Inglaterra para uma "estadia prolongada". A ausência prolongou-se de semanas para meses e divorciaram-se em 2012. Pouco depois, ele livrou-se de Mary Beth. Nada de especial, poderíamos pensar, mas alguma coisa se passara. Como um antigo assessor seu comentou, Tony Stark nunca trataria Pepper Pots dessa maneira.

Depois da sua separação de Riley, Musk mergulhou no trabalho, acelerando a produção do Model S e acrescentando à gama de carros eléctricos da Tesla o Model X, um SUV com bateria com portas de asa de falcão que faz lembrar o DeLorean de Doc Brown em Regresso ao Futuro 3. Musk também estava a trabalhar no Model 3, um carro que esperava que viesse a tornar os veículos eléctricos não poluentes acessíveis às massas e iniciasse a era dos motores eléctricos. Voltei a entrevistá-lo em Londres, na inauguração de uma loja Tesla – ao estilo das lojas de alta tecnologia da Apple – que venderia automóveis directamente aos consumidores. Ele também estava a planear encontrar-se com os cinco filhos – os trigémeos Kai, Damian e Saxon, nascidos em 2006, e os seus irmãos gémeos Griffin e Xavier, nascidos em 2004 – em Espanha para umas merecidas férias. Parecia muito cansado. As inexoráveis horas de trabalho ("Já consegui reduzir de 100 para 85-90 horas") estavam a pesar-lhe e a pressão era cada vez maior. Vender automóveis directamente aos clientes em vez de através de um intermediário era uma lógica clássica de Musk: desta forma, poderia reduzir os custos e, segundo ele, prestar um melhor serviço. No entanto, ele não previra que os vendedores de automóveis são altamente influentes, sobretudos nos EUA, onde muitos financiam campanhas políticas. A sua reacção aos planos de Musk foi quase hostil, disse-lhe. "Não foi quase", retorquiu. "Eu diria mesmo que levámos um murro na cara."

Os contratempos e exigências crescentes faziam lembrar os tempos negros de 2008, confessou. Nessa altura, ele fora obrigado a dormir nos quartos de hóspedes de amigos enquanto se separava de Wilson. Musk vivera outra tragédia pessoal, que não partilhara, mas que prejudicara o seu primeiro casamento – a morte de um bebé. Nevada Alexander Musk tinha 10 semanas quando morreu de síndrome de morte súbita, em 2002. Musk e Wilson deixaram o bebé a dormir no berço. Quando foram vê-lo, ele já não estava a respirar. "Quando os paramédicos o ressuscitaram ele estivera privado de oxigénio durante tanto tempo que o seu cérebro morrera", escreveu Wilson num artigo publicado, mais tarde, numa revista. "Elon disse claramente que não queria falar sobre a morte de Nevada. Eu não percebia isso, tal como ele não percebia que eu fizesse o meu luto de forma tão evidente." Em alguns momentos da nossa conversa, Musk ficou introspectivo. Recordando as suas três primeiras tentativas de lançar o seu foguetão Falcon e a altura em que a Tesla quase faliu: "Essa foi a altura mais sombria. Lembro-me de acordar e pensar: ‘Uau, nunca pensei que pudesse ter um esgotamento nervoso.’ Eu achava que isso era para gente fraca. Pensei que aquilo era o mais perto que me tinha aproximado de ter um." Num momento mau, Musk retomou a sua relação com Riley. Infelicíssimo sem ela, foi ao seu encontro em Inglaterra. Riley cedeu e voltaram a casar-se em 2013. "Recusei-me a falar com ele enquanto o divórcio não estivesse finalizado", disse Riley ao biógrafo de Musk, Ashlee Vance. "Quando o divórcio saiu, juntámo-nos imediatamente." Então, por que se separaram? "Porque eu não estava feliz. [Depois de nos separarmos] eu olhei à minha volta e não havia ninguém agradável com quem estar." Ela apercebeu-se de que era uma das poucas pessoas que Musk respeitava, de facto. "Ele provou-me que estava disposto a aturar as minhas ‘cenas’. Ele disse: ‘Vou ouvi-la e resolver isto.’ Ele provou-me que valorizava a minha opinião e que estava disposto a ouvir-me. Além disso, eu gostava dele e sentia a sua falta."

O estado de graça não durou muito. Os longos horários de Musk e as suas alterações de humor eram incompatíveis com uma vida familiar relativamente normal. Após anos a viverem juntos intermitentemente em Los Angeles, o casamento chegou ao fim em 2016, quando se divorciaram pela segunda vez. Musk disse que foi porque Riley queria uma vida mais calma em Inglaterra e "não gostava de LA". Sem uma companheira estável, os amigos notaram que o seu humor mudara para pior. "Ele parecia mais feliz quando as coisas estavam a correr bem e a partida dela contribuiu, definitivamente, para o acumular de stress", disse Vance. Em 2017, ele namorou com a actriz Amber Heard, mas já se tinham separado quando foi lançado o Model 3, em finais de Julho. A multidão esperava que ele entrasse em palco como Steve Jobs, mas ele mal tinha energia. "Eu precisei de toda a minha força de vontade para apresentar o Model 3 sem parecer o tipo mais deprimido do mundo", disse numa entrevista à revista Rolling Stone. "Durante a maior parte daquele dia senti-me mórbido. Depois tive de me mentalizar, de beber alguns Red Bulls, de rodear-me de gente bem-disposta e de dizer a mim próprio: ‘Esta gente toda depende de mim. ‘Bora lá, vamos a isto!’" E acrescenta: "Estou à procura de uma relação de longo prazo. Não quero casos de uma noite… Não consigo ser feliz sem uma companheira a sério." Enquanto recuperava da separação de Heard, teve uma relação amorosa com Claire Elise Boucher, uma cantora e compositora canadiana e produtora discográfica conhecida profissionalmente como Grimes, cujo estilo é princesa-bruxa-gótica-extraterrestre.

Musk manteve os seus demónios à distância trabalhando incessantemente para transformar a SpaceX numa empresa de foguetões com sucesso comercial, pondo satélites em órbita e transportando cargas até à Estação Espacial Internacional. A sua grande ideia era os foguetões aterrarem para serem reabastecidos com combustível, "como um 747", disse-me, em vez de se despenharem na Terra. Os cépticos não lhe prestaram muita atenção, dizendo que, se fosse viável, uma das gigantes aeroespaciais mais antigas, como a Boeing ou a Lockheed, já o teriam feito. Contudo, à semelhança de outros desafios impossíveis aceites por Musk, ele fê-lo funcionar. No mês passado, o propulsor de primeira fase de um foguetão Falcon 9 desceu suavemente até à base da Força Aérea californiana de Vandenberg, pronto para ser reutilizado pela terceira vez – um feito nunca antes alcançado. Foi o seu 17.º lançamento desse ano, parte de uma série de sucessos que confirmaram a fiabilidade da SpaceX como a melhor da sua área e fizeram aumentar o valor da empresa para uns estimados 28 mil milhões de dólares. O objectivo de Musk era construir uma frota de foguetões para colonizar Marte. Para provar que tal era possível, lançou um Falcon Heavy – com um Tesla Roadster a bordo como carga – para atravessar a órbita de Marte. Num gesto típico de Musk, foi uma combinação de manobra publicitária com façanha científica: o foguete, lançado em Fevereiro, era o foguetão mais potente desde as missões Apollo. "Durante muito tempo, eu não tive a certeza de que seria possível", disse-me. "Mas agora tenho." A piada que dizia era: "Quero morrer em Marte, mas não no momento do impacto." O problema é que, ao que parece, ele vai autodestruir-se muito antes de lá chegar. Um dos seus problemas é o lado obsessivo da sua personalidade. A mesma coisa que alimenta a sua capacidade fenomenal para trabalhar arduamente faz com que ele não seja capaz de se afastar de uma discussão. Ele levanta-se todos os dias preparado para salvar a Humanidade e depois fica furioso com qualquer coisa que perturbe a sua visão grandiosa. Pormenores triviais transformam-se em ameaças existenciais. "Ele tem uma atitude de ‘não fazer prisioneiros’ em matéria de relações-públicas", disse Rachel Konrad, antiga executiva de comunicações da Tesla. "Ele leva as coisas muito a peito e não recua. Se alguma coisa [na esfera pública] corre mal, ele quer que seja corrigida. Ele tem o olho de um engenheiro para o pormenor e a precisão." A discussão com Vernon Unsworth, o mergulhador espeleológico britânico a quem Musk chamou "pedófilo", é bastante ilustrativa. Numa entrevista dada à CNN, Unsworth, membro da equipa que ajudou a salvar 12 rapazes presos numa gruta inundada na Tailândia, disse que o mini-submarino de Musk fora uma "manobra publicitária sem qualquer hipótese de funcionar", acrescentando que Musk podia "enfiar o seu submarino num sítio onde doa". Musk ripostou, argumentando inicialmente com os méritos do seu submarino, mas de repente ficou enfurecido: "Vamos fazer um dos mini-subs/pods chegarem à Gruta 5 sem problemas. Desculpa lá, pedófilo, mas estavas mesmo a pedi-las", tweetou Musk numa troca de mensagens posteriormente apagada. Quando outros utilizadores do Twitter contestaram a sua irrupção, ele respondeu: "Aposto uma nota de dólar assinada em como é verdade", levando Unsworth, evidentemente, a apresentar queixa por difamação.

Do mesmo modo, depois do tweet sobre "privatizar a Tesla", Musk poderia ter restringido os danos com uma retratação rápida. Até poderia ter demonstrado que, tal como dissera, poderia financiar uma aquisição. Ele era amigo íntimo de Larry Page e de Sergey Brin, da Google, e numa ocasião anterior acordara em vender-lhes a Tesla. Mudou de ideias posteriormente, mas ninguém ficou ressentido e Page deixou a oferta em cima da mesa. No entanto, em vez de apaziguar a SEC, ou de contactar Page e Brin para o apoiarem, Musk agravou a situação e provocou a SEC no Twitter, descrevendo-a como Shortseller Enrichment Commission, acrescentando que a multa colossal que pagou "valeu a pena".

Em termos da sua capacidade para provocar discussões no Twitter, Musk rivaliza com Donald Trump. Além de estar em guerra com os reguladores federais, ele atacou os vendedores de automóveis, os sindicatos dos trabalhadores da indústria automóvel, a imprensa (chamou ao The Guardian o "jornal mais insuportável do mundo") e qualquer pessoa que o criticasse – especialmente os vendedores a descoberto de Wall Street. Quando, em 2017, a Tesla atingiu uma posição curta de 9 mil milhões de dólares – a mais alta do mercado –, Musk disse à Rolling Stone que os vendedores a descoberto eram "uns idiotas que querem matar-nos. Estão constantemente a inventar boatos falsos e a dar destaque a boatos negativos. É um grande incentivo para mentir e atacar a minha integridade. É mesmo horrível." Esta declaração evidenciou como a perspectiva de Musk mudara. Em 2013, quando eu lhe perguntei se alguma vez pensaria em tornar a SpaceX uma empresa de capital aberto, ele disse: "Não é um grande problema ser uma empresa de capital aberto, a não ser que nos preocupemos demasiado com as flutuações diárias do preço das acções." Cinco anos mais tarde, ele estava obcecado com essas flutuações, apesar de, na altura do seu fatídico tweet dos 420 dólares, a Tesla ter alcançado um valor tão elevado que se tornara um alvo óbvio. O seu valor na bolsa de valores era uns estrondosos 45 mil milhões de dólares, quase o mesmo que o da General Motors (GM). No entanto, a GM fabricava 10 milhões de automóveis por ano e fazia lucro.

A Tesla fabricava apenas 100 mil automóveis por ano e, naquela altura, não fazia lucro. Perante os altos e baixos do humor de Musk, os seus assessores fugiram a toda a velocidade. Como um antigo funcionário comentou, secamente, a taxa de desgaste entre a sua equipa de comunicação era comparável à dos atiradores de aviação da II Guerra Mundial. Em Junho passado, ficou convencido que havia conspiradores a planear destruir a Tesla e que a empresa estava a ser vítima de "roubo de bens, fugas de informação confidencial, negligência ou mesmo sabotagem". "Como sabem", escreveu num e-mail enviado aos seus colaboradores, "há [sic] uma longa lista de organizações que querem que a Tesla morra. Estas incluem os vendedores a descoberto de Wall Street… as empresas de petrolíferas e de gás que são a indústria mais rica do mundo – elas não adoram a ideia da energia solar e dos automóveis eléctricos. Depois há [sic] uma série de grandes concorrentes que fabricam automóveis a gasolina/gasóleo. Se estão dispostos a mentir tanto sobre as emissões, talvez estejam dispostos a mentir sobre outras coisas?" Pessimista acerca do futuro, também disse que as máquinas de Inteligência Artificial (IA) irão, em breve, tornar-se autoconscientes e dominar o mundo, como a Skynet nos filmes do Exterminador Implacável. "Tentei convencer as pessoas a abrandarem a IA, a regularem a IA, mas foi em vão", disse. "Tentei durante anos. Ninguém me deu ouvidos. Talvez ainda dêem, mas até agora não deram." Musk começou a falar em forças obscuras e transformou-se num dervixe rodopiante a tentar manter cada vez mais pratos a girar. É verdade que estavam, de facto, a reunir-se forças escuras, mas eram mais imediatas e tangíveis do que robôs assassinos. Os grandes fabricantes de automóveis, incluindo a Ford, a BMW, a Mercedes, a Audi e a Porsche tinham-se juntado para enfrentar Musk, criando uma rede de carregadores de automóveis eléctricos chamada Ionity. Os carregadores eram incompatíveis com o sistema de super-carregamento de Musk. Além disso, as marcas estão prestes a lançar modelos rivais do Tesla, utilizado tecnologia quase igual à de Musk. O Audi e-tron é lançado em 2019, seguido pelo Porsche Taycan, o EQC da Mercedes e o i4 da BMW. Entretanto, a Volkswagen, a empresa do ramo automóvel mais rica do mundo, construía uma "plataforma" para carros eléctricos chamada PPE (Premium Platform Electric), de design semelhante ao Tesla, que estará na base de milhões de carros eléctricos produzidos em massa.

O facto de os gigantes automóveis terem demorado tanto tempo a apanhar a Tesla é a prova de quanto Musk estava à frente do seu tempo. Se não fosse a sua visão, eles ainda estariam, sem dúvida, a tentar convencer-nos das vantagens dos combustíveis fósseis. Irá Musk sobreviver? No final de Outubro passado, a Tesla relatou lucros no terceiro trimestre do ano graças a um súbito aumento das vendas do Model 3. Sinceramente, espero que a empresa dê a volta – e vou explicar porquê. Os governos gastam milhões, ou mesmo milhares de milhões, em iniciativas para salvar o mundo com poucos ou nenhuns resultados. O Gabinete para os Veículos de Baixas Emissões, uma quango [organização quase não governamental] fundada pelo Departamento dos Transportes e pelo Departamento do Comércio, Energia e Estratégia Industrial do Reino Unido, vai gastar 1.500 milhões de libras, entre 2015 e 2021, para apoiar o aumento de veículos com baixas emissões. Fabricou carros eléctricos? Não. Construiu uma gigafábrica ou a maior bateria do mundo? Não. Já ouviu falar nele? É improvável. Todavia, Musk criou a Tesla com apenas 70 milhões do seu próprio dinheiro. Comparavelmente, a Nasa gastou quase 450 milhões para remodelar o Vaivém Espacial entre lançamentos.

Mas Musk fundou a SpaceX e lançou foguetões para o espaço por apenas 100 milhões. Ele planeia enviar duas pessoas para a órbita da Lua até 2023 – a primeira vez que astronautas irão para além da órbita baixa do nosso planeta desde a missão Apollo 17 de 1972 – sem um tostão dos cofres públicos. Segundo aqueles que o conhecem, Musk ficou magoado por perder a presidência da Tesla. "Ele aceitou mal aquilo", disse um amigo. Tudo isto somou-se à ausência de uma Mary Beth ou de uma Talulah Riley que poderiam tê-lo ajudado a manter-se equilibrado. Os seus críticos dizem que Musk é demasiado instável para gerir uma empresa de capital aberto. Talvez a História nos possa ensinar qualquer coisa a este respeito. Quando o rei inglês Jorge II foi aconselhado a não enviar o general James Wolfe numa missão militar até ao Canadá por Wolfe ser louco, ele fez a seguinte afirmação famosa: "Ele é louco? Então espero que morda alguns dos meus outros generais para eles também ficarem loucos." Se existissem mais homens loucos como Musk, talvez o mundo não estivesse tão estragado. Dentro da cabeça de Elon Musk há um rapaz de nove anos com o tipo de visões que ainda podem transformar o futuro da Humanidade. Esperemos que alguém esteja a tomar conta desse rapaz de nove anos. O planeta pode depender disso.

Visionário tecnológico ou egomaníaco?

Tesla. As vendas do Model 3 no salão da marca atingiram 56 mil unidades, no terceiro trimestre de 2018, contribuindo para os primeiros lucros da Tesla em dois anos.

Hiperloop. Uma viagem de Abu Dhabi até ao Dubai em 12 minutos? O desenvolvimento do primeiro sistema de transporte comercial usando o conceito de Musk começará no próximo ano.

Not-a-Flamethrower. Assim designado por motivos legais, o potente maçarico de Musk foi um sucesso na Primavera, quando 20 mil unidades se esgotaram.

Mini-Submarino. A missão de salvamento de Musk, na Tailândia, afundou-se sem deixar rasto depois de o seu veículo ser considerado uma "manobra publicitária" impraticável.

SpaceX. O objectivo a longo prazo da empresa é colonizar Marte. Em Fevereiro deste ano, Musk enviou um foguetão para a órbita do planeta vermelho.

Riscos elevados. As acções da Tesla caíram 3% depois de Musk fumar um "charro" de canábis num web chat show, em Setembro último
Saiba mais Elon Musk, Blade Runner, Space Exploration Technologies, Tesla Cybertruck
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